O
egocentrismo estraga almas. Deparei-me com o Lobo Antunes das crónicas (que
adoro e até prefiro ao dos romances) a confessar o azedume que ainda hoje
sente, após muitos anos da morte do pai. Li-lhe a incompreensão e a tristeza,
pelo facto de o narcisismo, característica que atribui ao pai, nunca lhe ter
permitido dizer aos filhos que sentia orgulho neles. O único retalho de
admiração tê-lo-á deixado escapar a outro dos seus filhos, com as breves
palavras: “O António tem faísca”.
Lobo
Antunes acha que a extrema vaidade e egoísmo do pai, nunca lhe permitiriam
reconhecer que os filhos eram bons! Tão bons ou melhor que o pai, o que o
levou, certa altura, a defender um dos seus irmãos a quem o pai apelidava de
fraco e responder-lhe que não só não era fraco, como tinha conseguido o que o
pai nunca alcançara.
O
pai de Lobo Antunes era cirurgião. Julgo que parte da sua vaidade e orgulho na
sua inteligência e no seu conhecimento provêm do papel que lhe cabia. Não raras
vezes, um cirurgião tem a vida de outro ser nas mãos e se estas lhe tremerem, a
vida evapora-se, num sopro. Vê-se, talvez, no papel do criador, esquecendo-se
que é apenas instrumento de alguém mais divino, permanecendo num limbo entre a
divindade e o terreno. O operador é, por isso, um semideus endeusado por toda a
raça humana que o admira e o venera. Eu incluída, porém, não será honesto
renegar outro tipo de inteligências que não são menores. O Lobo Antunes
escritor e também médico psiquiatra não é menor do que o seu pai. Talvez a escolha
da psiquiatria não tivesse sido fruto do acaso, talvez fosse uma procura que
lhe permitisse compreender e justificar o comportamento do progenitor.
Se o pai salvava
vidas, o filho salvava almas, duplamente: pela análise clínica e pela escrita.
Como pode um pai não sentir orgulho por um filho com tais méritos?! Atrevo-me a
dizer que não pode. Seria apenas demasiado vaidoso para lho confessar. No silêncio do que ficou por dizer, perdeu-se
o filho, hoje velho e distinto, mas que ainda procura o reconhecimento paterno.
Se topasse com
Lobo Antunes por aí, dir-lhe-ia que não se martirizasse, que, por certo, o seu
pai se regozijava com o que ele foi capaz de fazer com a sua vida, apenas lhe
tinha faltado coragem para o admitir.
As cigarras
também fazem falta à alma lusa que se alimenta de sonho, estrelas e poesia.
Bem-haja!
Nina M.
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