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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 6



            O egocentrismo estraga almas. Deparei-me com o Lobo Antunes das crónicas (que adoro e até prefiro ao dos romances) a confessar o azedume que ainda hoje sente, após muitos anos da morte do pai. Li-lhe a incompreensão e a tristeza, pelo facto de o narcisismo, característica que atribui ao pai, nunca lhe ter permitido dizer aos filhos que sentia orgulho neles. O único retalho de admiração tê-lo-á deixado escapar a outro dos seus filhos, com as breves palavras: “O António tem faísca”.
            Lobo Antunes acha que a extrema vaidade e egoísmo do pai, nunca lhe permitiriam reconhecer que os filhos eram bons! Tão bons ou melhor que o pai, o que o levou, certa altura, a defender um dos seus irmãos a quem o pai apelidava de fraco e responder-lhe que não só não era fraco, como tinha conseguido o que o pai nunca alcançara.
            O pai de Lobo Antunes era cirurgião. Julgo que parte da sua vaidade e orgulho na sua inteligência e no seu conhecimento provêm do papel que lhe cabia. Não raras vezes, um cirurgião tem a vida de outro ser nas mãos e se estas lhe tremerem, a vida evapora-se, num sopro. Vê-se, talvez, no papel do criador, esquecendo-se que é apenas instrumento de alguém mais divino, permanecendo num limbo entre a divindade e o terreno. O operador é, por isso, um semideus endeusado por toda a raça humana que o admira e o venera. Eu incluída, porém, não será honesto renegar outro tipo de inteligências que não são menores. O Lobo Antunes escritor e também médico psiquiatra não é menor do que o seu pai. Talvez a escolha da psiquiatria não tivesse sido fruto do acaso, talvez fosse uma procura que lhe permitisse compreender e justificar o comportamento do progenitor.
Se o pai salvava vidas, o filho salvava almas, duplamente: pela análise clínica e pela escrita. Como pode um pai não sentir orgulho por um filho com tais méritos?! Atrevo-me a dizer que não pode. Seria apenas demasiado vaidoso para lho confessar.        No silêncio do que ficou por dizer, perdeu-se o filho, hoje velho e distinto, mas que ainda procura o reconhecimento paterno.
Se topasse com Lobo Antunes por aí, dir-lhe-ia que não se martirizasse, que, por certo, o seu pai se regozijava com o que ele foi capaz de fazer com a sua vida, apenas lhe tinha faltado coragem para o admitir.
As cigarras também fazem falta à alma lusa que se alimenta de sonho, estrelas e poesia. Bem-haja!
Nina M.

             

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