Alguns escritores exercem sobre mim um
grande fascínio. Deixam-me as suas personagens com quem vou tropeçando aqui e
além ao longo da vida. Os livros têm esta capacidade de se tornarem perenes em
nós e as pessoas que os povoam tornam-se mais reais do que a própria realidade.
Ganham uma dimensão tão autêntica que as carregamos connosco sem darmos por
isso. Subitamente, quando se sentem esquecidas, assaltam-nos o espírito de
improviso, quais ladrões da serenidade!
Como ficar indiferente a um Zezé do Meu Pé de Laranja Lima ou a um FranK
Mcourt do Cinzas de Ângela, ao Torga
da Criação do Mundo, ao Hans da Saga de Sophia, ao Carlos e Afonso da
Maia, ao Baltasar e Blimunda, entre tantos outros? Sinto-os como velhos
conhecidos que me visitam sempre que lhes apetece. Sempre que isso acontece sei
que o livro cumpriu a sua missão e que a sua leitura valeu bem a pena! Há
livros assim, livros que nos enchem de tudo e são esses que nos deixam um
pouquinho tristes quando os terminamos, por soar a despedida…
Os seus autores causam-me profunda
admiração e respeito pela sua capacidade de criarem almas que se incrustam na
minha. Parecem semideuses, donos e senhores de uma realidade paralela,
criadores de novos mundos e de novas dimensões, artesãos de palavras
meticulosamente trabalhadas, entalhadores de joias raras…
Quando lhe perguntaram sobre o ato criativo,
se quando imaginava a história já sabia como a terminaria, Lobo Antunes
respondeu que o livro vai-se construindo a si próprio. Também o sinto assim. As
personagens ganham existência, tornam-se tão reais que vão traçando o seu
caminho, vão desenhando o seu destino e o autor limita-se a ouvi-las e a
dar-lhes voz. Um escritor nunca deveria sentir-se sozinho, já que vive na
polifonia gerada pela sua criação, num dialogismo que não se quer mudo e que,
quem sabe, dará origem a uma nova obra e, no entanto, a escrita é solitária.
Para ela concorrem apenas o escritor, a sua imaginação e intelecto e uma folha
em branco. “É um estar só entre a gente”, esclareceria o nosso Camões, num
diálogo constante consigo mesmo, pois são eles o recetáculo de espíritos
alheios que vão personalizar.
Nunca vos falte a boa vontade de Morfeu
para que dos sonhos nasçam novas vidas!
Nina M.
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