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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 57



Alguns escritores exercem sobre mim um grande fascínio. Deixam-me as suas personagens com quem vou tropeçando aqui e além ao longo da vida. Os livros têm esta capacidade de se tornarem perenes em nós e as pessoas que os povoam tornam-se mais reais do que a própria realidade. Ganham uma dimensão tão autêntica que as carregamos connosco sem darmos por isso. Subitamente, quando se sentem esquecidas, assaltam-nos o espírito de improviso, quais ladrões da serenidade!
Como ficar indiferente a um Zezé do Meu Pé de Laranja Lima ou a um FranK Mcourt do Cinzas de Ângela, ao Torga da Criação do Mundo, ao Hans da Saga de Sophia, ao Carlos e Afonso da Maia, ao Baltasar e Blimunda, entre tantos outros? Sinto-os como velhos conhecidos que me visitam sempre que lhes apetece. Sempre que isso acontece sei que o livro cumpriu a sua missão e que a sua leitura valeu bem a pena! Há livros assim, livros que nos enchem de tudo e são esses que nos deixam um pouquinho tristes quando os terminamos, por soar a despedida…
Os seus autores causam-me profunda admiração e respeito pela sua capacidade de criarem almas que se incrustam na minha. Parecem semideuses, donos e senhores de uma realidade paralela, criadores de novos mundos e de novas dimensões, artesãos de palavras meticulosamente trabalhadas, entalhadores de joias raras…
 Quando lhe perguntaram sobre o ato criativo, se quando imaginava a história já sabia como a terminaria, Lobo Antunes respondeu que o livro vai-se construindo a si próprio. Também o sinto assim. As personagens ganham existência, tornam-se tão reais que vão traçando o seu caminho, vão desenhando o seu destino e o autor limita-se a ouvi-las e a dar-lhes voz. Um escritor nunca deveria sentir-se sozinho, já que vive na polifonia gerada pela sua criação, num dialogismo que não se quer mudo e que, quem sabe, dará origem a uma nova obra e, no entanto, a escrita é solitária. Para ela concorrem apenas o escritor, a sua imaginação e intelecto e uma folha em branco. “É um estar só entre a gente”, esclareceria o nosso Camões, num diálogo constante consigo mesmo, pois são eles o recetáculo de espíritos alheios que vão personalizar.
Nunca vos falte a boa vontade de Morfeu para que dos sonhos nasçam novas vidas!
Nina M.

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