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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 56



O Homem distingue-se dos animais pela capacidade de pensar. É esta faculdade que permite todas as grandes realizações do ser humano e que lhe possibilita apreciar e ser sensível à arte. Pode-se estremecer perante um quadro, arrepiar com uma música, rir ou chorar com um livro, sentir uma ternura infinita perante a Pietà… Falamos de emoções, dirão alguns. Certo, porém, os sentimentos também são produções cerebrais, estimulados pelo que vemos, ouvimos e lemos.
Todo o Homem é um ser pensante. Como diria Pessoa, é tão natural ao ser racional pensar como uma flor florir. No entanto, a profundidade do pensamento de cada um poderá ser discutível. Uma das temáticas de Fernando Pessoa é a “dor de pensar”. Segundo ele, o Homem seria tão mais feliz quanto mais sensação, mais espontâneo e inconsciente fosse. Reconhece, no entanto, a inevitabilidade do pensamento e, portanto, a incapacidade para ser feliz.
Talvez o segredo para a tranquilidade de espírito esteja na capacidade de relativização dos factos ou na ausência de reflexão, se é que isso é atingível. Se perante uma tragédia ou perante o mal adormecermos o pensamento e nos distanciarmos, não sentiremos a dor. Provavelmente a distância é também um imperativo para vivermos melhor. Somos imbuídos de compaixão pelos pequenos dramas caseiros e indiferentes pelas grandes tragédias da humanidade. Talvez a guerra na Síria nos cause menos calafrios do que a doença maligna do senhor António que, por acaso, até é boa pessoa e meu vizinho. Esta aceitação pacífica dos horrores que nos são distantes compactua com a atrocidade feroz que se abate sobre a humanidade. Temo bem que o egoísmo e a preocupação pela autopreservação em detrimento do coletivo conduzam o Homem às zonas mais sombrias da sua existência.
Desconheço quantos deixam que estas preocupações ocupem o seu pensamento ou até se valerá a pena, já que o cidadão comum se sente impotente para mudar o que quer que seja e considera as suas intenções, apesar da boa vontade, infrutíferas e meros resquícios de um aliviar de consciência que ninguém quer saber se existe. Resta saber como cada um de nós quer ou pode coabitar consigo mesmo, reconhecendo que o seu papel face aos desvarios do outro deveria ser mais preponderante na defesa do bem comum.
Nina M.

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