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sábado, 28 de maio de 2022

Crónica de Maus Costumes 279

 

Os filhos e a vida

                Falava-me uma mãe da alegria que sentiria em ver os filhos bem-sucedidos, na vida. Qualquer pai ou mãe se preocupa com o futuro dos filhos e quer vê-los bem.

A questão que importa colocar é a noção de bem-sucedido. Naturalmente, avaliamos o sucesso pela nossa bitola e pelos nossos olhos e esquecemos que os filhos não são objetos que nos pertencem, mas indivíduos autónomos, apesar de os carregarmos no ventre e que não têm qualquer obrigação de satisfazer as nossas expetativas que se traduzem, muitas vezes, na concretização de objetivos que falhámos por culpa própria.

Nunca idealizei qualquer profissão para os meus filhos. Serão o que quiserem ou puderem ser. Se me perguntam, também vislumbro o futuro deles a passar pelo estudo e lastimaria se assim não fosse, mas teria que o aceitar, porque o sapato que me serve pode não servir aos outros. O que lhes desejo é a capacidade de se autossustentarem, porque a mãe é mãe, mas não de gente que não quer fazer nada. A forma como o vão fazer determinará se as suas vidas serão um pouco mais fáceis ou difíceis. Por isso, se a ideia de sucesso e de felicidade dos garotos for sair de mochila às costas para conhecer o mundo com meia dúzia de trocos no bolso ao invés de um trabalho estável e razoavelmente bem remunerado, saibam como amealhar os trocos para cumprirem o sonho. Quero que saibam essencialmente o valor da autonomia e que aprendam a gerir a própria vida em função das escolhas que fazem. Se é verdade que as circunstâncias nos limitam, não é menos verdadeiro que as escolhas que fazemos são de nossa inteira responsabilidade e temos que o assumir e pagar o preço necessário, sem lamentações.

Sinto compaixão pelos miúdos que se veem na obrigação de cumprir o sonho e as expetativas dos pais, porque estão a ser sobrecarregados com um fardo que não lhes pertence. Só será justo que cumpram o peso das suas decisões, não as dos pais. De modo que de cada vez que os pais se intrometem na vida íntima do filho, com o argumento de que sabem o que é melhor para ele, muitas vezes, porque não aprovam o parceiro escolhido, outras porque não aceitam a orientação sexual diferente da maioria, noutras situações, não aceitam a opção em relação à profissão escolhida, dá-me vontade de lhes dizer que cresçam, que assumam os seus fracassos e que os tentem remediar sem ser através da prole. São pais ditadores que se tentam cumprir pelos filhos, porque não foram capazes de o fazer apenas por si. São pais com vazios terríveis cuja vida gravita em torno da paternidade, sem outro objetivo ou desafios.

Às minhas crias, quero incutir-lhes apenas a capacidade de serem independentes, a vontade de se tornarem gente com bons princípios, que assumem a vida como a querem levar, sabendo que terão sempre de lidar com as consequências advindas da escolha. Quero, portanto, que tenham a liberdade de escolher alicerçada na responsabilidade. Quero que tomem a vida nas mãos conscientes de que nem tudo são rosas, de que há muitos espinhos, mas que talvez a maioria deles sejam por nós plantados. Quero essencialmente que tenham uma vida boa e lembro-me de Fernando Savater em Ética para um jovem, em que o pai deseja que o filho lhe diga que quer uma vida boa e ele, pai, o esclarece sobre o conceito de vida humana boa e lhe explica que a condição de humano implica a relação com os outros e que a casa mais sumptuosa, muito dinheiro, as melhores roupas, entre outras coisas, não servem para nada nem alegram na solidão, porque “se a solidão for completa e definitiva, todas as coisas se volvem irremediavelmente amargas. A vida humana boa é vida boa entre seres humanos ou, caso contrário, pode ser que seja ainda vida, mas não será nem boa nem humana.” – diz Savater.

Por isso, filhos meus, em vez de muitos e excessivos bens materiais, facilmente dispensáveis, procurai quem vos cure a solidão e aquilo que vos alimenta a alma e tereis o essencial que nenhum dinheiro pode comprar: uma alma sem vazio!

 

Nina M.

 

 

 

Crónica de Maus Costumes 278

  Festejos e civismo

                Os festejos do Futebol Clube do Porto continuam e, hoje, abre-se a Câmara e a sua varanda ao clube e às gentes da cidade e de fora que queiram celebrar o campeonato com o plantel da equipa. Espera-se que corra tudo pelo melhor e que não haja quaisquer incidentes. Com esse intuito foi mobilizado um forte contingente policial. Nos países e lugares civilizados, as pessoas devem poder sair à rua para manifestar a sua alegria em segurança, com a sua família.

            Devido ao homicídio que ocorreu na Alameda, no passado fim de semana, foram tomadas fortes medidas preventivas, a bem da população. Lastimo, como a generalidade dos portugueses, os funestos e dispensáveis acontecimentos. É, no entanto, necessário salvaguardar-se a correção dos factos e o bom nome do Futebol Clube do Porto que, em rigor, nada teve a ver com o sucedido. O crime deplorável é fruto de querelas particulares entre pessoas que, por acaso, são adeptas do mesmo clube, mas nem o móbil do crime está associado ao futebol. A pega entre ambas a personagens já vem de longe. Ao que parece, desentenderam-se também em Lisboa, no jogo em que a equipa se sagrou campeã e o homicida aproveitou o ajuntamento e a euforia da festa, onde não houve qualquer outro desacato, para matar violentamente aquele que era motivo de seu ódio visceral, por motivos de orgulho ferido e de macheza estúpida, como se pode ouvir pelos áudios que circulam na Internet. Um crime daquela natureza (não aconselho que vejam as imagens, mas posso afirmar que nem o porco na matança é vítima de tantos golpes) só se explica pela sede de vingança e pelo ódio. Um crime estúpido e cego perpetrado à frente de inúmeras testemunhas. O responsável será, obviamente, punido pelo desmando. Terá, provavelmente, o mesmo destino que o Pidá, agasalhado no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira há muitos anos. Esperemos que o acontecimento não ganhe os mesmos contornos que o caso passado, em que as vítimas mortais foram várias, de ambos os lados, fazendo lembrar os gangues dos filmes americanos. Pelo que se sabe, já houve tiroteio no bairro de onde um deles é originário, que a vítima mortal tem irmãos presos e que aguardam a chegada de pai e filho para um ajuste de contas. Esperemos que haja discernimento, racionalidade e acomodação de desejos criminosos de vingança.

            Certo é que tal comportamento manchou a festa e quem o teve não dignificou sequer o clube, caso contrário, não teria aproveitado um momento de felicidade da equipa e dos adeptos para dar aso aos seus maus fígados. Infligiu o terror e o medo e, hoje, dia da festa oficial, havia gente com receio de ir aos Aliados festejar, por temer, subitamente, transformar-se num dano colateral de uma vingança mal calculada. Estamos perante um crime ao qual o clube é completamente alheio. O Futebol Clube do Porto repudiou, naturalmente, os acontecimentos, tendo endereçado as condolências à família.

            Os assassinos são elementos da claque Super Dragões, que está devidamente legalizada, com os seus membros identificados. Também o crime é alheio à claque e convém dizê-lo. Não foi praticado no seio da mesma nem propriamente no contexto de jogo. Devo acrescentar que considero as claques importantes para conferirem maior emotividade e alegria ao jogo. Sem elas, o ambiente seria insípido e os jogadores gostam de sentir o apoio dos adeptos. E são eles, os elementos da claque, que apoiam e cantam do início ao fim, com firme vontade. Atribuo, portanto, o devido valor às claques. No entanto, elas, como grupos de apoio legalizados, e os Super- Dragões até órgãos sociais têm, devem zelar pelo bom comportamento, dentro do que a lei permite a qualquer cidadão. No caso de haver incumprimento, essas pessoas teriam de ser severamente punidas. Assim se acabou com o holiganismo na Inglaterra, assim se acabaria com os comportamentos violentos dentro das claques. Este incidente foi fora do estádio, num contexto diferente e com diferentes motivações. Nem os assassinos teriam podido entrar com facas para o recinto desportivo, porém, quem age com esta violência, quem revela sangue-frio para retirar a vida a um ser humano, da forma mais hedionda possível, poderá agir com violência noutras circunstâncias. Talvez valha a pena investir mais na prevenção do que na reação.

A lei portuguesa tem de ser mais severa. Não compete ao clube nem ao líder dos Super Dragões (e não nutro qualquer simpatia nem admiração pelo Madureira) lidar com um caso que assume proporções destas. Um indivíduo que comete um crime desta natureza e que se comprove ter comportamentos desviantes não deveria poder ser membro de qualquer claque. Não são os clubes que o devem definir, mas tem de haver um quadro legal que o previna. Se eu, no âmbito da profissão que exerço, sou obrigada a apresentar um registo criminal limpo, por que razões não o exigem também a grupos associados legalizados desta natureza?

            Há uma reflexão que urge fazer e medidas que devem ser tomadas, a bem do futebol, dos próprios clubes e da boa cidadania. Espero que o bom senso volte a reinar e que qualquer possível desejo de vingança termine com a consciência de que nada devolverá a vida ao Igor. Descanse em paz.

 

Nina M.

                 

 

 

 

 

 

Crónica de Maus Costumes 277

 

Saudações portistas

            Digo logo ao que venho para avisar os mais desprevenidos de que se não gostarem do título podem dispensar a leitura do restante texto. Felicito o Futebol Clube do Porto, equipa técnica, jogadores e todos os portistas, naturalmente. Soube bem, mas já acabou. Há que pensar no próximo objetivo. Respeitosas saudações aos adversários, porque sem eles, não seríamos campeões de coisa nenhuma. Ninguém joga contra si mesmo.

            O Futebol Clube do Porto anda comigo há anos, desde que me reconheço. Anda com todos nós, em casa, desde a infância, afeição e paixão incutidas pelo pai. Um marcuense ou canavês, se preferirem, que viveu no Porto, onde conheceu a esposa e veio parar a Paços de Ferreira, terra da mulher. Entretanto, já tem mais anos de Paços do que do Marco, pelo que será já mais pacense que outra coisa. O meu pai aprendeu também a gostar do Paços, ainda no tempo em que se chamava Futebol Clube Vasco da Gama, pela mão de um dos cunhados, o meu tio Agostinho, que nem cheguei a conhecer, por ter morrido demasiado cedo. É sócio do Paços, mesmo que pela idade só vá ao estádio em dias primaveris, mas o Futebol Clube do Porto é o primeiro amor. Logicamente, hoje, o senhor Moreira ficou feliz.

            Na minha infância, os jogos do Porto eram acompanhados ao sábado à noite  ou ao domingo à tarde pela rádio. Era raro ver-se um jogo de futebol na televisão, pelo que a paixão dedicada a um clube que nem se podia ver jogar não deixa de ser curiosa. Noventa minutos de vozes corridas, velozes, a acompanhar os sprints dos jogadores. Creio mesmo que, na maioria das vezes, os relatadores eram mais rápidos do que os próprios atletas e conseguiam imprimir à partida a velocidade que ela não tinha. Por isso, quando os jogos pela televisão se popularizaram ou quando se ia ao estádio, perdia-se um pouco desse encantamento.

As vozes eram-nos familiares, assim como o rosto do programa desportivo mais emblemático de sempre: O Domingo Desportivo. A Bola Branca também era bastante aguardada. Gomes Amaro, a voz dos jogos do Porto, teve o privilégio de gritar o golo de calcanhar de Madjer, em Viena e, no fim do grito extenso de golo, vinha o infalível Samba: “que bonito é/ As bandeiras tremulando/A torcida delirando/ Vendo a rede balançar…” Impossível esquecer estas memórias… Era por intermédio desta voz que nos chegavam os nomes dos jogadores do Porto, a emoção do jogo e as vitórias e também a tristeza, com as derrotas. Talvez por causa disso, de tanto ouvir os golos do Gomes (o “bi-bota”) relatados pelo Gomes Amaro, o tivesse escolhido para ídolo na infância. Invariavelmente, quando brincávamos às grandes penalidades, em que transformávamos o velho sofá em baliza, na minha vez de chutar, eu era o Gomes e os irmãos já sabiam que não podiam escolher a figura, porque esse era meu… O que faz ser a miúda no meio de rapazes… Se eles se recusavam a brincar às bonecas, eu tinha de me adaptar! Desgraçado do Gomes… Não ficaria conhecido como “bi-bota” se tivesse marcado o mesmo número de golos que eu…

            Fiquei de coração partido quando ele foi para o Sporting e lá terminou a sua carreira. O meu ídolo já não representava os dragões, pelo que já não o podia escolher… Uma desolação…

            Guardo ainda uma imagem do Zé Beto, o guarda-redes, no estádio do Guimarães, creio que num jogo para a taça e contra o Vizela, se a memória não me atraiçoa, sentado num calhau ao lado da baliza, enquanto o jogo se fazia no meio campo da equipa adversária, como quem se aborrecia com o jogo tépido. Lá fizemos os pais comprar umas bandeiras azuis e brancas, bem bonitas, por sinal, tantas vezes ondeadas.

            O Futebol Clube do Porto é parte integrante das minhas felizes memórias. É passado, presente e será, certamente, futuro.

            Vamos ao leitão habitual, que este ano pagam os portistas, com a mesma satisfação de sempre…

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Interstício

Neste intervalo de silêncio
De primavera morna e molhada
Onde a tristeza faz ninho
De solidão adivinhada

Num interstício de tempo
Entre um antes e o depois
Seria bom viver no intervalo
Uma vida inteira a dois

É primavera morna e molhada
De chuva fina que se entranha
Nos ossos na alma tamanha
Melancolia que se estranha

Invoco os dias inocentes
De ilusão pura de criança
Onde o belo e a pureza
Se abraçam numa dança

Porém o precipício certo
De um fim anunciado
Deixa o ser num deserto
E a morte ao seu lado

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Velhice

Um dia serei velha
Sem medo da palavra
Ve-lha
Serei velha de mãos, de rosto
De colo enrugado
Sobrarão sulcos e peles flácidas
A acusar a lei da gravidade
Secarão as fontes
Murcharão os lírios
Olhar-me-ei ao espelho
E talvez não me reconheça
Quem sabe vive uma centelha
No olhar baço e apagado
Do verde desmaiado
Serei terrivelmente
Desoladamente velha
Ainda assim carregarei
A inocência de um olhar




terça-feira, 10 de maio de 2022

Hei de levar um olhar

Hei de levar um olhar
Doce e apaixonado
Um fervor a despontar
Em quem é ao meu lado

Mesmo que viva cem anos
Não haverá escuridão
Pelo brilho de um olhar
Que suspende o coração

Recolho dele a poesia
Que me vem ter à mão
Trazem-me os olhos maresia
O segredo da comoção

Nesse olhar me perco
Nesse olhar me acho
Nesse olhar um deserto
Em busca de um oásis
Perdido no universo
Para mim uma miragem









quinta-feira, 5 de maio de 2022

Equilibrista

Equilibrista num fio tenso de arame
O chão da vida por rede e desafio
E a altura sempre a causar vertigem

Só pode ser alerta dos deuses
Nenhum passo em falso
Nenhum tremor mostra o pé firme

Agarrado ao aço demasiado fino
Tenso e imóvel
Lentamente, num jogo de vida e de morte

Avança no fio, na possibilidade da queda,
Sempre chega ao extremo da vida
Sempre a sentir o hálito da morte

E sempre a sobrevivê-la...


domingo, 1 de maio de 2022

Sob o halo lunar

Sob o halo lunar
Candeia na escuridão
Há quem sonhe voar
Mas fique preso ao chão

É a quimera atrevida
Ao sonhador seu irmão
Fazê-lo voar na brisa
Numa bola de sabão

Eis que volteia colorida
Pela luz da noite varada
Indício de vida perdida
Desvanece perfurada

Não é bola não é cor
Um ar forte a varou
Sob o halo desertor
Perdeu-se e não se achou.