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sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Porque o quiseste e pelejaste


Porque o quiseste e pelejaste
Mais do que qualquer ser
Obstinadamente me ganhaste
E me manténs em ti sem me perder

Porque infinitamente me queres
Alma volátil, errante e intensa
Se todo a mim te deres
Talvez te percas sem grande recompensa

Sou palavras soltas e arredias
Juntam-se atrevidas num só verso
Ao veres a minha alma nua, arderias
Nesta vida neste amor e temor certo

Não me culpes pela alma doentia
Sem cura, espécie de barco à vela
Se por ela a toda a gente a reprimia
Como castigo tenho de viver com ela.

Pedes, amor, que mude o tom

Pedes, amor, que mude o tom
Como se nunca houve
Tom mais certo e tão exato
O tom que é o nosso 
O único conhecido
Não há tom mais cordato
Límpido e transparente
Não transmudemos as palavras
As emoções nem o ser
Não vendamos o que somos
Ao desbarato por qualquer preço
Prova desleal imputada ao amor
Que se quer inteiro
Desprendido e se reconhece
Não disfarcemos o que é
No que nunca terá sido
Será o que puder ser
Será o que tiver de ser
Ainda assim Amor...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Niilismo

O nada que se julga ser
E se recusa por vontade de viver
Não é nada enquanto existe
E cria e sente e se dá
Nada que se reconhece naquele e no outro
E  se reinventa triste
Por trazer a saudade ao peito
Amor intemporal por herança
Desde cedo, desde criança
Teima e persiste
É já luta perdida
Frágil, trémula, cintilante luz
Ocupa o ser sua cruz
Excedente de ser vida desmedida
Alma íngreme espírito alado
Cumpre-se na imaginação
De um quase desejado
De um quase almejado
De um quase tudo que enjeita o nada

Será

Será?
Se o amor não puder ser
Amor-ser, amor-devir
será amor pela metade
Folha velha por cair?
Outono de uma vida 
Desmedida no apego
À saudade trazida?

Será
Falha na transcendência
Prisão do espírito
Agarrado às fundações
Perdido do infinito?
Não vislumbra emoções
Sobrará coração e ser
Por não se querer perder?

Será
O cinismo da vida
No seu habitual trajeto
Combate-o a alma toda
Rejeita tal projeto
Sofre penas em vão
Só para morrer de pé
Seu sentir não é vilão

Será
Dialética imperfeita
Vencida pela razão
Segue sem destino algum
Porque manda o coração
Por grandeza e elevação
Acomoda-se sensato
Derrotado é compaixão

Mas no fundo de uma alma
Flameja chama ardente
Não se extingue nem desarma
Condição incandescente
No furor de tanto ser
Corpo e alma excedente
Só vontade de viver

Sorver tudo de um só trago
Abarcar o infinito
prender a heresia
Amarrar a maresia
que lhe alaga todo o peito
E num clamor aflito
Pôr o mundo a seu jeito.



segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Natal

Deixo, neste Natal,
Uns versos de amor
Simples, talvez parcos
em dor e sem fulgor
perante a possibilidade
De um nada que não existe

Deixo, neste Natal,
O estro de mim renascido
Arrancado à existência entumescida
Das entranhas saído
Feito halo existencial
Sempre em busca do essencial

Deixo, neste Natal,
O poema forjado em mim
O beijo alado que se quer soltar
Apenas para te encontrar
Selar com dádiva e amor
A beleza do encontro sem fim



sábado, 22 de dezembro de 2018

Crónica de Maus Costumes 112


A Insustentável leveza do ser


Há almas que excedem o ser e o tornam demasiado ambicioso, inquieto e questionador. Normalmente não é fácil conviver-se com esta forma de sentir tudo de todas as maneiras, em busca do que completa na perfeição e na exigência que se coloca.
A vida pode ser bastante cínica e irónica com estes seres, porque para falhar basta existir e a autoconsciência da falha é difícil de carregar, principalmente, para os que exigem a si mesmos o cumprimento impoluto. Viver nesse paradigma traz angústias e agonias e não será para todos. É um estado de alerta constante que aceita breves momentos de leveza, mas que se forem em demasia se tornam insustentáveis, porém, o peso é um fardo difícil de suportar…
 É preciso um equilíbrio entre a leveza e o peso, difícil de conseguir, para não se viver nem subjugado pela carga nem na superficialidade, sem saber o sabor das entranhas do ser.
Quando a existência e as circunstâncias o permitem, tudo se torna mais fácil de conciliar e a alegria chega e instala-se ufana, mas de forma lúcida, porque veio do reconhecimento do espírito e da alma. Às vezes, surge porque se encontrou outra alma congénere e nada pode desfazer a sintonia.
Segundo Sartre, a existência precede a essência. Talvez seja uma janela de oportunidade para que cada um construa a sua história, com a angústia que a liberdade traz. Seremos livres, mediante determinadas circunstâncias, de fazer uma escolha que pode ou não ser a que mais se deseja, mas a que se oferece como mais razoável aos nossos olhos, porém, depois, é preciso saber viver sem rede com as consequências que daí advierem, boas ou más. A noção de que se está entregue a si mesmo, eleva a responsabilidade. O que se escolhe ser perante as circunstâncias que nos rodeiam é uma decisão individual que é necessário assumir. Muitas vezes, plena de conflitos interiores que parecem não ter solução. Quando a alma é grande e profunda, o ser deseja esventrá-la e revirá-la, vê-la do avesso para ver se se reconhece, empenhando-se numa busca necessária que se espera também que seja suficiente, correndo sempre o risco de que nunca nada chegue, nem o saber, nem a ânsia e nem a vida. Tudo parece muito curto, afunilado e castrador.
Vistas as coisas por este prisma, o Homem estaria condenado ao pessimismo e talvez se deixasse corroer pelo cinismo, que é necessário combater. Procurem-se dois remédios infalíveis: a esperança e o amor. Os ingredientes capazes de conferirem algum alívio às angústias de cada um.
Nina M.



domingo, 16 de dezembro de 2018

Se a angústia que vem calada

Se a angústia que vem calada
Se cola ao corpo que não a despe
Traz incerteza velada
De uma alma sempre agreste
Fustiga-se e chora em vão
Por outro não poder ser
Só ela não seu irmão 
Sabe como quer viver
Escusam-se explicações
Para os desiguais sossegados
Por muito esforço que se faça
Não chegam respostas sensacionais
Apenas esquissos e impressões
Retirados dos sinais
Ferro fogo frio cru
Amálgama tão embrulhada
Viesse uma força quebrada
Pusesse tudo a nu
Numa noite amargurada
E do cansaço resplandecente
Surgisse uma nova aurora
Levasse o sol poente
Por esse mundo fora

Crónica de Maus Costumes 111


Histórias, Mitos e Humanidade

A História das civilizações é fascinante. Para compreendermos o Homem devemos recuar aos primórdios e tentar reconstruir a sua narrativa. Só assim poderemos entender a importância de alguns mitos na construção da humanidade.
É curioso como a mitologia greco-latina se cruza, por vezes, com mitos cristãos. Foi Prometeu quem criou o Homem com argila e água, depois de o seu irmão Epimeteu ter gasto todos os recursos na criação de todos os animais e não conseguir criar a raça humana. Prometeu dotou o Homem de raciocínio e pensamento e dotou-o das mais variadas aptidões. Zeus zangou-se com a fidelidade de Prometeu aos mortais que criara. Para o aplacar, Prometeu enganou-o. Colocou-lhe duas oferendas à escolha: uma carne de boi selecionada dentro de um estômago repulsivo e apenas os ossos, envoltos numa camada de gordura apelativa. Zeus terá sucumbido ao engodo e a partir desse momento, os humanos ficaram com a carne dos animais que sacrificavam e ofereciam só os ossos. Zeus vingou-se e retirou o fogo aos humanos, mas Prometeu roubou-o, dentro de um caule de funcho e devolveu-o aos homens. Como castigo, Zeus enviou Pandora, também forjada do barro por Hefesto. Ofereceu-a como parceira do Homem. Epimeteu aceitou a oferenda, apesar dos avisos de Prometeu. Pediu a Pandora que nunca abrisse o baú de onde tinha retirado todos os atributos com que tinha dotado os animais, pois não tinha restado nada de bom. Pandora, movida pela curiosidade, não resistiu e abriu o baú, de onde saíram todos os males: doenças, inveja, ganância, os males da humanidade. Fechou-o a tempo de evitar que saísse o mal que acaba com a esperança e, por isso, ainda hoje, o Homem a conserva.
Prometeu foi castigado. Acorrentado no Cáucaso, onde diariamente o seu fígado era devorado por uma águia, durante o dia e se regenerava durante a noite, dada a sua condição de imortal. Condenado a este horror durante trinta mil anos, foi libertado por Héracles, o grego, ou Hércules, o romano, após o cumprimento dos seus doze trabalhos. Substituiu Prometeu pelo Centauro Quíron, igualmente imortal. Zeus tinha determinado que só a troca de Prometeu por outro ser eterno poderia restituir-lhe a liberdade. Como Quíron tinha sido atingido por uma flecha e o seu ferimento não tinha cura, ele estava condenado a sofrer eternamente dores lancinantes. Assim, substituído Prometeu, Zeus permitiu que Quíron se tornasse mortal e perecesse serenamente.
A ideia da construção do Homem com barro do livro do Génesis, não é, portanto, original. Prometeu representa a rebeldia, dando o fogo, símbolo da ciência, do saber, da superioridade, e atribuindo alma aos humanos, tornando-os capazes de criar beleza e arte, o canto, a música e a poesia. Capazes de os dotar de um espírito transcendente, que se assemelha à imortalidade. Cria uma raça à imagem e semelhança dos deuses a quem não quer mais prestar vassalagem em troca de proteção. Não alcançou, porém, a imortalidade. Pandora, qual Eva, que se tenta a experimentar o fruto proibido e arrasta Adão consigo. Marca da desobediência e a quem é atribuída a nudez como castigo. Também o Deus dos Cristãos não deixa passar em branco a ousadia.
Curiosamente, há relatos bíblicos e hebraicos, com referência a uma mulher anterior a Eva. Lilith terá sido a primeira mulher de Adão. Feita de barro, tal como ele e sua semelhante. Porém, Lilith era demasiado independente e com vontade própria. Não se submetia às vontades de Adão e não satisfeita com a vida sexual, em que lhe cabia um papel passivo e tradicional, cabendo-lhe a resignação de se deitar, recusou-o e terá abandonado o paraíso. Juntou-se aos demónios com quem terá procriado com toda a sua liberdade. Não satisfeito, o céu castigou-a, matando diariamente os seus filhos. Desde então, a tradição judaica afirma que Lilith se tenta vingar, matando crianças com idade inferior a oito dias que não são circuncidadas.
Lilith é usada por movimentos feministas com símbolo de liberdade, de independência, do direito ao prazer sexual.
Adão foi contemplado, depois do abandono, com a sua Eva, mais suave e criada a partir da sua costela, depois insuflada com o sopro divino e que o leva a dizer: “Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne” ou noutras traduções “agora sim, esta...”. Também os humanos de Prometeu foram insuflados pelos ventos que lhes atribuíram os espíritos. Lilith encarna a mulher perigosa, demoníaca, que controla o homem e não obedece à sua vontade, portanto, geradora de caos e perturbadora da ordem.
Desconfio que muitos ansiarão pela sua Lilith, mas poucos teriam coragem de viver com uma.
Histórias, mitos e humanidade…
Nina M.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Quando o amor não se mostra

Quando o amor não se mostra
Por não se querer mostrar
É composto de quimera
não se pode ignorar
E se os olhos que o contemplam
O conseguem adivinhar
Sentem eles outro tanto
mas não devem revelar
nesta valsa lenta e bela
Neste encontro de olhares
Cresce a emoção sentida
Refletida em seus pares
Desvelado o amor
no coração de apenas dois
Levanta-se vendaval
Hoje, sempre, depois...

Abraço de um pessimista

Abraço de um pessimista

Sabei do grito que traz calado
Inaudível mas exato
Onde se alberga revolta
Não se varra a podridão funesta
Sinta-se o seu cheiro fétido
Tome-se-lhe o pulso e a repugnância
Franza-se o cenho
Saiba-se a contração estomacal
Embrulhada nos dejetos de uma humanidade desfeita
Vendida
Vilipendiada
Corrupta
Fere, tortura, escraviza e mata
Infâmia torpe
Cumpra-se o preceito da hipocrisia
Viremos o rosto e assobiemos para o lado
De mãos nos bolsos
De consciências lavadas com águas turvas
Saibamos esquecer o horror
Finjamos o esquecimento
E sintamos a paz podre
Com a exploração alheia
E a alienação coletiva
Porque, amanhã, afinal
O Homem será o mesmo
E o cinismo terá vencido