Regressos
O final de agosto é tempo de voltar à rotina para a
maioria dos portugueses. Novo ano letivo se aproxima e as férias terminam. É
tempo de regressos, reinícios ou novas experiências, nalguns casos.
Para mim, será um feliz regresso. Desejo a todos
aqueles que iniciam uma nova etapa laboral ou que apenas retomam a sua
atividade habitual as maiores felicidades. Certamente, a vacinação massiva da população dará os seus
frutos e este ano será menos atribulado do que o últimos dois anos letivos
(para mim, o tempo rege-se mais pelo calendário escolar do que pelo civil).
Segundo a DGS, “entre janeiro e 8 de agosto de 2021, foram identificados 16.671
casos de infeção em 5.467.487 pessoas com esquema vacinal completo contra a
COVID-19 há mais de 14 dias.” Significa que apenas 0,3% das pessoas vacinadas
contraíram o maldito vírus. Mesmo não sendo totalmente eficaz, há uma ótima
margem de segurança. Os casos que acompanhei de pessoas vacinadas que
contraíram o vírus manifestaram-se felizes por terem as duas doses da vacina,
porque nuns casos os sintomas foram ligeiros e noutros as pessoas foram
assintomáticas, mesmo os idosos. Boa notícia para o SNS que não verá os
serviços sobrelotados, bom para os portugueses que não precisarão de adiar os
tratamentos de outras doenças nem de lidar com o número de mortos do inverno
passado. Será bom para economia, pais, alunos e professores. Finalmente,
recuperaremos a normalidade, apesar de ainda haver cuidados a ter.
Se o mundo pode tranquilizar um
pouco mais com estes dados, não deveria fechar os olhos à crueldade. Em
meia-dúzia de dias, os talibãs tomaram Cabul, após a retirada dos
Estados-Unidos da América. Entre 1996 e 2001, estes fundamentalistas islâmicos
espalharam o terror e oprimiram a mulher. A crueldade parece não ter fim à
vista e é certo que o exército americano não pode permanecer no território
indefinidamente, apesar de ter a sua responsabilidade na situação vivida. Também
muniram os talibãs de armamento aquando do domínio russo. Porém, a sua presença
nos últimos vinte anos permitiu às mulheres terem a liberdade de ser, o direito
à existência. Agora, foram novamente votadas ao esquecimento e ao
desaparecimento, como se não fossem elas grande força social. Não há homem que
não tenha vindo do ventre sagrado da mulher. Eis a verdade que incomoda e tanto
ofende. Sei apenas que não se pode votar aquela gente ao abandono e que talvez não
se consiga nada sem o auxílio de outros países árabes circundantes, por quem os
fundamentalistas são financiados. Não vejo como resolver a questão num país
onde o sentido da vida ainda reside na oferta da própria existência em nome de
um Deus de grandeza, conquistador e opressor. Os cristãos também tiveram os
seus cruzados. O interesse económico tirou proveito do fundamentalismo. E eu
olho aqueles grupos tribais, as diferentes fações do mundo islão e parece-me
estar num filme passado na Idade Média. O mundo ocidental fez uma caminhada
difícil ao longo dos séculos, de mãos dadas com a ciência, rejeitando os
fundamentalismos religiosos e o obscurantismo sem fundamento. Assim se terminou
com a maior vergonha da Igreja Católica: o Tribunal do Santo Ofício. Religiosos
que mais não foram do que vendilhões do templo. Demónios que subverteram a
palavra de amor deixada por aquele em cujo nome agiam. Homens que destroem a
Igreja e que a afastam da Ideia de Deus. É bom que os cristãos não fechem os
olhos a esta vergonhosa mácula, que percebam as atrocidades indesculpáveis,
cometidas de forma injusta e aviltante. É bom que saibam que também carregam
sangue inocente nas mãos para que o percurso de hoje possa ser limpo, para que
a verdadeira palavra de amor que o Novo Testamento trouxe faça sentido. É bom
que o cristão perceba que se exclui e rejeita o inocente perseguido, está a
rejeitar a mensagem em que diz acreditar. Receber os refugiados (homens,
mulheres e crianças) é, antes de mais, um dever humanitário de consciência e
também um valor cristão. Quem não o souber claramente, então, não é nem humano
nem cristão. Já agora, acrescento ainda que é perfeitamente possível ser-se
humano sem ser cristão, mas ser cristão sem ser humano é uma hipocrisia e uma
falácia.
Há discursos que são
dispensáveis e que só instigam ao ódio. Às questões colocadas sobre os homens
que ocupam os aviões em vez de mulheres, será bom relembrar que são aqueles que
não partilham da visão fundamentalista islâmica, que colaboraram com as forças
internacionais, intelectuais, políticos, jornalistas e ativistas que fogem de
uma possível decapitação. Será assim difícil colocar-se no lugar do outro? À
falácia vergonhosa de quem pergunta em tom jocoso e de certo regozijo onde
andam as feministas e porque não vão reivindicar para o Afeganistão, ou por que
razão não pintam os lábios de vermelho, só me apetece dizer-lhes uma coisa
muito feia, que não posso escrever para não ser mal-educada. A defesa da dignidade
e da liberdade da mulher é transversal a todas: europeias, africanas, asiáticas,
americanas ou oceânicas.
O assunto é demasiado sério para
ser tratado com essa leviandade e para se politizarem e polarizarem os discursos.
É essa sordidez e baixeza moral que me incomoda nos meandros da política. Em
tempo de crise e de atentado à humanidade, a única ação decente é tentar ajudar
os que precisam.
Nina M.