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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Abandono

Encontram-me nos teus

Nos meus silêncios 

Nos espaços e tempos

Indefinidos, invisíveis e longínquos 

Na ausência do mundo 

No doce marulhar das águas 

Abrilhantado pelo sol

Na palavra suspensa

De um reino silencioso

Onde apenas a curva de um olhar

Semeia entendimentos

Às vezes pardo e vazio de crença  

Outras grávido de esperança 

Como um povo votado ao esquecimento

O meu reflexo na negrura transparente

A esperança sempre a esperança 

Que perscruta como quem sabe

Do abandono 

Por fim... Só desalento e impotência.




sábado, 28 de agosto de 2021

Crónica de Maus Costumes 243

 

Regressos

O final de agosto é tempo de voltar à rotina para a maioria dos portugueses. Novo ano letivo se aproxima e as férias terminam. É tempo de regressos, reinícios ou novas experiências, nalguns casos.

Para mim, será um feliz regresso. Desejo a todos aqueles que iniciam uma nova etapa laboral ou que apenas retomam a sua atividade habitual as maiores felicidades. Certamente, a  vacinação massiva da população dará os seus frutos e este ano será menos atribulado do que o últimos dois anos letivos (para mim, o tempo rege-se mais pelo calendário escolar do que pelo civil). Segundo a DGS, “entre janeiro e 8 de agosto de 2021, foram identificados 16.671 casos de infeção em 5.467.487 pessoas com esquema vacinal completo contra a COVID-19 há mais de 14 dias.” Significa que apenas 0,3% das pessoas vacinadas contraíram o maldito vírus. Mesmo não sendo totalmente eficaz, há uma ótima margem de segurança. Os casos que acompanhei de pessoas vacinadas que contraíram o vírus manifestaram-se felizes por terem as duas doses da vacina, porque nuns casos os sintomas foram ligeiros e noutros as pessoas foram assintomáticas, mesmo os idosos. Boa notícia para o SNS que não verá os serviços sobrelotados, bom para os portugueses que não precisarão de adiar os tratamentos de outras doenças nem de lidar com o número de mortos do inverno passado. Será bom para economia, pais, alunos e professores. Finalmente, recuperaremos a normalidade, apesar de ainda haver cuidados a ter.

Se o mundo pode tranquilizar um pouco mais com estes dados, não deveria fechar os olhos à crueldade. Em meia-dúzia de dias, os talibãs tomaram Cabul, após a retirada dos Estados-Unidos da América. Entre 1996 e 2001, estes fundamentalistas islâmicos espalharam o terror e oprimiram a mulher. A crueldade parece não ter fim à vista e é certo que o exército americano não pode permanecer no território indefinidamente, apesar de ter a sua responsabilidade na situação vivida. Também muniram os talibãs de armamento aquando do domínio russo. Porém, a sua presença nos últimos vinte anos permitiu às mulheres terem a liberdade de ser, o direito à existência. Agora, foram novamente votadas ao esquecimento e ao desaparecimento, como se não fossem elas grande força social. Não há homem que não tenha vindo do ventre sagrado da mulher. Eis a verdade que incomoda e tanto ofende. Sei apenas que não se pode votar aquela gente ao abandono e que talvez não se consiga nada sem o auxílio de outros países árabes circundantes, por quem os fundamentalistas são financiados. Não vejo como resolver a questão num país onde o sentido da vida ainda reside na oferta da própria existência em nome de um Deus de grandeza, conquistador e opressor. Os cristãos também tiveram os seus cruzados. O interesse económico tirou proveito do fundamentalismo. E eu olho aqueles grupos tribais, as diferentes fações do mundo islão e parece-me estar num filme passado na Idade Média. O mundo ocidental fez uma caminhada difícil ao longo dos séculos, de mãos dadas com a ciência, rejeitando os fundamentalismos religiosos e o obscurantismo sem fundamento. Assim se terminou com a maior vergonha da Igreja Católica: o Tribunal do Santo Ofício. Religiosos que mais não foram do que vendilhões do templo. Demónios que subverteram a palavra de amor deixada por aquele em cujo nome agiam. Homens que destroem a Igreja e que a afastam da Ideia de Deus. É bom que os cristãos não fechem os olhos a esta vergonhosa mácula, que percebam as atrocidades indesculpáveis, cometidas de forma injusta e aviltante. É bom que saibam que também carregam sangue inocente nas mãos para que o percurso de hoje possa ser limpo, para que a verdadeira palavra de amor que o Novo Testamento trouxe faça sentido. É bom que o cristão perceba que se exclui e rejeita o inocente perseguido, está a rejeitar a mensagem em que diz acreditar. Receber os refugiados (homens, mulheres e crianças) é, antes de mais, um dever humanitário de consciência e também um valor cristão. Quem não o souber claramente, então, não é nem humano nem cristão. Já agora, acrescento ainda que é perfeitamente possível ser-se humano sem ser cristão, mas ser cristão sem ser humano é uma hipocrisia e uma falácia.

Há discursos que são dispensáveis e que só instigam ao ódio. Às questões colocadas sobre os homens que ocupam os aviões em vez de mulheres, será bom relembrar que são aqueles que não partilham da visão fundamentalista islâmica, que colaboraram com as forças internacionais, intelectuais, políticos, jornalistas e ativistas que fogem de uma possível decapitação. Será assim difícil colocar-se no lugar do outro? À falácia vergonhosa de quem pergunta em tom jocoso e de certo regozijo onde andam as feministas e porque não vão reivindicar para o Afeganistão, ou por que razão não pintam os lábios de vermelho, só me apetece dizer-lhes uma coisa muito feia, que não posso escrever para não ser mal-educada. A defesa da dignidade e da liberdade da mulher é transversal a todas: europeias, africanas, asiáticas, americanas ou oceânicas.

O assunto é demasiado sério para ser tratado com essa leviandade e para se politizarem e polarizarem os discursos. É essa sordidez e baixeza moral que me incomoda nos meandros da política. Em tempo de crise e de atentado à humanidade, a única ação decente é tentar ajudar os que precisam.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 24 de agosto de 2021

Tempo

 Se a criança que me habitou
Ressurgisse por detrás da duna
Em busca dos afetos antigos
Onde outrora, feliz e inocente, saltou
Que pasmo consigo traria
Por ver a praia que era sua ainda a mesma
Mas já outra...
Saberia que todos os castelos de areia
Se desfazem no tempo com as marés
Muitos invernos e rigores climáticos
A erosão da pele a mesma que da rocha
E as conchas abandonadas
Os sonhos de menina perdida
Mulher encontrada na estrada
Que agora sabe.
A vida sonhada e pueril
Sempre distinta da vivida
Mantém-se em fogo brando
Ateado pelo amor à poesia...

domingo, 22 de agosto de 2021

Afegã

Mulher escondida atrás de burka

Mulher impedida de estudar

Mulher impedida de trabalhar

Mulher impedida de falar

Mulher impedida de jogar

Mulher impedida de ser

Eliminada da existência 

Apagada dos outdoors da cidade

Dos ecrãs e das vitrines

Mulher condenada ao luto eterno 

Mulher que não pode mostrar o tornozelo

Nem pode amar livremente 

Ou soltar os cabelos ao vento...

É mulher afegã 

E a preta mutilada

E a preta favelada

E a branca batida

E a oriental  escravizada

É mulher afegã 

A naturalidade é mera circunstância 

Um feliz ou triste acaso que

Diminui ou acentua a distância 

Entre si e o barão que ela mesma pariu! 


domingo, 15 de agosto de 2021

Despedida

 No vaivém das vagas
Esfuma-se a espuma na areia
Sempre recolhida e sempre
renovada a cada momento
A acompanhar o batimento do coração
Leva a tristeza e traz a esperança
A dona de toda a reconstrução
E só de olhar este mar sempre imenso
De azul e de verde pintado
Recebo a bênção divina
De quem nele merece ter mergulhado

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Preguiça

 A chuva cai morna lá fora

Escorrem as suas lágrimas na vidraça 

Leve rumor um desgosto quase calado

A gosto...

Desejo de preguiça de um dia inteiro contigo

Eternidade criada por loucos 

Entre lençóis amarrados ao corpo

A quentura de um corpo nu

Promontórios a insinuarem uma alegria

 momentânea 

As linhas do meu corpo o teu horizonte mais

 longínquo 

Entre mim e ti o mesmo ar que nos dizem

 respirarmos

E é outro porque o mesmo

A mesma lassidão de gatos ao sol e os mesmos 

alongamentos 

A fartura depois do amor...


quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Verso


Um dia serei verso lançado ao mar
brisa que se ouve no silêncio
e mesmo sob a terra ouvirei
as palavras semeadas
pelo tempo.
Abrirão em flor
Cratera sob o peito 
Onde resguardo o lume 
Sobre o qual me deito

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Hino

Não sei de poeta alegre
Só do que rega a vida 
Com a seiva das lágrimas
De existência perdida

Canto de dor e de luta
Do que sabe que a vida
É resistência e labuta
Filha da ironia desdita

Sinto-a pulsar em mim
Alheia a qualquer vontade
Sem desejar o seu fim
Canto a vida, ó potestade!

E tudo em mim reúno
As dores e prazeres amparo
Por um minuto a mais me perco
Todo o sofrimento reparo




  

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Mar a esmo

 Mar a esmo!
Planície de azul intenso e fulgurante
Mergulhar na tua água límpida
E diáfana é sempre retemperante
Haverá dia sem mar e frescor
Sem bruma aninhada ao longo da costa?
Vastidão de mar ...
A lembrar uma esperança que impere...