Ouço a voz profunda de Orfeu
Sai cavernosa do fundo da alma
Dela extrai o canto magoado
Doce veneno que alguém lhe deu
Perscruto-me e procuro o meu canto
A poesia em palavras
Que me sirva de manto
Doce revoltado resignado ou puro
E este inócuo tempo perjuro
Sem horas ou dias de mágico encanto
Todos os dias parecem iguais
Olho o céu para desvendar sinais
Brisa arisca e silêncios já banais
Sem voz não há qualquer alento
Para alegrar a minh'alma e os demais
Estranha ilusão então se entranha
Na verdade é tempo que ninguém ganha
Esconde-se nas horas agitadas
Feito de promessas erradas
E sempre como é seu costume
Quando se o sente já voou
O tempo em que nada mudou
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terça-feira, 28 de abril de 2020
sábado, 25 de abril de 2020
Crónica de Maus Costumes 179
As despedidas são sempre difíceis
Gaia,
sentimos saudades. Sentimos a tua ausência e a casa mais vazia. Sabíamos que
esse momento teria de chegar, infelizmente, foi mais prematuro do que o que
seria suposto, para bem dos teus pais biológicos (esse facto deixa-nos mais
tranquilos), mas teve de ser tudo rápido e precipitado, sem grande tempo para
absorver a resolução.
O
português está habituado a coisas difíceis. Os romanos, como dizia o famoso
Asterix, são malucos, mas ele não conheceu os portugueses. Nós somos os doidos
que enfrentaram os mares desconhecidos num “lenho leve”, como disse o nosso
Camões. O mesmo que dizer numa
embarcação frágil! Somos um povo que quando é preciso fazer algo de muito
difícil, que exija compromisso e sacrifício, entreolhamo-nos, encolhemos os
ombros num pensamento comum de que não há nada a fazer e, portanto, o que tem
de ser tem muita força e faz-se, ou como diria o nosso Pessoa (que estudaste em
Português) “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. No entanto, estes seres
rijos e capazes das maiores proezas estão contaminados por aquilo que outro
grande escritor e diplomata português, Eça de Queirós, classificou como uma
característica endémica que faz com que adotemos uma postura romântica perante
a vida, no sentido de nos orientarmos mais pelo sentimento do que pela razão.
Julgo que talvez isso explique a saudade portuguesa, intraduzível, e que é mais
do que nostalgia, melancolia ou sentir falta. Para nós, a saudade é a ausência
que sempre se carrega por termos acolhido na alma outro ser ou circunstância.
Sentimos saudade das pessoas que se inscreveram no nosso espírito, na nossa
vida, que fizeram parte das nossas rotinas e da nossa história e fazem parte de
nós. Por isso temos o Fado, património imaterial da humanidade, para expurgar
esta saudade, esta nostalgia, este sufoco de quem sente muito. Desta forma, as
despedidas para nós são difíceis. Mesmo sabendo que algumas delas têm de
existir, o sentido de pertença e de entrega não facilita a tarefa. É mais fácil
ir ao mar do que ver partir os que amamos.
Deve
ser por isso que o antigo quarto das traseiras, como lhe chamávamos, e que
passou a ser o quarto da Gaia, mantenha o teu cheiro. O nosso sentimentalismo faz
destas coisas: sentimos e vemos com o cheiro.
- Ó
mamã, o quarto continua a cheirar a Gaia! – Diz o Rodrigo.
- É verdade. Corrobora a Matilde. Cheira mesmo, mamã!
O teu quarto cheira a ti e estará à tua espera
sempre que nos queiras visitar e dele usufruir, como já te tínhamos dito.
Ainda
não tinha escrito publicamente sobre o assunto porque não quis tornar o momento
ainda mais difícil para todos. Nem para ti nem para nós. Por uma questão de intimidade
também. No entanto, hoje, em partilha com a AFS e o testemunho da nossa experiência,
fez-me sentir que tinha chegado o momento. Sim, há a saudade (que é o amor fica),
há o desejo de que tudo te corra pelo melhor e a esperança de reencontros. Há a
certeza de ter sido uma experiência enriquecedora para todos, feita de momentos
inesquecíveis. E quando nos perguntam sobre os momentos difíceis, o único que nos
ocorre é a tua saída, por motivos de força maior, alheios às nossas vontades. Sobra
o sentido do dever cumprido com acolhimento e disponibilidade. Sobra a vontade de
um dia também nós podermos conhecer a tua cidade e a alegria de te recebermos sempre
que queiras. Sobra uma filha mais que ganhámos e que permanecerá apesar da distância.
Sobra mais uma portista espalhada pelo mundo!
Protege-te.
Nina
M.
domingo, 19 de abril de 2020
No silêncio pesado da noite
No silêncio pesado da noite
Quando a alma se sente mais leve e livre
Voltam passados presentes e futuros
Numa dança a passo incerto
E o maestro rígido, a vida,
Insatisfeito pelo descompasso na sinfonia
Numa perfeita insensatez dirige a orquestra
Ao sabor do seu compasso...
Escolhe os mezzo piano, mezzo forte ou pianíssimo
Como quer...
O pobre músico abnegado obedece ao regente
E a cada toada em si bemol
Estremece o coração
Desgostoso da funesta posição
A cada toada limpa agudiza-se a sua dor
Tal é a tirania da razão
O músico embora a saiba a lição
Alheio a tudo e concentrado em sua mão
Liberta a sua violência
Acaba com a sua prudência
Em inusitada destoada
Pasmam-se de espanto
O maestro lívido de terror
Crava-lhe os olhos duas balas
E ele, o abnegado músico,
Num gesto cândido de ternura
Faz uma vénia sentida
Antes da inexorável despedida
Quando a alma se sente mais leve e livre
Voltam passados presentes e futuros
Numa dança a passo incerto
E o maestro rígido, a vida,
Insatisfeito pelo descompasso na sinfonia
Numa perfeita insensatez dirige a orquestra
Ao sabor do seu compasso...
Escolhe os mezzo piano, mezzo forte ou pianíssimo
Como quer...
O pobre músico abnegado obedece ao regente
E a cada toada em si bemol
Estremece o coração
Desgostoso da funesta posição
A cada toada limpa agudiza-se a sua dor
Tal é a tirania da razão
O músico embora a saiba a lição
Alheio a tudo e concentrado em sua mão
Liberta a sua violência
Acaba com a sua prudência
Em inusitada destoada
Pasmam-se de espanto
O maestro lívido de terror
Crava-lhe os olhos duas balas
E ele, o abnegado músico,
Num gesto cândido de ternura
Faz uma vénia sentida
Antes da inexorável despedida
sábado, 18 de abril de 2020
Crónica de Maus Costumes 178
Lembranças…
Há lembranças boas que vêm ter
connosco quando menos esperamos. Hoje, há pouco, fui surpreendida com uma
galeria de fotos de há mais de vinte anos de um espaço que frequentei bastante
nos meus tempos de juventude, enquanto estudante universitária: Ritmin.
Curiosamente, já tinham partilhado
essa foto comigo (há tempos) e, no outro dia, em arrumações, veio-me parar às
mãos… Momentos partilhados com muita gente que gostava de frequentar o mesmo
local que eu!
É bom quando nos deparamos com esses
instantes cristalizados, geradores de nostalgia. A vida de todos seguiu o seu
curso natural. Somos um grupo de pessoas que não se encontra há mais de vinte
anos, nalguns casos… Seremos todos pessoas diferentes. Crescemos e evoluímos.
Ninguém permaneceu igual, certamente. Faz parte do nosso desenvolvimento e, no
entanto, é curioso verificar como o sentimento de pertença a um tempo
partilhado e vivido em comum impera. O sentimento de pertença a uma memória.
Decorre
um direto com o DJ do nosso tempo que, numa produção caseira, faz correr as
músicas que ouvíamos ao longo da noite. Invariavelmente terminará com o
“Vitinho” a lembrar que é hora de dormir, apesar de o dia clarear.
Como não sentir saudade do tempo em
que a vida mal despontara e as responsabilidades eram tão poucas? A época em
que se é feliz sem ter consciência disso e talvez, por isso mesmo, pela
ausência de consciência, diria Pessoa, se é tão feliz… A vivência na leveza sem
conhecer e sentir ainda o peso mundo?
E os “gosto” e os “adoro”
no facebook são mais que muitos! Não fui a única a ser feliz ali! Julgo mesmo
que éramos todos muito felizes à época!
Na verdade, fui imensamente feliz na
faculdade. Muito mais do que no Secundário e consegui conciliar a brincadeira e
a diversão com a responsabilidade que sempre me foi imposta do cumprimento do
meu dever. Não sou mais a mesma. Hoje não teria tanta disponibilidade para uma
noitada imensa com a música a desrespeitar os decibéis aconselháveis… Na
verdade, desenvolvi uma intolerância considerável ao ruído e gosto de apreciar
o silêncio. Se é para confraternizar que seja num grupo pequeno e intimista, no
conforto do lar, acompanhados por um bom vinho, bons petiscos e uma boa
conversa. Sempre gostei de uma boa conversa e isso não mudou desde a juventude,
com conteúdo interessante e que me prenda. O que mudou talvez foi a minha
exigência, que surgiu com a maturidade. Uma noitada inteira de anedotas,
apenas, perdeu a piada. Movem-me outros assuntos, outros interesses…
Todos crescemos e nos tornamos ligeiramente
diferentes, mas os bons momentos vividos em determinada altura e que se inscreveram
na alma ficam para sempre. Há pessoas que carrego comigo pela importância que tiveram
em determinada fase da minha vida, mesmo que não partilhemos mais os mesmos espaços.
Aprendi, cresci e fui convosco. O que hoje sou não é quem já fui apenas, mas também
o que sou hoje. Porém, o que sou hoje não seria sem o que já fui e muita gente fez
parte desse passado e deixou o seu legado. Se assim não fosse, não haveria nostalgia.
Imensamente grata.
Nina M.
domingo, 12 de abril de 2020
Dor
Sinto os olhos pesados
O coração dorido
As pálpebras carregam
O peso do mundo
E o olhar não brilha
(Falam-me tanto do meu brilho
Da alegria manifesta nos olhos)
Apaga-se e é baço
Hoje é dia de alegria...
Hoje é dia de alegria...
Não a sinto
Olho as crianças
Inocentes, puras
Tão ingénuas!
Inconscientes felizes
Para quem a morte
Breve intermitência
Não espanta ou enraivece
É Páscoa, mamã!
E os ovos de chocolate amargam
E o pão de ló que não voltou a ser o mesmo...
(Só a minha tia o sabia fazer...
Mesmo com receita copiada
E o forno de lenha...
Faltam-lhe as tuas mãos, tia,
E o teu coração também)
Nem assim a ressurreição consola
Não a vemos
Não a sentimos
É desejo incerto
Possibilidade ou quimera
Nem o horrível gesto
De fazer adormecer o corpo na terra
É possível acompanhar...
E tenho que deixar partir mais um
Não pediu licença, porque não queria ir
Sem aviso!
Até sempre!
O coração dorido
As pálpebras carregam
O peso do mundo
E o olhar não brilha
(Falam-me tanto do meu brilho
Da alegria manifesta nos olhos)
Apaga-se e é baço
Hoje é dia de alegria...
Hoje é dia de alegria...
Não a sinto
Olho as crianças
Inocentes, puras
Tão ingénuas!
Inconscientes felizes
Para quem a morte
Breve intermitência
Não espanta ou enraivece
É Páscoa, mamã!
E os ovos de chocolate amargam
E o pão de ló que não voltou a ser o mesmo...
(Só a minha tia o sabia fazer...
Mesmo com receita copiada
E o forno de lenha...
Faltam-lhe as tuas mãos, tia,
E o teu coração também)
Nem assim a ressurreição consola
Não a vemos
Não a sentimos
É desejo incerto
Possibilidade ou quimera
Nem o horrível gesto
De fazer adormecer o corpo na terra
É possível acompanhar...
E tenho que deixar partir mais um
Não pediu licença, porque não queria ir
Sem aviso!
Até sempre!
Crónica de Maus Costumes 177
Morte
e ressurreição
Considerem
isto “pro bono” ou nada…
Alguém
pode, por favor, avançar o calendário para 2021? Não, não quero envelhecer! Só
estou cansada que me morra gente e sei, tenho a profunda e dolorosa consciência
de que as mortes que serão mais difíceis de suportar ainda estão por chegar… E,
no entanto, estas já são suficientes…
Hoje
é dia Páscoa, dia de ressurreição e hoje para nós, mais uma vez, a ceifeira
bate à porta. Há umas mais dolorosas do que outras. Dita-o a proximidade e as
circunstâncias. O meu tio Fernando partiu. Sabíamo-lo doente oncológico, mas
num quadro aparentemente controlado. Irmão do meu pai, que morava também por
estas terras… O meu pai teve a habilidade de trazer consigo três irmãos para os
domínios de Ferreira, onde casaram e onde passaram o resto das suas vidas.
Sobra apenas o meu pai e é triste. São tios com quem convivia de perto, que via
amiúde e que acompanharam o meu crescimento. Sobeja a dor de quem não está
preparado para vê-lo partir. Parece irreal e ficará neste limbo imaginário, porque
não podemos consolidar a morte com as exéquias. O meu tio descerá à terra sem
que lhe possamos prestar uma última homenagem. Não foi o coronavírus que o
levou, mas os efeitos da covid 19 fazem-se sentir. Garanto-vos que não quererão
passar pelo mesmo, por isso, pelo amor de Deus, fiquem em casa, no seio da
vossa família mais restrita! Se não o fizerem, correrão o sério risco de não
poderem sequer chorar condignamente os vossos mortos!
Eu
não quero chorar mais. Afinal, é Páscoa. Haverá melhor dia para se morrer?!
Ainda hoje poderá estar no reino dos céus, o meu tio! Porém, só me cheira a
morte e nesta fé débil, só espero que quando chegar a minha vez que haja mesmo
alguma coisa no além, caso contrário, vou zangar-me tanto, mas tanto… Ou nem
por isso, porque o cérebro já não trabalhará e já não haverá essa capacidade.
Mas irei, não sei como, mas irei zangar-me à brava!...
Chamei
crónica a este pedaço e perdoai o amontoado de palavras, talvez sem grande
nexo, mas a necessidade imperiosa de o fazer é inexplicável! Talvez não seja
assim… Afinal, poderá haver uma explicação…
O
meu tio passava a vida a perguntar-me quando escrevia outro livro de crónicas.
Ele não tinha facebook. Não sabia que há crónicas de sobra para outro e lá lhe
respondia: “Não sei tio, um dia destes quem sabe!”. Tens de escrever. Dizia-me
ele. Sabes muito. Gosto de te ler…
Ó
meu Deus… Sabes muito!… Não sei nada, tio! Nada. Ou tão pouco…
Sabe
o que sei e quero guardar? O campeonato do minuto 92, que o vimos juntos, em
casa do meu pai. O tio e o meu pai já se davam por vencidos. Já achavam que o
Porto iria empatar em casa e entregar o campeonato aos vermelhos. Eu era a
única crédula… Até ao fim… Enquanto não estivéssemos a perder ainda era
possível o golo surgir! O Kelvin fez magia e milagre e até Jesus ajoelhou.
Saltamos efusivamente. Estava ganho, contra todas as expetativas. É esta a
imagem que quero guardar de si comigo. A imagem da felicidade pueril e leve.
Houve outros momentos depois desse, mas esse será o eleito. Espero que lhe
pareça bem e apesar de não poder assistir às exéquias, como pretenderia,
estaremos na despedida.
Descanse
em Paz.
Nina
M.
sábado, 11 de abril de 2020
Crónica de Maus Costumes 176
A
Páscoa já chegou e não parece
Já
é Páscoa e não parece! Não há festividades nem família reunida, apenas o
agregado familiar restrito, ou não deverá haver, porque ao que vamos assistindo
por aí, nada me espantaria!
Com
o regresso da Páscoa, chegará o regresso às aulas, de forma diferente, mas não
deixa de ser um regresso. Tempo muito difícil para as escolas, que foram
obrigadas a uma readaptação rápida e eficaz para terminar o período e colocar
em marcha nova estratégia de atuação, com todos os constrangimentos inerentes e
sobejamente conhecidos. Impor às crianças pequenas uma dinâmica de ensino à
distância, que continuará (e bem) a ser dirigido pelas escolas (a telescola é
um mero complemento), é um desafio enorme para pais, alunos e também
professores.
Deixar
claro que nenhuma tecnologia substituirá o contacto direto, independentemente,
do ano de ensino. Ver a expressão feliz do aluno que conseguiu superar as
dificuldades e alcançar um bom resultado, enquanto o professor lhe entrega o
teste e tenta camuflar o sorriso, sem que o discente saiba que o professor já
vibrou sozinho quando lhe corrigiu a prova, é o nosso prémio. Colocar-lhe a mão
no ombro se o resultado não é o melhor e dizer ao aluno que ainda não foi
desta, mas está perto e se continuar a trabalhar o seu esforço será
recompensado, é reforço positivo. O aluno precisa de saber que acreditamos nele
e no seu potencial. O nosso sucesso é o sucesso do aluno. Todo o professor quer
que o seu discente aprenda. É por isto que luta diariamente e como em tudo na
vida, algumas lutas são irremediavelmente perdidas, mas outras também são
ganhas. São estas pequenas vitórias que nos alimentam a alma e que nos fazem
desejar, apesar de muitas contrariedades, as salas de aula! Já escrevi uma
crónica em que dizia que os professores são uns loucos e reitero! Só um
lunático pode continuar a insistir dia após dia com quem não quer de facto
aprender. Atenção! Não subvertam a mensagem. Não digo com quem tem dificuldade
nas nossas matérias, mas com aqueles que revelam potencial e não querem
decididamente aprender! São muitos, infelizmente. Normalmente, quando se cruzam
connosco, anos mais tarde, também reconhecem que não pensaram bem, que deveriam
ter feito de forma diferente… Sempre a maldita imaturidade que tantas vezes
hipoteca futuros brilhantes, o que não significa que possam ser menos felizes!
Resiliência é a palavra que melhor conhecemos e alguma generosidade também,
porque muitas vezes, em nome do futuro, faz-se como o professor universitário
de Miguel Torga, ainda Adolfo Rocha, na altura, em Coimbra: “Olhe, passa no
exame, não pelo que sabe, mas pelo que pode vir a saber!” Assim seja.
Espero
que por esta altura os pais já possam ter experimentado do próprio veneno, tal
como a minha filha me diz repetidas vezes e percebam que o que sofrem com dois
ou três, às vezes, apenas com um, é a vida diária de um professor, multiplicada
por trinta, ao longo do dia… Certamente, teremos a nossa paciência treinada ao
limite, mas como talvez agora possam compreender, é perfeitamente natural que
em determinados momentos ela possa escassear…
Cumpre-nos
a tarefa de regressarmos e de instituirmos alguma normalidade na vida dos
alunos. Se aos pais lhes causarem admiração as inúmeras tarefas que vão ser
pedidas aos filhos, entre videoconferências (para os mais velhos) e trabalho
autónomo, semanalmente, lembrem-se que nem os professores nem os alunos estão
de férias, o que significa que aos docentes é exigida a preparação de
atividades em conformidade com a carga letiva da disciplina, umas vezes em trabalho
autónomo dos alunos e outras vezes em atividades síncronas com o professor,
através dos variados canais de comunicação à nossa disposição. Assim sendo,
para que serve a telescola? Na minha opinião, para pouco. Salvaguarda
legalmente a posição do Governo, que não pode deixar qualquer aluno excluído. A
educação é um direito de toda a criança. No entanto, se os restantes meses
ficassem a cargo da pressuposta telescola estaria tudo muito mal! Exemplo
prático: os alunos têm a carga letiva semanal de quatro ou cinco blocos de
cinquenta minutos de Português ou de Matemática. Na telescola passarão a ter
dois blocos de trinta minutos por semana. A partir disto retirem a vossas
ilações. Nem poderia ser de outra forma! Somos nós que sabemos o que foi dado e
o que falta dar, somos nós que conhecemos o rosto de cada aluno e também a suas
manias, compete-nos, obviamente, dar continuidade ao nosso trabalho. É o nosso
dever!
Esclarecida
esta questão, cumpre-me dizer, porém, que apesar do estado de emergência não
vale tudo e tanto condeno o colega que julga que pode não trabalhar tão
ativamente quanto o que num excesso de voluntarismo e comiseração contrai
empréstimos, se assim for necessário, para a compra de um PC topo de gama e mesa
de digitalização e multiplica o seu horário laboral. Todos nós fazemos horas
excedentárias. Quem é professor sabe disso, mas haja bom senso! Os professores
usam os seus meios privados para trabalhar com os alunos. Nas empresas, esses
meios são fornecidos aos seus funcionários. Não passa pela cabeça de nenhum de
nós deixar de o fazer. Sempre o fizemos e continuaremos a fazer (ainda que às
vezes apeteça, pela falta de respeito para com a classe), no entanto, não se
ponham numa competição absurda por quem faz menos ou quem faz mais e,
sobretudo, num comportamento feio de fiscalização de colegas. As administrações
sabem e vão fazê-lo. Aliás, tal como foi pedido pelo Ministério que se fizesse
a monitorização, porém, não confiar nos parceiros de trabalho não me parece
muito louvável. A haver razões para isso, nada como uma conversa com quem não
corresponde e as coisas resolvem-se, à boa maneira de gente adulta. Esta
reflexão prende-se com o fel que se destila nas redes sociais, a propósito de
certos desabafos, dividindo-se imediatamente o reino docente nos proscritos
párias ou nos bons samaritanos, quase jesuítas imbuídos de espírito de missão.
Irra!
No meio disto será difícil haver alguma ponderação e bom senso, ficando-nos
pelo meio-termo?!
Haja
serenidade, saúde e lembrem-se de que há mais vida para além da escola! Para
miúdos e graúdos.
Nina
M.
quarta-feira, 8 de abril de 2020
Páscoa
Se a chuva que bate na vidraça
Embacia o meu olhar
Raso de água
Serão as gotículas
Escorrem vidro abaixo
E eu sinto-as nos olhos
Em névoa e em vão
Procuro a lua
Quero o seu brilho frio e distante
O luar que ilumina mas não aquece
Enternece as almas desprevenidas
Da cidade
Alguém não regressa hoje
Amanhã será ninguém
Seres amontoados e inertes
Reduzidos a nada
Nem pó da terra são ainda
E a Páscoa chegará tarde
Porque partiram cedo de mais
Sem Páscoa
São Cristo rejeitado na sua desventura
Os três dias são longínquos
E o túmulo vazio só
Porque ainda não chegou o dono
Ele virá, virá
Surgirá talvez na manhã húmida
Mas não será Páscoa ainda
Embacia o meu olhar
Raso de água
Serão as gotículas
Escorrem vidro abaixo
E eu sinto-as nos olhos
Em névoa e em vão
Procuro a lua
Quero o seu brilho frio e distante
O luar que ilumina mas não aquece
Enternece as almas desprevenidas
Da cidade
Alguém não regressa hoje
Amanhã será ninguém
Seres amontoados e inertes
Reduzidos a nada
Nem pó da terra são ainda
E a Páscoa chegará tarde
Porque partiram cedo de mais
Sem Páscoa
São Cristo rejeitado na sua desventura
Os três dias são longínquos
E o túmulo vazio só
Porque ainda não chegou o dono
Ele virá, virá
Surgirá talvez na manhã húmida
Mas não será Páscoa ainda
sábado, 4 de abril de 2020
Crónica de Maus Costumes 175
A Europa da (des)união
Como vantagem trazida pela pandemia,
poderia perfeitamente começar por referir o facto de não ter de me levantar às
sete da manhã! Nunca gostei e julgo que nunca gostarei. Nem na velhice! Será
por isso normal que andem a achar-me menos resmungona ao acordar…
Evidentemente, o feitiozinho antissocial do despertar não se alterou por
completo… Adoro tomar a minha caneca de café puro com duas ou três tostas com
compota e um sumo de laranja natural sozinha, em silêncio e sem qualquer ruído ou
interferência. É a minha hora de meditação, sem meditação qualquer, porque o
café serve precisamente para tornar o meu cérebro funcional. Depois, como
indisciplinada incorrigível, borrifo-me para essa coisa de manter as rotinas e
não as mantenho tanto assim… Tanto almoço à 13:00 como às 14:00… Porém,
mantenho-me ocupada. Não me lamento por falta do que fazer, porque até ao
momento ainda não o senti. Na verdade, até se admiram comigo. Julgavam que ia
padecer dos males do confinamento, mas tenho mantido a serenidade. Talvez o
segredo se chame responsabilidade social e maturidade. Se isto tivesse
acontecido na minha juventude, enquanto estudante universitária, julgo que
teria efetivamente passado mal. A dificuldade em estar em casa era enorme!
Enfim, dona de uma ingenuidade absoluta e ainda com muitos sonhos à mistura,
talvez não sentisse verdadeiramente o espaço onde residia como meu… Hoje, se
pensar bem, a não ser o facto de não ter a escolha de poder sair quando quero,
a minha rotina em casa não mudou extraordinariamente! Enquanto houver
corridinhas higiénicas, leituras e escrita para fazer, tudo se leva com
tranquilidade. As tarefas domésticas também nunca faltam, assim as deseje!
Sobra mais tempo para olharmos o mundo vazio e mais silencioso e percebemos que
o que de facto é verdadeiramente importante para nós não está lá fora, mas
dentro. Falta o abraço amigo, o toque, as reuniões familiares, mas há mais
telefonemas. Na verdade, na impossibilidade de poder abraçar fisicamente as
pessoas, abraço-as com a alma e percebo como estão comigo, apesar do isolamento
social. Neste momento, é preciso foco para que tudo corra bem com os nossos e o
que tiver de ser feito, seja feito. Façamos tudo para que o momento em que
possamos abraçar novamente os que amamos, olhar a corrente do rio de que
gostamos ou as ondas do mar que acompanharam a nossa infância seja pleno de
significado e de sabor. Serão momentos mais límpidos.
Assim como devemos aprender algo
particularmente, que é a valorizar o que desvalorizávamos porque o tínhamos
como garantido, também a Europa precisa de aprender a sua lição. Sinto deceção
e tristeza e a (des)união europeia não voltará a ser a mesma. Esta crise
deveria servir para unir a Europa tal como deveria servir para unir as pessoas,
no entanto, há quem permaneça desavindo e assim vai este velho continente. A
suposta união só serve para garantir benefícios económicos a alguns países.
Continuamente os países mais ricos são os mais beneficiados e não se escusam de
atirar a pedra aos que foram mais incautos e não tomaram as medidas de
emergência mais cedo. Não é o momento de se atirarem pedras. Também julgo que
alguns países europeus se deveriam ter preparado mais cedo e que houve alguma
negligência (incluindo Portugal, ao contrário do que querem fazer parecer),
porém, no momento, pede-se entreajuda e não críticas destrutivas. Chega a
destruição massiva que vivemos: a mortandade, a crise económica que virá, as
dificuldades de muitas famílias, a sobrelotação do sistema de saúde… Enfim, são
tantos os problemas que para resolvê-los com o mínimo de impacto possível para
o português, o espanhol ou italiano tanto quanto para o alemão, o holandês ou o
francês, só com espírito de comunidade e de fraternidade. Qualidades que o povo
português tem de sobra, como as tempestades que nos assolam de vez em quando o
comprovam. O português sabe ter amor nos olhos e nas mãos e dizer presente
quando assim é necessário. Sabe arregaçar as mangas e encontrar soluções,
porque estamos habituados do pouco fazer muito e em poucos dias temos linhas de
produção de ventiladores e de máscaras e do que for necessário…
Talvez
a Europa perceba que os Estados membros têm capacidade e saber para produzir o
que quer que seja. Basta que o capitalismo deixe de ser tão feroz e deixe de
procurar lucros desmedidos à custa de mão-de-obra barata. Talvez, depois disto,
se consiga implementar o custo justo, terminar com uma globalização que engorda
meia-dúzia e se aproveita dos restantes. Talvez seja a oportunidade para
fomentar um mundo mais equilibrado e mais justo ou talvez o meu cinismo me diga
que a janela foi aberta e que a Europa a preferiu fechar. A continuar assim, a
ideia precursora de comunidade acabará por se extinguir e, no fim de contas,
tudo ficará como agora, cada um por si!
Nina M.
sexta-feira, 3 de abril de 2020
Quando vier novo abril
Quando vier novo abril
E eu puder beijar-te o rosto
As lágrimas que me caírem
Não serão de triste desgosto
Antes orvalho refrescante
Metáfora de grande alegria
Tantas vezes...
Tantas vezes sonhada
Por mim bem imaginada
Tão vivida em fantasia
E essa aura dourada
Que te descerra o olhar
É o reflexo da minha
Feliz por te ver chegar
E no encanto do teu sorriso
É o meu que já lá mora
Loucura o que aconteceu
Vivermos com o outro lá fora
Saber a alma mutilada
Por a quem se quer bem não ver
Sentir a noite, sentir a treva
Sem o amor poder ter
Quando vier novo abril
E ao teu regaço regressar
Os olhos serão águas mil
Só por te poder abraçar
E eu puder beijar-te o rosto
As lágrimas que me caírem
Não serão de triste desgosto
Antes orvalho refrescante
Metáfora de grande alegria
Tantas vezes...
Tantas vezes sonhada
Por mim bem imaginada
Tão vivida em fantasia
E essa aura dourada
Que te descerra o olhar
É o reflexo da minha
Feliz por te ver chegar
E no encanto do teu sorriso
É o meu que já lá mora
Loucura o que aconteceu
Vivermos com o outro lá fora
Saber a alma mutilada
Por a quem se quer bem não ver
Sentir a noite, sentir a treva
Sem o amor poder ter
Quando vier novo abril
E ao teu regaço regressar
Os olhos serão águas mil
Só por te poder abraçar
Criança
Deixa o peito ser abrigo
Da criança endiabrada
Tão gentil tão inocente
A olhar a sua estrada
Via láctea longínqua
Feita de escuro e de luz
Cerca-a com o teu abraço
De paz e de abandono
O teu sorriso a seduz
Deixa a menina serena
Sem que dela sejas seu dono
Aprecia a coragem de a sentir
Ser sem constrangimento
E se vê-la voar é sofrer
Dor maior é o confinamento
Tão linda, de sonho feita
Teima em alcançar o céu
Linda petiz, tem cuidado
O firmamento não é só teu
É de todos os que o querem
Dos que o sabem sonhar
Mas não aprisiones a vontade
De sempre lá querer chegar
Ícaro tão destemido
Com a força que Deus lhe deu
Nunca foge do perigo
Nem da vida que doeu
Sem asas nem passarola
Sai para a rua enlevando
Os transeuntes que passam
Ao ver a sua alma pura
Que se vê ao longe voando
Acreditam que é a lua
Em dia claro iluminando
Da criança endiabrada
Tão gentil tão inocente
A olhar a sua estrada
Via láctea longínqua
Feita de escuro e de luz
Cerca-a com o teu abraço
De paz e de abandono
O teu sorriso a seduz
Deixa a menina serena
Sem que dela sejas seu dono
Aprecia a coragem de a sentir
Ser sem constrangimento
E se vê-la voar é sofrer
Dor maior é o confinamento
Tão linda, de sonho feita
Teima em alcançar o céu
Linda petiz, tem cuidado
O firmamento não é só teu
É de todos os que o querem
Dos que o sabem sonhar
Mas não aprisiones a vontade
De sempre lá querer chegar
Ícaro tão destemido
Com a força que Deus lhe deu
Nunca foge do perigo
Nem da vida que doeu
Sem asas nem passarola
Sai para a rua enlevando
Os transeuntes que passam
Ao ver a sua alma pura
Que se vê ao longe voando
Acreditam que é a lua
Em dia claro iluminando
quinta-feira, 2 de abril de 2020
Amor infinito
Todo o amor infinito
Em espírito e corpo fundido
Parece aos olhos negligente
Se tratado como bandido
Se não puder ser entre a gente
Sentimento imenso e colorido
Feito do pó das estrelas
Sente tristeza e dor
Por saber não poder vê-las
Nem tocar ao de leve os seus vértices
Sob a claridade do luar
Afago tão resguardado
Em ânsia pra se soltar
Olha esperançoso o poeta
Implora que lhe dê corpo
Não se quer ver esquecido
Nem ser dado como morto
Em tempo de reclusão
À procura do mistério
Quer a alma
Quer o corpo
O encontro com a paixão
Dar-lhe um sentido sério
Em perfeita comunhão
Em espírito e corpo fundido
Parece aos olhos negligente
Se tratado como bandido
Se não puder ser entre a gente
Sentimento imenso e colorido
Feito do pó das estrelas
Sente tristeza e dor
Por saber não poder vê-las
Nem tocar ao de leve os seus vértices
Sob a claridade do luar
Afago tão resguardado
Em ânsia pra se soltar
Olha esperançoso o poeta
Implora que lhe dê corpo
Não se quer ver esquecido
Nem ser dado como morto
Em tempo de reclusão
À procura do mistério
Quer a alma
Quer o corpo
O encontro com a paixão
Dar-lhe um sentido sério
Em perfeita comunhão
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