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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 33



A minha infância está recheada de cheiros e sabores! Sabe a paparotos de amora (nem o dicionário sabe o significado da expressão), colhidas pelas nossas mãos ansiosas, que às escondidas, iam gratificando o nosso paladar. Ai de quem fosse apanhado pelos mais velhos de boca cheia a tentar camuflar o óbvio! Apanhavam-se baciadas enormes. Depois, as amoras eram esmagadas e misturavam-se com açúcar. Do néctar que sobrasse, fazia-se o vinho! Qualquer banquete deve ser regado com um vinho à altura, não simbolizasse este o sangue de Cristo! Alguns comiam-no enrolado nas folhas tenras das videiras. Também nos dedicávamos a apanhar a caruncha das silvas novas, a descascá-las e comê-las. Por vezes, as azedas também serviam. Nunca percebi muito bem, porque ninguém apreciava verdadeiramente o sabor amargo, mas todos comiam! Assim eram preparados, em comunidade, os lanches das tardes de verão, de correria e de imensa liberdade, que a ruralidade sempre proporciona à pequenada.
A minha infância também sabe à broa de milho do Sininho, que apesar de não ser fada, fazia magia. O Sininho era um merceeiro com quem o meu pai se entretinha na conversa, enquanto esperava pela mulher, que cumpria com o seu dever cívico, enquanto vogal da Junta de Freguesia, ao lado da mercearia. A minha mãe deve ter sido a primeira mulher, após o vinte e cinco de abril, a integrar as listas da Junta de sua Freguesia. Devo dizer que não lhe tomei o gosto. Mulher encartada, mas que nunca conduziu, era conduzida pelo marido, que pacientemente aguardava o fim do trabalho. Às vezes, eu acompanhava o meu pai e o Sininho lá me dava um bocado de broa de milho, de que ainda hoje sou fã! Brincava com o penso dos coelhos que estava guardado em sacos grandes de papelão, à feição do cliente se poder servir.
O Sininho era tido em muito boa conta, lá em casa! Certa altura, a sua família decidiu mudar-se para Braga, de onde a esposa era natural, mas durante algum tempo, enquanto tratava das burocracias, o Sininho mantinha aberto o negócio e ficava na sua casa, por cima da mercearia. Nessa fase, a minha mãe convidava várias vezes o senhor para jantar lá em casa. Nós, os filhos, adorávamos! Sabíamos que se o Sininho viesse jantar, teríamos coelhos e gatos e outra bicharada de chocolate. Naquele tempo, as guloseimas não abundavam, pelo que o senhor era sempre bem-vindo. Quando delas sentíamos falta, não pedíamos chocolate, perguntávamos quando é que o Sininho vinha jantar!
O Zeca da Luísa, como era conhecido, também reunia alguma simpatia! Para o meu irmão mais novo era o Sr. José sugueiro, porque nos trazia pacotes de sugos!
Curiosamente, esta rigidez com as doçarias acabou-se nos filhos, já que com os netos, a conversa é bem diferente. Estes já cobram os rebuçados, com a desculpa de que fazem bem, porque são para a tosse!
Eu não sei ao que vai saber e cheirar a infância dos meus filhos, mas todos tendemos a considerar que a nossa é que foi em grande e que agora os miúdos não sabem aproveitar o tempo!
Seja como for, a minha cheira a uvas americanas e rosas de Santa Isabel. Sabe a amoras e a uvas, a ameixas dos vizinhos e a água da chuva, perfeitamente destilada, sorvida diretamente das grades, em concursos que mediam o sorvedouro maior! Sabe a grandes caminhadas pelos montes e a baloiços perigosos feitos em eucaliptos. Sabe a risadas, correrias e jogos de cartas, ao trinta e um e ao tau-tau (espécie de paint-ball, mas sem as modernices de equipamento! Apenas um pau a fazer de arma, o monte para nos escondermos e um simples: “tau! Estás morto! Vai para o penedo e avisa a tua equipa!”).
Eu não sei como foi a infância de muitos. A minha, na simplicidade da minha aldeia, foi a melhor!
 Nina M.






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