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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 70



Celebrou-se “o dia dos namorados” ou o dia de S. Valentim, no passado dia catorze. Subitamente, há apaixonados mais entusiastas que se desdobram em gestos de carinho comercial e rumam às lojas e supermercados em busca de bombons, flores, porta-retratos e ursos fofinhos que seguram um coração que diz “I love you”! Isto para quem o dinheiro não abunda, pois também se pode sempre engrandecer a data e procurar presentes mais caros e condizentes com a ocasião. De repente, uma experiência gastronómica extravagante ou quiçá uma viagem com direito a massagem e spa.
Se há mal nestes gestos? Absolutamente nenhum. A mim apenas me soam a falso. Temos esse comportamento, porque nos queremos manter cúmplices e alimentar o romance sem o qual as relações definham e, para isso, qualquer altura é ótima ou apenas se cumpre com um ritual instituído e arranja-se qualquer coisa para não parecer mal?
Não celebro, habitualmente, o São Valentim, porque se cuidasse do meu enamoramento apenas nesse dia, ele estaria, por certo, votado ao fracasso. Assim, cá em casa, é São Valentim todos os dias do ano, uns com mais chama do que outros, como acontece em todos os lares. Mais do que estar preocupados com o novo swatch que se pretende oferecer ao parceiro, focamo-nos nos gestos do quotidiano que fazem com que uma vida a dois valha a pena. Sinceramente, é bem mais importante que o meu marido seja um habitante da casa e não um convidado, pelo que se partilham os afazeres domésticos. Sabe-me bem melhor chegar a casa no fim do dia de uma sexta-feira e encontrá-la já limpa e arrumada, por saber que os sábados entre as atividades dos dois filhos, ajudas extra que se dá a alunos, almoço e jantar são uma correria só. Ter que fazer tudo isso e ainda limpar a casa e passar a ferro é obra! Às vezes também acontece, mas sempre que o pai de família está em casa, consciente desta rotina desgastante, alivia a pressão com a limpeza. Fica a gastronomia e o engomar para quem de direito…
Para mim, esta preocupação constante e genuína vale bem mais do que qualquer presente. Seria bem mais fácil comprar um lindo ramo de rosas uma vez no ano e esquecer todas as outras obrigações ao longo do restante! Não, muito obrigada! Parece a história dos casais que se agridem verbal e fisicamente na véspera e vão jantar no dia de S. Valentim! Poderia apostar que o santo que lhe deu o nome, condenado à morte por casar os apaixonados, cheio de bondade e coragem, apesar da proibição de Cláudio II, imperador de Roma, vendo tal fenómeno, descasá-los-ia de imediato!
É-me difícil aceitar certas hipocrisias. O amor e afeto genuíno são construções diárias que exigem dádiva, tolerância e perdão mútuo. Exigem que se olhe mais para o outro do que para si mesmo e seria muito importante que as pessoas entendessem que se ambos não estiverem dispostos a abandonar os comportamentos egoístas, os relacionamentos tendem a falecer e não é o dia de São Valentim que os vai salvar!
Assim, todos os dias são uma página em branco que deve ser reescrita, preferencialmente, sem o erro cometido anteriormente, mas não há garantias e todo o ser humano é falível. Então, são necessários o perdão, a tolerância e a compaixão paciente do parceiro que se alimenta do mesmo comportamento que vê refletido no reverso da medalha. Quem dá também quer receber e se no amor não houver efeito boomerang, mais tarde ou mais cedo, a fonte seca e onde antes corria água límpida, cristalina e vibrante, que refresca os que a rodeiam, passa a existir terreno árido e inóspito, incapaz de acolher vida!
O dia de São Valentim, à semelhança do Natal, será sempre que o Homem quiser! Os gestos de carinho não precisam de data marcada! Qualquer dia é oportuno e até pode ficar mais barato, se em vez de oferecermos coisas, nos oferecermos sem reservas a nós mesmos, as nossas palavras, as nossas músicas, construindo juntos uma sinfonia, um poema ou um bailado. Haverá algo mais belo?!
Nina M.
             



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