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sábado, 30 de junho de 2018

Crónica de Maus Costumes 88



            Portugal ficou arredado do Mundial. Ainda não foi desta vez que conseguimos ir mais longe. Resta a satisfação de sairmos de cabeça erguida. O melhor jogo que fizemos foi exatamente o que perdemos.
            Ironias com que a vida gosta de brindar as suas personagens…
A realidade consegue superar a ficção, talvez porque esta não passe de uma réplica inconsciente que o autor faz da vida, convencido de que é original. Na realidade, expõe o que sorve, o que ouve, vê e experiencia, ao longo da sua existência, conferindo-lhe uma nova roupagem e, por isso, ufano, exibe a sua ignorância quando se julga original. Poderia ser o guião de um filme, a exaltação do esforço e do empenho de uma equipa que tenta superar-se a cada jogo e morre inadvertidamente, exatamente quando não deveria. A derrota torna-se mais pungente porquanto maior foi a entrega e melhor a qualidade de jogo. Digere-se a derrota com sabor a injustiça, que não se consegue inverter. Sobeja a consciência tranquila e o sentido do dever cumprido. Sobeja a honra dos que morrem de pé, mostrando bravura e caráter.
Muitas vezes, o mais importante não é o resultado, mas o trajeto feito e a sabedoria ganha durante o percurso. Hoje foi assim. O cinismo venceu, porém, não sairá sempre vencedor. Haverá mais campeonatos e mais jogos, novas oportunidades para reverter a tristeza e o azedume que sempre fica quando se perde.
Foi apenas um jogo de futebol, porém, a história da vida de cada um pode ser verdadeiramente cínica. O que dizer quando um ginecologista competente e reputado, preocupadíssimo e cuidadoso com as suas pacientes, perde uma filha que deixa órfãos uma criança de três anos e outra de seis meses, por causa de um cancro de mama galopante?! Não foi falta de conhecimento nem de acompanhamento, foi uma partida de mau gosto. Acredito que se o meu médico já era consciente e zeloso, a partir deste momento, quererá salvar a filha em cada mulher que tiver que tratar.
Viver é bom, no entanto, muitas vezes, a vida é de uma ingratidão avassaladora e dilacerante.
            Que cada um de nós se lembre desta faceta mais áspera da existência e nos sintamos agradecidos pelas boas marés com que vamos sendo presenteados, pois nunca se sabe bem quando a sorte irá mudar.

Nina M.

                                                                     



sábado, 23 de junho de 2018

Crónica de Maus Costumes 87


Um amigo especial, com quem tenho conversas profundas que me fazem pensar, e portanto, crescer e evoluir, sugeriu-me como tema para a crónica a crueldade imposta às crianças, a propósito do que se vem passando nos Estados-Unidos da América. Os imigrantes ilegais veem-se afastados dos seus filhos, independentemente da idade que estes possam ter, e assistem ao seu enjaulamento como se se tratassem de animais amestrados, a quem se garante o direito a alimentação e pouco mais. Se tal tratamento não é admissível com um animal, o que dizer com crianças?!
Reconheci a minha dificuldade em abordar tais questões, pela minha particular sensibilidade ao tema. Se a sonegação dos direitos fundamentais a qualquer ser humano me indigna, quando se trata de crianças, seres indefesos e sem capacidade para avaliar ou sequer compreender a situação em que se encontram envolvidos, fico estarrecida, revoltada, irada e vulnerável à dor que me causa insónias, retira o sossego e me cria uma sensação de vazio deixado pela minha impotência objetiva. Infalivelmente, comovo-me e sinto as gotas de orvalho morno a lavar-me o rosto, sempre que leio, ouço e vejo relatos de comportamentos ignóbeis e cobardes. De forma egoísta, vou-me protegendo, evitando o assunto que me incomoda terrivelmente.
Hoje, não poderá ser, porque mesmo tendo resistido num primeiro impulso, várias pessoas me lembraram dos factos ao longo do dia. Sirva, pelo menos, para minha catarse.
Começo então por lembrar alguns dos direitos fundamentais da criança, aprovados pela ONU, em 1959, catorze anos após o Holocausto.
1-      Todas as crianças, independentemente de cor, sexo, língua, religião ou opinião, têm os direitos a seguir garantidos.
2-      A criança será protegida e terá desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social adequados.
6- A criança precisa de amor e compreensão.

7- Toda criança terá proteção contra atos de discriminação.
       
Parecem-me todos de fácil interpretação. Assim, sendo o país do Sr.Trump um dos membros da ONU e o principal responsável pela sua criação e cuja sede primeira se situa em Manhattan, Nova Iorque, como pode ele desrespeitar, em primeiro lugar as crianças, mas também a memória do seu antecessor e promotor da organização “Franklin Roosevelt?” Como pode o Sr. Trump fazer desrespeitar todos os direitos acima citados sem se interrogar o motivo pelo qual eles foram criados? Será que o Presidente dos Estados-Unidos é cínico além de louco?!
Não pode valer tudo na proteção das fronteiras, na tentativa de evitar a imigração ilegal! Concedo-lhe o direito de proteger o seu país do excesso de imigrantes ilegais, mas não de forma grosseira, desumanizada e vil. Um país que não sabe guardar nem proteger a inocência de qualquer criança, independentemente da sua cor, sexo, língua, religião ou opinião, não merece o epíteto de estado de direito, quando tudo vai torto!
Terá esse senhor consciência dos danos psicológicos causados às famílias, mas especialmente às crianças, que não compreendendo o que se passa, julgam-se abandonadas pelos progenitores?!
Poupem-me, por favor, ao argumento fácil e torpe que se lê nas redes sociais a culparem os pais destes meninos por os terem colocado nessa situação, sabendo o que acontece no caso de serem apanhados! Eu não posso, em consciência, condenar alguém que busca melhores condições de vida!
Olho inevitavelmente para trás e vejo o mesmo semblante aterrorizado, de incompreensão e de dignidade perdida dos judeus do Holocausto. Auschwitz não terminou, continua vivo e exposto aos olhos do mundo! É isto a civilização?! A bruteza e adormecimento dos sentidos? Onde estão os restantes estados-membros da ONU para exigirem bom senso e correção?!
A hipocrisia do mundo é absolutamente insuportável! Criam-se regulamentos e direitos para que possam ser quebrados ao sabor arbitrário dos que mandam nos desígnios de um país. Enquanto assim for, as crianças do Congo continuarão a extrair o cobalto, nos países assolados pela guerra, continuarão a existir crianças-soldados, continuarão a casar meninas com velhos repugnantes ou a usá-las para fins de turismo sexual, continuarão a ser privadas de educação e forçadas a trabalho escravo, enfim… Continuarão a ser exploradas, sem o direito de serem apenas o que são: crianças!
Se isto não é o fim de uma civilização, deverá estar muito próximo. É precisa boa vontade para humanizar a humanidade e se não é motivo para que todos sintamos náuseas, então, eu sou a grande deslocada deste mundo!

Nina M.


               

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Criança de olhar triste
Perdeste o sorriso que trazias?
Da tua inocência fazem chiste
Não tens a vida que merecias

Criança de olhar parado
Procuras a alegria abandonada?
Teu ser é mostra do pecado
Do Homem que te traz subjugada

Criança de olhar vazio
Que me despes da razão
Se te olho sinto o calafrio
Vexada, não rejeito a emoção

Criança de olhar perdido
Que é da pureza virginal?
A ti, o mundo quero rendido
Mas não deixa o vil metal

Criança de olhar suspenso
Na esperança da mudança
Se a vida for como penso
Depois da tempestade, a bonança

Criança tão cedo roubada
Adulto que ainda não és
Não te deixes reduzir a nada
Tens minha alma a teus pés

Entre o ser e o dever ser
Há um fosso de abismo
A mudança quero ver
Acabar com o despotismo!

Nina M.


 

Faz de si aparição
A palavra caprichosa
Agora esconde-se
Vem só quando quer
Não quando urge.
Nem sempre exata e certeira
Zangam-se Calíope e Orpheu...
É então que se abeira de mansinho
Quase a medo
E cria fantasia
Vem coberta de um manto diáfano
Eis que surge a poesia!

sábado, 9 de junho de 2018

Crónica de Maus Costumes 86



Novo momento de luta para os professores. Deveria ser para uma sociedade inteira. Não só em relação aos professores, mas também relativamente a outros grupos profissionais.
Que país é este que parece sacudir apenas com desvarios futebolísticos e que nada mais o abala?! 
Que país subserviente é este que se cala aos desmandos de uma elite política, que aparentemente se submete a interesses económicos de grandes grupos, com vista a engrossar a carteira e a ter lugar certo depois de terminarem a sua carreira governativa?! Que esquece facilmente os milhões que saem do bolso dos contribuintes para engordarem os bolsos dos banqueiros imorais que se salvaguardam com os milhões em offshores ou nas contas da esposa e dos filhos, para nada terem de seu que possa ser penhorado?
Talvez se pudesse deixar falir os bancos dos desmandos se os bens dos prevaricadores fossem confiscados e usados para ressarcir os clientes que fossem prejudicados. Num país justo, talvez as coisas se passassem dessa forma. Num país justo e democrático, os corruptos incautos seriam efetivamente castigados, haveria meios verdadeiramente eficazes de fiscalizarem determinados comportamentos para se evitar prejuízos maiores de terceiros. Num país justo e democrático, a res publica seria cuidada e não haveria desperdício. Uns não teriam todas regalias em detrimento de outros. Haveria real preocupação com o estado social e uma tentativa séria de promover condições para que todos pudessem viver condignamente com o fruto do seu trabalho. Isso não significa que todos tenham que ter os mesmos rendimentos ou que não possa existir uma economia de mercado, mas significa que haveria uma classe média realmente com poder de compra, que as assimetrias não seriam gigantescas e que não seria precisamente essa classe média e os pobres a suportar os desmandos dos poderosos.
Seria uma sociedade que valorizaria os seus professores, que lhes proporcionaria boas condições de trabalho: salas com menos alunos, verdadeiras saídas profissionais para os que não querem prosseguir estudos, onde a prática se sobreporia à teoria e, como tal, haveria salas que seriam autênticas oficinas de mecânica, de computação, de eletricidade, de construção, etc.
Não obstante, nada disto existe e quando se analisam os resultados que medem o sucesso e insucesso dos alunos, a fórmula de solução é sempre a mesma: os professores precisam de mais formação!
Estou cansada. Os senhores precisam de ouvir quem está dentro da sala de aula: professores e alunos. Não se deveriam tirar conclusões a partir de opiniões, que são, naturalmente, legítimas, mas que carecem de consubstanciação empírica. Passem umas semanas na escola para lhe sentirem o pulsar. Disfarcem-se de professores e encarem as turmas de vinte e oito alunos olhos nos olhos. Já agora, não escolham as escolas de cidade, frequentadas por meninos com expetativas para o futuro, procurem aquelas em que os alunos nos dizem muito frontalmente que querem sair da escola, porque estão fartos, porque não gostam de estudar, apesar do “professor cumprir muito bem com o seu papel e até explicar bem, mas eu é que não me interesso”. Falem-lhes de um percurso alternativo, os vulgares CEF, para depois os castigarem com mais teoria para a qual eles não têm disponibilidade. Pois, mas tem de ser, porque equipar e transformar escolas em verdadeiros centros do saber prático e experimental custa dinheiro e não há!
Num país democrático, justo e que quer evoluir, a educação não seria encarada como despesa, mas como investimento.
Podem continuar a enxovalhar, num ato cobarde e ignóbil a imagem do professor, podem conseguir enganar muitos, mas não todos e os professores, na sua maioria, não enganam com certeza. Sucessivos governos têm delapidado a escola pública sem dó nem piedade, porque não querem uma sociedade pensadora e crítica que conteste e questione a ação governativa. Assim, a escola e os professores são perigosos, porquanto teimam, por todas as vias, formar futuros adultos inquietos, perspicazes e que exijam a quem os governa transparência, honestidade e o zelo pelo bem comum.
            Neste raciocínio perverso, maléfico, tenta-se quebrar, ano após ano, os professores, cansando-os, levando-os à exaustão. Exige-se-lhes que sejam docentes, pais, psicólogos, amigos, gestores emocionais, mas sem lhes contarem para a progressão nas carreiras, muito lenta, ao contrário do que querem fazer crer os que nada percebem da temática, os referidos nove anos e, veja-se lá a injustiça, que foram efetivamente trabalhados!

Nina M.