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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Verso

Dormia e aconteceu-me um verso
E era a felicidade pura
De quem encontra a palavra madura
De quem cinzela com precisão
E o dia fazia-se lentamente
Enredado num sonho que não lembro
Só o verso singelo essencial
Todas as sílabas me osculavam
Na madrugada virginal
Depois... 
Como quem rompe os céus
E esfarela estrelas
Ficou só o pó dourado e a ilusão de tê-las
Nem verso nem luz
Apenas a escuridão que seduz
E no desespero de o ver de mim fugir
De não se deixar por mim amar
Melhor seria dormir
Por ele me deixar embalar
Um verso que de mim voou
Da minha mente se ausentou
Em liberdade quis viajar







terça-feira, 25 de agosto de 2020

Praia da Vitória

Mergulho nas águas virgens
Translúcidas de verde
Vejo os pés e pequenos cardumes
Trazem histórias de sereias
E de Navegadores aventureiros
Edificaram sobre o teu sal a cidade luminosa
Aberta sobre as águas
Terraço que se expande pelo oceano
São lusos os heróis trazidos pelo vento...
Rostos helénicos caiados
Pela fundação da humanidade
Em território vulcânico e inóspito
Constroem raízes perenes
E no meio do Atlântico
Na paz branca luminosa e verde
Sepultam as desventuras do ilhéu
Galhardo combatente liberal
A elevar o bom nome de Portugal!

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Mar nos olhos

Mar!
E algo em mim se agiganta
Como onda bordada a branco
E se desfaz com a suavidade
De um beijo que se solta aflito
Em ânsia de infinito

Mar!
Caminho deserto
De quem busca o seu destino
Em ritmo sempre incerto
Ver as ilusões salgadas desfeitas
Trazer a dor de menino

Mar!
Quanto de ti em mim vive
E a cor que emprestas a olhos meus
Leem atentamente o que a alma escreveu
Em dia ensolarado e feliz
Só de te olhar e sentir, ó mar!


sábado, 15 de agosto de 2020

Crónica de Maus Costumes 195


Ruralidade e qualidade de vida

Sou uma afortunada e cada vez mais tenho essa consciência. Na verdade, a grande maioria dos portugueses são afortunados se compararmos o nosso nível de vida com países de terceiro mundo. Basta ter a consciência de que a maioria dos seres humanos vive deploravelmente, miseravelmente, para me sentir uma privilegiada e sinto uma infinita vergonha por perpetuarmos essa situação.
Cada um de nós é também responsável, na medida em que não exigimos aos líderes uma distribuição mais justa da riqueza e continuamos a admitir o capitalismo selvagem, que engorda brutalmente uns, enquanto mata à fome milhões! E isto não é ser comunista! Considero a economia de mercado indispensável para que possamos viver com o mínimo de conforto a que já estamos habituados, mas deve haver alguma regulação e há desmandos que deveriam ser interditos. Todos deveríamos lutar pelo custo justo do produto. Não deveria ser possível a exploração que sabemos existir em alguns países onde as grandes multinacionais mandam fazer as suas peças de roupa e de calçado, por exemplo, sabendo quanto pagam a quem trabalha e o preço final de venda ao público! É inadmissível. É imoral, é injusto. Enfim, é uma grande canalhice! Desde que me reconheço que identifico esta angústia. Ninguém deveria morrer à fome com o desperdício alimentar a que assistimos! Talvez, por isso, na minha casa, não se desperdicem restos. Tudo se reaproveita e reinventa. Quem gostar menos, há sempre uma peça de fruta para compensar.
Porém, hoje, não era exatamente sobre essa ignomínia com a qual convivemos placidamente a que me referia. A sensação de privilégio a que me refiro é por viver numa cidade muito pequena, sendo ainda um meio rural, mas onde nada falta: cuidados de saúde e de educação (serviço público e oferta variada de privados), segurança e tranquilidade. Admito que a oferta cultural deixa um pouco a desejar, mas a verdade é que estamos a vinte minutos do Porto (se usarmos a autoestrada), de Penafiel, de Santo Tirso e a trinta minutos de Guimarães. A cidade não é propriamente bonita. Não tem um centro histórico como eu gostaria que existisse, apesar de haver alguns pontos dispersos de interesse e com História (Citânia de Sanfins de Ferreira, Mosteiro de São Pedro de Ferreira, o dólmen de Lamoso…), mas está bem localizada, perto de tudo e afastada o suficiente do bulício que nos retira anos de vida! Saber que preciso apenas de quinze ou vinte minutos para chegar ao meu local de trabalho, sem filas nem desesperos é inigualável! Ver os meus filhos felizes a andarem de bicicleta na rua, poderem brincar com os amiguinhos até às 11:00 ou ainda mais tarde, nas noites quentes de verão, é um privilégio com o qual cresci e que já não é para todos! É tempo que desligam do mundo virtual e como gosto de ver que preferem a interação presencial ao ecrã do tablet ou do computador! As escolas públicas que os meus filhos frequentam distam 5 minutos de minha casa (de automóvel), dez ou quinze a pé. O mais velho já se sente mais crescido por poder regressar ao lar, na companhia dos amigos, no final das aulas! Numa cidade grande, seria completamente impossível!
Um destes dias, em conversa com uma das minhas cunhadas, que trabalha na área da saúde e que tem um irmão e uma cunhada também profissionais no mesmo ramo, mas em Lisboa, dizia-me que com a assistência ao domicílio por causa da covid-19, eles tiveram a real perceção das vidas difíceis dos pobres residentes na capital. Estamos a falar de ver dez ou mais pessoas a morarem num T1! Espantada, dizia às suas colegas que em Trás-os-Montes já não se vê disso! E, na verdade, olhando bem para os preços insustentáveis da habitação em Lisboa e no Porto, tenho a consciência de que aí não teria capacidade financeira para ter a casa que tenho. Quem aí vive, longe da família, paga balúrdios pelo colégio do filho (normalmente um, porque dois ou três fica insustentável), veem-se obrigados a fazer horas extraordinárias (havendo essa possibilidade) para poderem ter a almejada vida burguesa. Sei de alguém que saiu de Lisboa, mora em Viana do Castelo e vem trabalhar para Matosinhos diariamente e, ainda assim, diz que agora tem qualidade de vida e que nem precisa de fazer horas extra! Não posso deixar de me interrogar se valerá a pena… Entendo quem tenha que obrigatoriamente fazê-lo por questões laborais, mas em muitos casos, já não é disso que se trata, mas talvez a falsa ilusão de que só nas cidades grandes se tem acesso a serviços de qualidade e a oportunidades de trabalho. Talvez já tenha sido assim, mas atualmente, nada mais provinciano do que ter esse pensamento! Quanto não vale gastar pouco tempo na viagem para o trabalho e sem engarrafamentos? Quanto não vale poder ir buscar os filhos à escola ou ter quem o faça (familiares, serviços de ATL) a preços comportáveis? Quanto não vale poder ver crescer os filhos, passar os fins de semana em família? Quanto não vale poder ter um bocadinho de tempo para nós? Trabalhar até à exaustão para poder ter a falsa ilusão de uma vida desafogada, sem tempo para usufruir do dinheiro que se ganhou é viver bem?!
Como sou privilegiada! Ainda sei a que sabem as batatas, os tomates, os pepinos, as alfaces da horta e ao que sabe o vinho doce, acabado de fermentar, que há sempre um vizinho ou um familiar com quintal que nos faz chegar as iguarias.
Hoje, vive melhor um pobre na aldeia, vila ou pequena cidade, desde que não tenha medo do trabalho, do que um pobre na cidade grande, porque a qualidade de vida não é mensurável apenas pelo salário auferido. Nunca viveria numa grande cidade! Quanto à cultura, felizmente, está disseminada por todo o país e havendo vontade, também se gasta um bocadinho do nosso tempo para a procurarmos. Afinal, de Bragança a Lisboa já não são nove horas de distância, como diz a música dos Xutos, em tempos que já lá vão! Julgo que começa a haver esta perceção e a prová-lo está o turismo de natureza no interior do país, cada vez mais procurado. Talvez as pessoas se comecem a aperceber da qualidade de vida que podem ter em lugares mais tranquilos. 
Com esta crónica me despeço dos que habitualmente me acompanham e a quem devo gratidão. Parto para férias de verão, para um local idílico, longe de grandes multidões, que nunca foram o meu forte. Assim se justifica a minha falta de apreço pelas festas populares. Perdoem-me, porque sei que é mau para muitos e, a mim, na verdade, não me perturba nada, porque não canso lá os meus pés, mas que é um sossego… Lá isso… Não o nego…
Boas férias a todos e até setembro!
Nina M.





quarta-feira, 12 de agosto de 2020

De uma lonjura sem fim

De uma lonjura sem fim
Chega a nortada
Acorda os que dormitam
Sem hoje ou amanhã
Apenas ontem angustiado
Um dia mais sem humanidade
Democracias fingidas e torpes
Violências fingidas de beijos
Hipocrisia lacrada com selo 
A garantir humilhações e dores
Misérias de Homem sujo
Vitórias sangrentas sobre almas
Para quando um futuro em harmonia?
Poder serenar verdadeiramente
No final de um simples dia?

Quase te sonhei

Quase te sonhei 
(Nunca me lembro de sonhar)
E tão real se me figurava
Que te fugia sem fugir
E te tinha sem te ter
No vazio do desejo e da ilusão
Tal era fome e a sede e em brasa
Que me acordaste num verso
Tudo o que podes ser em mim: sonho!
Sem fronteiras de realidade casta
Uma outra dimensão um outro mundo
Despovoado e pleno porque o habitas
Inconsequente inocente e feliz
Cruzasse o tempo  portas, vidas,
Espaços secretos
Seríamos crianças a correr livremente
No areal molhado sob o sol
Nesse particular instante do encontro
Acordo... Tudo se dissipa
Exceto a verdade de um quase sonho
Uma saudade serenamente contida

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Ouço a noite nas luzes amareladas

Ouço a noite nas luzes amareladas
Que trazem a saudade com o lusco-fusco
De um tempo que já não é mas não deixou de ser
Em contraciclo contracorrente e em contramão 
Sempre contra qualquer coisa
Como se nascêssemos pelo inverso
Na essência errada das coisas e dos seres
Sobra a angústia e o vazio
O pré-aviso de verso que se vai soltar
A insolvência de quem já se despojou
Fere violentamente a folha em branco imaculada
Surgem como quem rasga a alma os versos de ninguém
Surpreendidos da sua existência e ambicionando o além
Não sabem da sua origem nem da saudade nem do tempo
Vagos e confusos, perdidos
Alimentam-se das palavras que os formam
Namoram-nas... Vã cobiça...
Quedam-se deitados na letargia de um poema

sábado, 1 de agosto de 2020

Crónica de Maus Costumes 193


Má-educação, intolerância e falha democrática

                Há alguma gente que conheço que não usa o facebook. Sei que o Nuno Markl, por exemplo, abandonou a rede social, tendo explicado os seus motivos. Eu resisti muito à moda, mas por fim lá me convenceram das suas virtudes. Devagarinho fui aderindo e percebendo melhor o seu funcionamento, com as suas virtudes e os seus defeitos.
                Na verdade, a rede, em si, nem é boa nem é má. O uso que dela fazemos é que o determina, mas compreendo perfeitamente o Markl e as pessoas que não a querem usar. Não falo dos mais jovens, porque esses gostam cada vez mais gostam do imediato da imagem e preferem o Instagram. O facebook é a rede social dos mais velhos, como os meus filhos fazem questão de dizer. Para mim, a sua grande vantagem em relação às outras é permitir o texto. Hoje, são poucos os que leem e os que escrevem e, no entanto, o discurso escrito é, à partida, mais pensado, mais mastigado, havendo lugar para o tempo e afastando o instantâneo. Talvez  por isso, apesar das sugestões dos pequenos, não queira saber do Insta, diminutivo redutor com que designam essa rede. No entanto, há coisas que me aborrecem e que me preocupam no facebook: a questão da privacidade e dos dados. A verdade é que Orwell foi um visionário. Parece que estamos todos num Big Brother, espiados a todo o instante. Se cairmos na tentação de abrir uma janela que publicita a venda de máscaras, irá aparecer no nosso mural mais vinte anúncios semelhantes. Creio que o facebook saberá mais dos meus interesses do que alguns elementos da minha família! Depois, o que me irrita solenemente é Humberto Eco ter razão: as redes sociais apareceram para dar voz aos estúpidos. De repente, toda a gente é especialista em tudo, nos mais diferentes assuntos e com opinião avalizada sobre assuntos que desconhecem. Nunca o acesso à informação foi tão fácil e, todavia, nunca me pareceu tanto que a sociedade se estupidifica cada vez mais, por vontade própria, numa alienação assustadora e confrangedora. As pessoas indignam-se mais com certos comentários sobre o programa Big Brother e com as atitudes dos seus concorrentes ou com certas opiniões sobre futebol do que com a gestão do país e os seus problemas, passando ao lado de esquemas gravíssimos de corrupção, de injustiça social e de delapidação da nossa economia (já de si fraquinha)! Olho atónita e percebo entristecida que somos um povo manso. Um povo que reclama diariamente dos sacrifícios que faz, mas que não tem força moral para agir. Pior: quando veem outros a defender acerrimamente os seus direitos ainda os criticam, porque reconhecem neles a coragem e a ousadia que lhes falta. Assim, a petição dos professores contratados que circula na rede para corrigir uma série de injustiças ainda não perfez o número necessário de assinaturas! É absolutamente inacreditável! Primeiro que os contratados não adiram em bloco e depois que não sejam apoiados pelos professores do quadro, já que somos todos professores! Também nesta rede se veicula mais facilmente o supérfluo e o voyeurismo pela vida alheia do que o que verdadeiramente nos deveria interessar. Angustia-me a visão negativa da humanidade, que sei há muito perdida, mas que gosto sempre de pensar que é possível melhorar … O meu eterno ideal… Indigno-me com os comentários maledicentes, acintosos, de enxovalho gratuito e sem qualquer respeito pelo outro. As pessoas parecem lobos ferozes a atuar em alcateia para acabar com a presa, pasme-se, apenas porque discordam da opinião de alguém e são incapazes de contra-argumentar com lucidez, elegância e inteligência, partindo para um ataque ignóbil à pessoa e não às razões travadas. A última situação diz respeito a uma petição posta a circular por um professor de História que contesta a existência de ruas e de praças com o nome de Salazar, dado considerar-se que se presta uma homenagem ao fascismo e ao ditador. Pessoalmente, discordo. Não por ser apreciadora do regime ou de Salazar, bem pelo contrário, mas porque entendo que a História foi o que foi e que ninguém apaga os anos do regime ou a existência de tal figura. Como tal, para mim, é tão estúpido quanto derrubar a estátua do Padre António Vieira ou de Cristóvão Colombo, num contexto diferente. Não nos é prejudicial as ruas terem o nome do governante, pelo contrário, devemos lembrar-nos de como foi esse regime para sabermos que não queremos lá voltar. Pois bem, se não se concorda, só há uma de duas atitudes a tomar: ou não se comenta e não se assina a petição ou se manifesta o desacordo em termos apropriados e também não se assina. Optei por esta última opção. O que não deveria poder acontecer era partir para o insulto fácil só porque não gostamos da ideia. É de uma falta de educação, de uma falta de sensatez e de uma sem-vergonhice sem nome! Denuncia a democracia frágil e imberbe. As pessoas não compreenderam ainda que num regime democrático o desacordo é possível, a discussão de ideias e de argumentos é não só bem-vinda como um ato de cidadania, desde que saiba o significado de respeito pela integridade moral do outro. Democracia e liberdade não significam dizer tudo o que possa apetecer, se essas vontades vêm envolvidas de torpeza, sem justificação válida. A democracia não admite parênteses quando nos dá jeito! O colega foi apodado com uns mimos que não me atrevo a reproduzir. Subitamente, quer-se-me parecer que não falta gente a precisar de frequentar as aulas de Cidadania. Para agravar, tudo escrito num Português que, definitivamente, não é nem a língua de Camões nem a minha! Fico exasperada e mais me convenço que é mesmo necessário mudar alguma coisa no Ensino, porque não é viável que se destrate o nosso maior património: a nossa língua, veículo agregador, comunicacional, civilizacional e cultural!
A língua permite-nos o encontro connosco e com a alteridade, porque é com ela que pensamos. Mais me espanta ainda que se aceite tão placidamente todos os pontapés dados à ortografia, à sintaxe e à morfologia.  Apesar disto, também não é justificação para vexar os que os cometem e se sentirem necessidade de corrigir alguém, façam-no em privado. Ditam as regras de cortesia. Será que seríamos sem língua?! Não creio. Existiríamos, mas não seríamos.
               
Nina M.