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domingo, 26 de março de 2023

Silêncio

Que me queres dizer?

Perguntas... A quebrar o vazio 

E o silêncio 

Trespasso-te o olhar docemente 

Sem ferir o momento com o fel 

Ou seduzi-lo com o mel

Das palavras

A suspensão do som

Como brisa agradável 

Em dia quente de verão

Não preciso de dizer nada

Os silêncios são-me confortáveis 

Acolhem-me como areia macia

Sobre a qual estendo a toalha ao sol

De vez em quando o silêncio 

É rompido por uma ideia

Bela ou triste ou crua e ríspida 

Por breves instantes a magia 

Silenciosa voou para longe

Nem sempre é necessário encher a maré 

Com as sílabas

Basta deixar que as dunas acolham o

Colapso das vagas ora nervosas e

Imponentes ora doces e dormentes

Deixa que o silêncio se instale 

E se pronuncie claramente 




sábado, 25 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 318

 

Engajamento por impossibilidade de indiferença

            Às vezes é preferível não ouvir notícias. Muitas vezes não ouço. Ao dizer isto, vem-me à memória uma colega com quem trabalhei e que já não está entre nós, que me dizia que já não ouvia notícias para não deprimir. Não lhe dizia nada, mas achava um absurdo e pensava para comigo que dessa forma andava alienada do mundo. Eu ainda era nova. Teria 33 ou 34 anos. A Deolinda, mulher muito bonita e elegante e que não dizia a sua idade a ninguém, já deveria andar pelos cinquenta e pico…

Verifico que nesta fase, mais nova do que ela seria na altura, começo a ter um pouco o mesmo comportamento. Talvez a idade nos traga coisas comuns a todos. Eu não deprimo, mas fico irritada e não é bom, porque me eleva os níveis de cortisol e dá-me cabo da serenidade.

Os tempos atuais são pródigos em absurdos. Durante a semana, ficamos a saber das residências universitárias em Lisboa para estudantes deslocados, ideia que seria magnífica se não fossem os preços praticados. Pedir entre seiscentos e oitocentos euros mensais aos estudantes, leva-me a questionar se o autarca Carlos Moedas reside no mesmo país que eu ou se habita Marte! Já agora, os professores também precisam de residências para poderem lecionar nessa cidade, mas se os preços praticados forem esses, nem eles as conseguem habitar, a menos que queiram pagar para trabalhar. A minha alma pasma diante estes dislates e fico a pensar se será má-fé e cinismo dos nossos governantes ou apenas estupidez entranhada e incurável! Vamos lá ver se nos entendemos, a generalidade dos portugueses não podem dispensar seiscentos euros mensais só para a habitação dos filhos! Isso é o que um casal com salários algo acima da média poderá dispensar mensalmente para ter o filho deslocado a estudar fora, mas já com alimentação, transporte e outras necessidades incluídas!

Depois, lá ouço a notícia do novo pacote de ajudas… Os trinta euros mensais às famílias mais carenciadas. Só me surge a imagem do bodo aos pobres, a esmolinha que se atira para que os desvalidos se lembrem, nas próximas eleições, de quem lha ofertou. Os partidos precisam de pobres e da sua gratidão, para que esta se converta numa cruz num boletim, chegado o tempo. Esta política assistencialista e de mendicância dá-me ganas. É o meio mais fácil e mais descomprometido que existe de valer à população. A ajudinha é temporária, durante uns meses. Assim como surge, assim é retirada. Vai-se colocando pensos rápidos nas feridas para estancar o sangue, sem resolver a infeção. Não digo que seja completamente má, mas afirmo que será inócua se não for acompanhada de medidas que atalhem o problema da perda do poder de compra na origem. Os portugueses em geral precisam de melhores salários. Ordenados que compensem a inflação e não de um subsidiozinho que conforta, mas nada resolve. O Governo Português, em vez de ensinar a pescar, distribui, de quando em vez, um peixe e apenas a alguns. De seguida, vem a redução do IVA para zero nalguns bens. Esta seria uma excelente notícia se o homem em geral e o português em particular, não fosse um canalha avarento sempre lesto a lucrar com a necessidade alheia. É um comportamento deplorável e que me enoja. Também posso apostar, quase sem risco de perder, em como se o Governo não acompanhar esta medida com a obrigatoriedade de os comerciantes baixarem o preço dos produtos isentos de IVA, ela será absolutamente inócua, tal como aconteceu na vizinha Espanha, feita de povo tão bárbaro quanto o nosso. Neste caso, a responsabilidade não é só de quem governa, mas da usura e da ganância que não se redime e que se explica com a escalada absurda de preços, dizem. Sabemos que não passa de falácia, porque o preço que aumenta exponencialmente em questão de dias, em produtos que estão armazenados, não se prende com os custos de produção, mas da ganância de quem os vende. Portanto, espero que os vendedores não se lembrem de embolsarem eles o dinheiro do IVA que deixam de pagar ao Estado, mantendo os preços como estão. Estes lembram-me o Sapateiro do Gil Vicente, condenado ao inferno, por ter roubado bem o povo, durante trinta anos, com o seu mister.

Para terminar a insanidade, deparo-me com um artigo do jornal “Negócios”, em que o articulista, cujo nome já não lembro, afirmava que em Portugal havia muitos empresários como o comendador Nabeiro. A sério, pensei?! Onde andam eles? A argumentação usada era a criação de riqueza e de postos de trabalho, enaltecendo o empreendedorismo, o risco corrido e todas as dificuldades com que se debatem, afirmando que havia, em Portugal, uma malquerença em relação ao lucro. A minha alma voltou a pasmar. Desde logo, o artigo acaba por ser algo insultuoso para com a memória do senhor Rui Nabeiro, homem de rara excecionalidade; depois, não é de todo verdadeiro. É verdade que o sucesso de alguns sempre gera invejas. Também é verdade que as empresas se debatem com cargas fiscais tenebrosas e que dar emprego a pessoas é uma grande responsabilidade social. É verdade que haverá muitos empresários conscientes e que valorizam os seus funcionários. Não é verdade, porém, que sejam a maioria e muito menos podem ser comparados ao senhor Nabeiro e ao património particular que ele conseguiu construir com um sentido de responsabilidade social inédito. Nem vale a pena dar exemplos, mas os salários na Delta são acima da média, o patronato oferece seguro de saúde aos funcionários, creche para os filhos, entre outros mimos de que o senhor Rui, homem bom, era capaz. Esta mentalidade em tudo difere da que tenta obter lucro com baixos salários. Portanto, a malquerença não é com o lucro genericamente, mas apenas com aquele que é conseguido com a exploração do trabalhador. Não há empresa sem trabalhadores nem empregos sem empresários, então, a relação laboral deveria ser pautada pela valorização, pelo reconhecimento e respeito mútuos. Pelo que observo, neste país, há mais patrões do que empresários; mais chefes tiranos do que líderes de equipa e mais exploradores do que homens justos, que cedem à ganância, à usura e à ostentação. Coisa feia! Ostenta aquele que é tão pobre, tão pobre, que só tem bens materiais para mostrar. O senhor Rui Nabeiro era o inverso de tudo isto e, por isso, uma gota de água purificada num oceano de lixo. O país precisa imensamente de empresários. Precisa deles como o pão de cada dia, mas daqueles que têm consciência social e ética, dos que sabem que uma empresa se constrói com funcionários e que gente feliz no trabalho labora melhor, produz mais e fica reconhecida, vinculada à entidade empregadora. Quem não compreender isto, não é empresário. Apenas patrão.

Assim, Deolinda, creio que tinhas razão. As notícias deprimem. Beijo para ti, onde quer que estejas. Gostava de ti, Deolinda, e do teu sorriso espontâneo…

 

Nina M.

 

sábado, 18 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 317

 

Determinismo ou livre-arbítrio

     Os pais fazem sacrifícios pelos filhos. É a lei do amor que se cumpre, de forma natural.

Vou poucas vezes aos jogos da Matilde, porque nem sempre há disponibilidade. Ela gosta que a mãe vá, mas a verdade é que, hoje, se saiu às 16h00 para chegar às 21h30 a casa! Só mesmo por amor à filha passar por tal desperdício de tempo! Ainda me arrependi de não ter levado um livro. Sempre ia passando melhor… Ia intervalando entre páginas e jogo. Bem, pelo menos ganharam e as miúdas estavam a precisar de uma vitória… Creio que as miúdas e os pais que as acompanham, porque há um grupo de pais, sempre certinho, a acompanhar as filhas. Gabo-lhes a tenacidade e agradeço o facto de tantas vezes darem boleia à Matilde. Já se conhecem todos. Devem ser muitos anos a virar frangos… Escusado será dizer que me fazem sentir um bocadinho displicente, mas não tenho, de facto, muita paciência para aquilo. Maldigo sempre o clube não ter a capacidade financeira para poder transportar as atletas…

Quando olho para o relógio e vejo o tempo a passar sem que esteja a produzir algo de útil ou a fazer algo que me dê verdadeiramente prazer, estremeço e vou bocejando, lembrando-me de que fiz a miúda feliz. Vou vibrando a cada ponto que fazem e lamentando os que perdem, mas não compensa a sensação de desperdício temporal com que sempre fico. Ainda mais com pais que gostam de levar e de tocar bombo para apoiar a equipa da sua pupila! Deus me livre! Alguém é capaz de me explicar o motivo por que há tanto minhoto a gostar do barulho de bombo e de gaitas?! Levantei-me e afastei-me do local onde estava para o ruído não ser tão ensurdecedor, mas, na verdade, apeteceu-me arrancar as baquetas das mãos da senhora e dar-lhe com elas na cabeça, dizendo-lhe que fosse fazer barulho para a sua terra! Ups! Ocorreu-me logo depois que ela estava na sua terra. Eu é que não. Pensei que talvez fosse uma das professoras que andou pelo Marquês em reivindicação barulhenta e tive de lhe perdoar… Tudo por amor de uma filha. O próximo passo será ter de a levar a um jogo de vólei feminino ao Dragão Caixa. Já me anda a pedir há algum tempo, mas ainda não me dispus. Um dia destes terá de ser.

                Ainda em casa, antes de sair, a propósito de um desafio lançado ao irmão e que ele declinou (tudo o que implique um certo esforço, ele dispensa), perguntando-me por que razão insistia com ele. Respondi-lhe que era apenas para que ele experimentasse algo novo, porque sem tentar não sabe se gosta e pode estar a perder uma oportunidade de descobrir o que lhe dá prazer. Diz-lhe imediatamente a pequena que tinha visto um vídeo em que perguntavam a um homem o que era a vida e eu, que casualmente tinha visto também, sabia que ela estava a falar do Clóvis de Barros Júnior e quis saber o que ela tinha entendido, assim, perguntei o que lhe tinha respondido o professor Clóvis. Disse que a vida era tristeza. Ela não reproduziu fielmente. Corrigi. Não disse antes que era dor e sofrimento, porque antes de nascer ninguém sente dor e depois de morrer, que se saiba também não? Foi isso anuiu. O que ela quis dizer ao irmão é que sem esforço e empenho nada se faz. A Matilde é assim. Empenhada no que faz.

Perdido no seus pensamentos e com a matéria de filosofia fresca, a propósito do livre-arbítrio (fez teste durante a semana), acusou-nos de determinismo. Percebi a intenção. Como lhe apontamos a sua procrastinação, quis avisar-nos de que a biologia não comanda tudo. Corrigi-o e desenganei-o. A mãe não é determinista radical. O livre-arbítrio, ainda que condicionado sempre existe, mas então, que soubesse (e falei-lhe de Sartre e do existencialismo) que a liberdade implica escolha, responsabilidade e angústia. A partir do momento que estamos conscientes de que há uma escolha que é sempre nossa, deixamos de poder escudar-nos no azar ou na biologia para justificarmos as consequências da nossa ação, sejam elas boas ou más. É bom que saibas que quando te deparas com uma situação menos positiva, consciente ou inconscientemente também terás contribuído para ela. Haverá sempre uma parte da responsabilidade que te caberá a ti, fruto da tua escolha, pelo que a vitimização prolongada e constante é proibida. Tens direito a alguns minutos de autocomiseração, mas depois disso és obrigado a reagir. Justifica o absurdo da tua existência pela essência que construíres. Depois, acrescentei que isto era Filosofia e quando ele e os seus colegas perguntam para que serve a disciplina, que saibam que serve para pensar e que tem aplicação prática. Por isso é tão importante o seu estudo.

Ouviu-me calado e nada disse. Sei que tenho um rebelde por inação. Talvez tenha ficado a pensar, mas sei que me vai mandar o desafio às malvas… Nunca responde, mas acaba sempre por fazer de mansinho e de fininho o que lhe apetece.

Quando cheguei a casa, já tarde, deu-me a novidade, com ar triunfal, de que os amigos lhe ligaram para sair, mas que ele não foi, porque tinha de estudar para o teste que vai ter na segunda. Muito bem, respondi. A vitória do livre-arbítrio sobre a biologia. Parabéns.

Irmãos tão diferentes e tão meus. Adoro-os!

 

Nina M.

 

sábado, 11 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 316

 

O desconcerto do Mundo

Não vou citar a esparsa de Camões “Os bons vi sempre passar” onde, num registo mais íntimo e pessoal, o poeta lamenta as injustiças mundanas de que foi acometido. Parecia que o Universo conspirava contra ele, independentemente dos “erros seus, má-fortuna e amor ardente” que o deitaram a perder, mas tenho de lhe conceder a razão em relação ao desconcerto do mundo.

Se quisermos pegar num tema universal e que diz respeito a todos, olhamos para a Guerra que assola a Europa, espoletada pelo sanguinário russo. As vidas que já se perderam no combate sangrento e miserável não serão recuperadas e o destino duvidoso dado a crianças órfãs ou perdidas dos progenitores não será acompanhado. É uma insanidade que no século XXI se continue a cometer atropelos aos direitos humanos, diariamente, sem que se consiga fazer com que os agressores arrepiem caminho ou sequer mostrem arrependimento. O flagelo da fome, que afeta ainda alguns países enquanto noutros o desperdício alimentar fere a alma e os olhos de quem ainda tem consciência, parece não terminar. As assimetrias sociais e económicas agravam-se. Há quem tenha dinheiro para ir à lua, mas há infinitamente mais a viver em condições deploráveis. Por que razão há de alguém querer pisar solo lunar se com esse dinheiro puder salvar vidas?

Se olharmos mais de perto, vemos outras iniquidades em lugares onde não deveriam existir. O mundo não é um lugar recomendável. Julgo que nunca foi.

A comunidade católica tem sido fustigada pela existência de crimes de abuso sexual de menores, dentro da Igreja. Esta não é feita de pedras, mas de homens. Por assim ser, subverte a Palavra que diz e deveria defender. Nem todos os seus membros são criminosos, obviamente. Não se pode confundir a árvore com a floresta, mas o problema agrava-se quando as árvores são muitas, porque ações dessa natureza anulam todas as outras boas obras que também existem. Assim, a Conferência Episcopal foi uma desilusão e talvez um sinal de que não há vontade política dentro da instituição para emendar o que está mal, indemnizar quem sofreu nas mãos em quem depositou confiança e ser, definitivamente, digna e fiel depositária da mensagem de amor do que morreu na cruz para remir os pecados da humanidade.

Se hoje pudesse conversar com Deus (a fiar que ele existe) perguntar-lhe-ia que ideia peregrina foi essa de entregar o próprio filho ao mundo como cordeiro imolado. O exemplo não frutificou. Talvez tivesse sido melhor enviar mais uns quantos e deixá-los a pregar o amor, através do seu exemplo. Eu sei que também os houve e há, mas são manifestamente insuficientes... Interrogo-me sobre quantos mais filhos terão de morrer e quanto mais sangue terá de ser lavado para que o mundo se transforme. Questiono-me se este mundo não passa de um lugar onde Deus e Satanás medem as suas forças… Eu não queria ser desmancha-prazeres, ó Deus, mas ou abres os olhos e mudas de estratégia ou parece-me que levarás uma abada! Assim, de repente, parecem-me os estragos maiores do que a boa vontade! Ou então uma só alma depravada é capaz de subjugar milhares de almas justas… Parece-me que o tabuleiro está inclinado e o jogo está sempre favorável para o lado do Capeto…

Não vejo que outro antídoto possa ser usado contra esta esquizofrenia a não ser puxar do gene egoísta e refugiarmo-nos no nosso mundo mais pequeno e íntimo, no calor do que nos consola, no conforto dos que nos amam e na vida tão mais privilegiada sem que nada se tivesse feito para a merecer. Vivemos assim, numa espécie de torpor, preocupados com as nossas pequenas lutas, a esquecer uma responsabilidade coletiva para não sermos corroídos nem pela culpa nem pela vergonha.

Há quem a exponha por escrito, em prosa ou em verso, nas melodias ou nas telas de ecrãs, numa tela de museu, ou em peças jornalísticas para chegar ao mundo. Tudo não passa de uma forma inócua e ingénua de aliviar a consciência e a dor, talvez a sensação ilusória de que se tentou fazer a sua parte para construir um mundo mais limpo. Nada disso interessa aos que sofrem os horrores. Apenas os assaltará o medo e a revolta e como os deuses podem ser cruéis, com a libertação do mal trazido, obviamente, pela mão da mulher (Pandora), num laivo de sadismo, deixou-lhes também a esperança para que queiram a sobrevivência a qualquer preço.

 

Nina M.

Vem passear comigo, amor,
Pernoitar no Buçaco
No coração da mata
Frente ao jardim em flor

Admirar os painéis e arcadas
Ao estilo neomanuelino
Saborear ternuras partilhadas
No Palácio, uma ode ao feminino

Querer-te assim em mim
Num fulgor incandescente
Ato de amor e de fé
Explosão e lava ardente

Vem comigo sem demora
Voar com a imaginação
Se a realidade aqui não mora
Vive-se com o coração

Nesta revoada fantasia
Sem um princípio nem fim
Encontrei a minha alegria
No odor de um jasmim

Tão branco e tão singelo
Como o verso que se cria
Haverá amor mais belo
Do que o que no sonho havia...













quarta-feira, 8 de março de 2023

Velhice

A velhice será 
Profunda e distante
Longínqua e perdida
Nas esquinas tumulares
Do silêncio
Palavras lembradas
Sorrisos e emoções
Transformados em memória
Poética dos lugares recônditos
Do coração
Preservados os mais nobres
A proteger a beleza
Mas no fim... Cinza e mágoa
Da fénix que já não pode renascer
Antevisão triste de futuros
De um ser em incumprimento

sábado, 4 de março de 2023

Crónica de Maus Costumes 315

Serenidade crónica

                Ao que parece, segundo estudos manhosos, pessoas que colocam o despertador para determinada hora e ficam na cama mais um pedaço por incapacidade para se levantarem, são aquelas que nem planificam o futuro nem são organizadas. Ora… Sou exatamente eu! Faço isso tudo. Os cinco minutos mais na cama nunca são só cinco, não sei o que o diabo do tempo faz, principalmente em dias de trabalho, mas quando de repente olho para o relógio novamente, já se passaram mais quinze ou vinte minutos e, então, nessa altura, sem apelo nem agravo é forçoso sair da cama. Sempre sob protesto e a rezingar surdamente.

Benzo-me e agradeço por não integrar nenhuma corporação militar, porque se me acordassem às 06:00 da manhã com uma corneta zombeteira e estridente, tenho para mim que a vontade de partir o instrumento na cabeça de alguém seria muita…

 Fiquei a pensar nisso… Não sou, definitivamente, de fazer planos para o futuro. Não há plano A, B nem C. Há pés assentes no chão em questões financeiras, tal como os meus pais me ensinaram. Quem ganha dez só deve gastar oito e guardar os dois que sobram, porque é preciso ter sempre algum dinheiro poupado. Cada um deve coser-se com as linhas que tem. Depois, como sou uma pequena burguesa despojada, que apenas gosta que o seu lar tenha as comodidades necessárias e uma ou outra excentricidade que aprecia, mas que se mantém indiferente a tantas outras coisas, a gestão não é muito difícil.  

Porém, perder tempo a imaginar o que será o futuro ou a fazer previsões é uma imbecilidade. A vida nunca é como imaginamos ou desejamos, mas antes o que tem de ser. Obviamente, há uma margem para escolhas nossas, no entanto, estas são sempre sujeitas a certas circunstâncias, pelo que as decisões pensadas e as que efetivamente se tomam em dado momento são diferentes. Planificar em demasia significa não deixar margem para as surpresas da vida, mas são estas que lhe acrescentam o tempero às rotinas. Toda a vida que é muito planificada e certinha, com horários rígidos e uma disciplina absoluta pode ser muito organizada, mas é triste e enfadonha! Bem chega a rotina da qual não podemos fugir… Assim, ao fim de semana, pelo que há para fazer até deveria levantar-me relativamente cedo, mas acontece que me apetece recuperar o sono perdido durante a semana e com o frio do inverno estou muito bem na cama, porque gosto de estender a manhã. O trabalho não fugirá e, quando me levantar, continuará à minha espera e lá acabará por se fazer a seu tempo, mas sem correria nem ansiedade. Para cumprir horários à risca, basta o trabalho! Creio que pessoas assim padecerão menos do coração, que não sofrerá de ansiedade. Gente muito aflita é um sufoco! São controladoras, tendem a pensar que comandam tudo e todos e quando a vida prega uma das suas peças e se veem numa situação que não conseguem controlar, ensandecem! Ensandecem-se a eles e os outros! Um martírio! Assemelham-se a baratas tontas que não sabem reagir a um imprevisto… De maneira que costumo dizer que sofrer por antecipação é parvoíce. Se se provar não haver motivo, sofreu-se desnecessariamente e se motivo houver, então, sofreu-se a dobrar… Também sei que nada disto se escolhe. Vem na carga genética que me calhou em sorte. Logicamente, há o sentido de responsabilidade que obriga ao cumprimento das tarefas, mas felizmente a ansiedade passou um pouco ao lado da minha porta.

A minha carga genética pouco ansiosa passou para o meu adolescente, mas faz-lhe falta o sentido de responsabilidade. Bem que ele me diz que é feliz. Já a mais nova herdou o gene da aflição, mas também da responsabilidade. Um tem sempre tempo. A outra está sempre com pressa. Um não se enerva com nada; a outra tem dores de barriga durante os testes. Nenhum gosta de se levantar cedo e ele põe-se a pé com menos dificuldade do que ela. Se puderem, dormem ou estão na cama até ao meio-dia. Nunca foram miúdos de me vir aborrecer às seis ou sete da manhã aos fins de semana ou de me dar noites mal dormidas! Amém! Acho que os eduquei bem ao longo da gestação…

É aflitivo quando querem saber dos meus planos para o próximo mês! Ora, nenhum! Se não sei sequer o que vou fazer para o jantar e decido na hora! Já me lembrei de pôr uma lista de sugestões na porta do frigorífico, mas tenho a certeza de que iria olhar para ela e torcer o nariz por não me apetecer comer nada do que lá estivesse! Haverá alguma coisa pior do que saber que à segunda é dia de salada russa com filetes e à terça, costeletas com arroz?! As rotinas fazem falta, dizem. A quem? Elas existem, porque temos de viver numa sociedade organizada e que nos obriga a cumprir, porque somos peças da engrenagem, mas a liberdade é muito mais apetecível! Por isso, foi com uma pontinha de inveja que li a notícia sobre um casal de professores que passou um tempo a juntar dinheiro para poderem dar uma volta ao mundo durante um ano. Ambos pediram licença sem vencimento. Traçaram um plano, uma rota, que não é inflexível e que sofre ajustamentos, e partiram à aventura por esse mundo fora. Vão criando e publicando conteúdos digitais, o que lhes permite irem ganhando mais algum dinheiro para se manterem no sonho. Julgo que não têm filhos. Dou comigo a pensar que gostaria de fazer o mesmo se os meus estivessem fora do ninho. Sair assim, livremente, à descoberta da beleza que a vida ainda tem para oferecer, numa tentativa de combate à desilusão que a humanidade sempre é.

 

Nina M.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Ira

Hoje, a poesia não salva o dia...
Li-a, expliquei-a e depurei-lhe os sentidos
Parti em busca de outras....
Mais suaves e mais ternas
A acalmar as ânsias loucas
De ferir de morte injustiças terrenas
Uma ira infinita acoplada ao ouvido
A gritar-me palavras feias de arremesso
Pedras, flechas, setas e balas
Dirigidas à gente surda e ignóbil!
Estremeço.
Vontade humana de causar dano
A quem danos tem plantado
Oxalá um coletivo permaneça levantado
E em defesa da educação e da  cultura
Nunca seja subjugado!