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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 62



Perguntaram-me se escrevia sobre o amor enquanto emoção que une duas pessoas. Normalmente não o faço. Nunca seria, por isso, um Nicholas Sparks. Não há pachorra para a pieguice exagerada e um amor que, de tão meloso, cheira a falso. Os amores retratados, rodeados por situações melodramáticas, são sugados pelo narrador até mirrarem e nada mais deixarem.
A realidade está plena de situações similares retratadas pelos seus livros, até porque é ela quem sempre inspira quem escreve, porém, a reprodução de vidas, paixões e amores de forma exageradamente romântica retiram toda a dignidade ao amor e às pessoas (o amor já é suficientemente ridículo para ser tornado ainda mais ridículo. Só assim é amor!) e transformam-nas em meras personagens irreais, pura ficção do espírito que se entreteve a reproduzir, numa imitação rasca, o quotidiano, escolhendo caminhos pouco plausíveis.
Talvez não o faça somente porque prefira o agridoce. Doçura a mais enjoa-me e enfastia-me. O amor existe para ser experienciado, vivido e protegido. Não precisa de ser propalado aos quatro cantos, num exibicionismo que o desnuda e esmorece.
As páginas preenchidas por discursos improváveis alimentam os espíritos mais desprevenidos num devaneio meramente ilusório, responsável por possíveis futuras desilusões. Ninguém é capaz de competir com os heróis e heroínas desses romances de cordel, onde tudo é magia! Demasiado perfeito, mesmo as dificuldades!
Seria um estudo sociológico engraçado tentar perceber como o amor romântico idealizado interfere na relação com o sexo oposto, porquanto contribui para uma ideia pré-concebida de um relacionamento e da felicidade conjugal. De notar que nos contos infantis, a princesa, sempre desprotegida e frágil, ganha o amor do príncipe encantado e casam dando origem a um final aborrecidamente igual: “E foram felizes para sempre!” Ora, a realidade está longe de ser assim. Nem sempre a menina é assim tão desprotegida ou o príncipe tão honesto! Na maioria das vezes, nem há príncipes ou princesas, apenas pessoas que tentam viver o melhor que podem e sabem, com os seus muitos defeitos e poucas virtudes… Talvez prefira, por isso, o conto infantil nórdico, “A Pequena Sereia”, de Hans Christian Andersen, onde se ensina, desde cedo, que nem sempre, apesar do esforço despendido, se consegue obrigar alguém a amar outro. Assim, não vale a pena despirmo-nos da nossa identidade, deixar de ser quem somos e transformarmo-nos no que não somos, apenas com a expectativa de sermos amados por quem desejamos. Só o facto de obrigar a tanto deveria ser sinal do erro que é investir em tal obsessão! Eu já li a história à minha filha e quero-a desassombrada desses ideais em que o homem move montanhas pela sua menina.
Basta-lhe que tenha a inteligência para perceber que o amor está nos pequenos detalhes e nos cuidados do dia a dia: o saber ouvir, o saber proteger, o saber partilhar cumplicidades, aventuras, desventuras e risos, com sentido de humor, mas sem cinismos. O amor está nos lugares comuns e não nos píncaros de uma montanha inacessível!
E depois, há os que nos comovem como uma poesia ou uma música, mas cuidado, porque sem os pormenores de que são feitos o quotidiano, não serão sinal de amor, mas de paixão, que só serve para nos deixar com a vida às cambalhotas, de pernas para o ar! Também passa, mas custa!
Nina M.






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