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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 11



            Há memórias que o tempo não apaga e que nos fazem sorrir, quando, a propósito de nada delas nos lembramos! Lembro-me muito bem quando entrou em nossa casa, pela primeira vez, uma televisão a cores. Hoje, completamente banal! Outrora, um desejo que povoou a imaginação de três crianças que se deliciavam só com a possibilidade de tal sonho se concretizar!
            No tempo em que o salário de um professor rondava os trinta contos, (uns meros cento e cinquenta euros) uma televisão a cores, que custava mais do que o valor mensal do salário, não era investimento que se fizesse por impulso, pelo menos para quem vivesse apenas do parco fruto do trabalho!
            Lembro-me que eu e os meus dois irmãos (um mais velho e o outro mais novo) víamos religiosamente o famoso programa 123, das segundas à noite, e regozijávamos com a sorte dos casais. O automóvel era um prémio fabuloso, quase impossível! A televisão a cores era uma gratificação mais realista e que nos deixava uma pontinha de inveja por não podermos usufruir da tecnologia de ponta daquela época.
            Na aldeia, só o Sr. Fernando Manquinho (alcunha motivada pela paralisia dos membros inferiores) tinha um desses aparelhos. Ora, tal facto causava admiração na criançada, que via o seu ciúme acicatado pelo Armando (o filho do Sr. Fernando) que relatava, ufano e inchado como um sapo, as vantagens de se poder observar as cores no televisor! Danados, os outros acotovelavam-se e olhavam de soslaio para o mancebo que tinha a mania que era mais do que ninguém só por ter uma televisão a cores. Entre dentes, o meu primo lá deixava escapar: “Ai tens?! Nós também temos! O preto e o branco são duas cores!”
Arrematava-se assim a conversa que começava a arreliar a maioria da ganapada e prosseguia-se com a brincadeira, deixando as cores da televisão a povoar a imaginação de cada um.
             Certo dia, andava eu na segunda classe, o meu pai apareceu em casa com uma Grundig. Eu e os meus irmãos nem queríamos acreditar! Finalmente o sonho concretizava-se! Foi o gáudio da pequenada!
            Estranhámos só o olhar de soslaio da minha mãe que não achou piada à brincadeira e que disparatava forte e feio com o meu pai, porque não tinha máquina de lavar roupa que, pelas razões óbvias, fazia mais falta. Nós, crianças e inconscientes, alheios àquilo, pensávamos com os nossos botões que a mãe gostava de implicar e que o pai tinha brilhado, nesse dia!
            De qualquer forma, as imprecações da minha mãe foram ouvidas, pois pouco tempo depois teve direito à sua máquina de lavar. A consciência deve ter pesado ao marido que se questionou como foi possível não se ter lembrado que a máquina de lavar dava muito mais jeito a uma mãe de três filhos que trabalhava fora do que uma televisão, à frente da qual pouco tempo tinha para se sentar!
            Rio-me sempre do episódio e penso para comigo: “O Moreira no seu melhor!”
Nina M.



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