Aquele que nunca viveu uma paixão imensa passou ao lado da vida. Falo
daquela que nos arrasta para o precipício, que nós vemos, sabemos existir, mas
que não conseguimos, por impotência genuína, evitar.
Essas
paixões autodestrutivas, que alagam tudo por onde passam, são incompreensíveis
aos olhares alheios. Como pôde ela apaixonar-se por um ser execrável, sendo tão
boa alma? Interrogar-se-ão alguns. Já diz o ditado: “O amor é cego.” Discordo.
O amor é outra coisa. Cega é a paixão que arrebata, sufoca e destrói, vicia
prazenteiramente. Alucina e remete-nos para outra dimensão. Para a viver é
preciso ser bafejado pela (des)ventura e ser-se corajoso para enfrentar os
despojos que sobram e que se carregam uma vida toda na alma. Essa emoção cumpre
alguns requisitos: deve ser proibida (o fruto proibido é o mais apetecido),
súbita e vertiginosa. A razoabilidade e racionalidade não cabem nesta dimensão.
Os seres tornam-se emoção e empirismo puro, num abandono sofrível e patético da
intelectualidade. A paixão imbeciliza, porém, é inebriante e hiperbólica, capaz
de manipular o conceito de tempo. Um dia ou uma semana longe do sujeito
devotado é, como diria Camões, “(…)Num'
hora acho mil anos, e é de jeito/Que em mil anos não posso achar um' hora/Se me
pergunta alguém porque assim ando,/Respondo que não sei; porém suspeito/Que só
porque vos vi, minha Senhora.”
Quem
passa por dentro deste furacão não tem qualquer possibilidade de lá sair ileso
e há almas que não têm amplitude emocional para suportar tal embate. A paixão
sempre acaba, não se eterniza e, atrás de si, deixa um rasto de destruição,
escombros que se amontoam dentro do ser e que vão sendo removidos pouco a pouco
e com custo. Quem lhe sobrevive é um bravo que, provavelmente, repelirá outra
experiência semelhante, mas que, no mais íntimo e recôndito de si, recorda com
nostalgia essa sensação de abandono e dádiva total, que sugere uma felicidade
inexplicável. Por esse motivo, no romance de Eça, Carlos da Maia, mesmo já
sabendo que era irmão de Maria Eduarda, não resistiu a sentir-lhe o sabor mais
uma vez. Não a reconhecia como carne da mesma carne. Tudo era sensualismo e
paixão arrebatadora. O nojo e repúdio vieram depois, mas não foi capaz de
resistir e sucumbiu ao delírio e arrebatamento vertiginoso que tal sentimento
sempre causa. Estar sob o efeito da paixão é como estar sob o efeito de uma
substância psicotrópica, é ter fogo que consome por dentro, é combustão
desenfreada, loucura e desvario. Ninguém consegue viver sempre assim e,
portanto, a paixão consome-se a si própria e extingue-se. A partir deste ponto,
ou se transformou em amor (conheço poucos casos) ou morre e deixa um lastro de
cinza incandescente da qual se demora a recuperar e nunca se esquece o que se
viveu. Das cinzas se renasce, se cresce e aprende, mas um pouco de nós morreu
também.
Para
os mais avisados, o amor é mais aconselhável. É feito de calmaria protetora,
mas há sempre quem sinta uma atração fatal pelo abismo!
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário