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sábado, 27 de junho de 2020

Cavaleiro

Cavaleiro da triste ventura,
Deposita a teus pés
O elmo e a armadura
Nada se conquista na guerra
Ou com ferros e lanças
Apenas se criam feras
Que semeiam desesperanças
Toma por espada a rosa branca
Que cobrirá o teu túmulo
E a mortalha a débil armadura
Que te abraçará no novo leito
Dá abandono a ódios e cansaços
Faz do amor pleno o teu pleito
Não desperdices assim a vida dura
Só a morte trará serenidade futura




Crónica de Maus Costumes 188


Os Rankings da desvalorização

Hoje, saíram os rankings que posicionam as escolas no que diz respeito aos resultados dos exames nacionais. Quem está bem posicionado fica feliz e quem não se encontra nos lugares cimeiros compreende que esses resultados dependem de muitos fatores externos à escola.
Começo por felicitar todos os alunos que contribuíram para o sucesso das suas escolas e também, obviamente, os professores que os acompanharam e com eles trabalharam. Certamente, os bons resultados permitem o cumprimento dos objetivos dos alunos. No entanto, há muito a dizer sobre esta lista de escolas que induzem muitos em erro. O esforço dos alunos e dos professores é meritório e justamente reconhecido, porém, não é a média obtida em exames que define a pouca ou muita qualidade de um estabelecimento de ensino. Uma palavra de apreço ao senhor Secretário da Educação, João Costa, cujas sinapses parecem funcionar e reconhece precisamente esta falsa impressão que os rankings podem gerar.
Todos os anos, os colégios privados aparecem nos lugares cimeiros. Este ano, a escola pública com os melhores resultados aparece em 34º lugar. O que levará a que tal aconteça? Desde logo, a principal diferença: os alunos que as frequentam. As expetativas que eles e os próprios pais têm em relação ao seu futuro, a valorização do papel da escola, o meio socioeconómico e o investimento que fazem no estudo, estabelecem toda a diferença. Os colégios têm um público-cliente diferenciado e quase escolhido. Muitas vezes, desconhecem a palavra inclusão e, depois, os alunos não respiram e os seus professores também não, numa luta desenfreada, cruel e patética até, pela mediazinha que pouco diz do aluno enquanto ser humano e futuro profissional. Uma das melhores professoras de Português que conheço, de uma escola Secundária que não vem ao caso, coloca os seus alunos a trabalharem que nem doidos… Eles resmoneiam e os pais também, porque os exames que vão fazer este ano são outros que não o de Português e, no entanto, o que esta docente faz comparado com a carga exaustiva de trabalhos dos colégios até é suave… Portanto, o segredo parece residir no empenho e na ajudinha extra, que muitos alunos têm. Não que eu desvalorize os resultados (defeito de profissão e que o digam os meus filhos), mas quando vejo alunos a esgadanharem-se e a desesperarem-se para melhorarem umas décimas de uma média que já de si é brilhante, interrogo-me para onde caminhamos… De que vale uma média altíssima se depois falham outras capacidades? Se depois até se desiste de algo que se estava a fazer longe de casa, porque faltam os pais e o copinho de leite antes jantar? Se depois falham as competências sociais e a inteligência emocional?
A classificação é importante, mas não é tudo. Aliás, as Universidades Públicas servem, mais tarde, para garantir o banho de humildade necessário e os alunos lá se vão interrogando para onde vão as belíssimas classificações do secundário, pois parece que, de repente, tiveram uma qualquer paralisia cerebral. Não acontece, mas a instituição zeladora pelo saber trata de nos mostrar que somos apenas um pequeno ponto neste imenso universo e que alguns dos mais conhecedores sentam-se na sua cátedra, à nossa frente, com um mísero olhar entre o desdém e a comiseração. É a vida… Há que aprender a resiliência e saber lidar com a frustração. Quem anda habituado aos dezassetes não gosta dos dozes e dos trezes que hão de vir, mas tudo se aprende, porque o Homem é um animal de hábitos e desvanece-se a vaidade.
Desta forma, a melhor média obtida pelos alunos em certas escolas não as tornam melhores do que outras. Deve-se atender ao meio socioeconómico em que a escola está inserida e ao perfil dos alunos que as frequentam. O esforço que um aluno de catorze faz para chegar ao dezassete é meritório, mas não mais do que o empenho que o aluno de cinco faz para chegar ao dez! De igual modo, as escolas de meios mais desfavorecidos, onde as famílias desestruturadas abundam, onde a escola não é entendida como elevador social e nem o saber e a cultura são valorizados, porque não faltam doutores desempregados por aí e porque para ganhar dinheiro não é preciso estudar, já cumprem com excelência o seu papel quando conseguem reduzir o abandono escolar, através da sua oferta educativa, quando conseguem colocar miúdos no mercado de trabalho com capacidades para virem a ser bons profissionais, quando está a incluir e não a excluir. Quando consegue que meninos condenados a priori venham a ser cidadãos de primeira! Por estas razões, lamento que o Ministério não faça um investimento sério no equipamento de escolas para cursos profissionais, a iniciar logo nos sétimos anos de escolaridade. Talvez a desmotivação e o insucesso fossem evitáveis! E pensassem também em adequar os programas para estes alunos, porque por muito que eu goste e me entusiasme com Camões e Eça e Pessoa, quem gosta de maquinaria está a borrifar-se para a beleza e grandeza dos versos: “Valeu a pena? /Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena/ (…) Deus ao mar o perigo e o abismo deu/Mas nele é que espelhou o céu”.
Só para mim continua a fazer sentido ano após ano recitá-los com ânsia de contágio… Ou resta-me fazer como dizia Saramago, que considerava que tentar convencer o outro de alguma coisa só revela intolerância…
Nina M.




quarta-feira, 24 de junho de 2020

Burguesinha

Vem a linda burguesinha
No seu sapato de salto
Cumprimenta com um sorriso
Acordando quem por si passa
Num suave sobressalto
Dando o ar de sua graça
Longe de presunção
Só pretende ver cativo
Apenas um coração
Ó burguesinha tão dócil,
De alma límpida e cristalina
Ninguém te sabe difícil
Nem a tua bondade adivinha
Burguesinha bem portuguesa
Sem poder para desvarios
Tem conforto sem riqueza
É feliz na corrente dos rios
Que arrasta com leveza
As almas dos casarios
Tão suave e delicada
Sem trejeitos de grande vaidade
É burguesinha confessada
Culta e sem maldade
Gosta de apreciar a beleza
Que o mundo aos seus olhos oferece
Encanta-se com a natureza
Até de que é burguesa se esquece

sábado, 20 de junho de 2020

Crónica de Maus Costumes 187


Pão com açúcar

Julgo, se a memória não me atraiçoa, já me ter confessado neste espaço saudosista. Só deixa saudade o que verdadeiramente se inscreveu na nossa memória e no nosso coração. As saudades são tão mais profundas quanto esses momentos nos pareçam irrecuperáveis. Na verdade, irrecuperáveis são todos os que já foram experienciados, porque os do presente ou os do porvir poderão assemelhar-se, mas já não serão os mesmos. A mesma água não passa sob a mesma ponte duas vezes…
Certo é que amiúde sou inundada pela saudade que me traz cheiros, sabores e afetos… Quem não ficou preso à sandes de banana ou de Nesquick da infância (o nosso melhor nutella e o pão bem mais saboroso do que quando era barrado com tulicreme)?
Por estes dias, dei comigo a pensar no meu meio pão preenchido com açúcar, da minha tia Alexandrina, mulher do meu tio Zé. Este meu tio teve sete filhos, meus primos direitos por parte da minha mãe, todos bem mais velhos do que eu, a começar por aquele que é o meu padrinho. Já não tenho nem estes tios nem dois destes primos, que foram colhidos bem antes do seu tempo, ambos por ataque cardíaco (a Rosa, aos 33 e o António, este ano, aos 64). Evidentemente, se a saudade fosse reposta com o simples pão com açúcar, seria facilmente resolvida, mas são os momentos que ela evoca que são irrecuperáveis e insubstituíveis. A vida era dura para este meu tio, a quem cabia a função de trazer o dinheiro para casa, enquanto os filhos não começaram a trabalhar. Depois, já com os filhos jovens a ajudar, as coisas melhoraram um pouco, porém, nada era fácil. De maneira que o pão com açúcar era a guloseima que a minha tia me podia ofertar. Ou isso ou o pão com planta, mas esse não tinha nada de especial! E eu comia-o com deleite e com o açúcar a derreter-se-me na boca e a deixá-la doce e esbranquiçada…
A minha tia perguntava-me quase em surdina:
- Ó Sonita, (ainda hoje sou tratada assim por esses primos) queres pão com açúcar?!
E como haveria de não querer se era a doçura clandestina, quase um segredo bem guardado? A minha mãe só há pouco o soube e riu-se incrédula, quando falei da sandes com açúcar da tia Alexandrina, afiançando-me que só agora sabia da iguaria…
Nem o tento repetir, porque nem hoje aprecio tanto o açúcar e porque sei que seria uma desilusão. Esse sabor não é recuperável, porque não teria o ingrediente da infância e do afeto, dos primos que me levavam aos sábados à noite para casa deles (quantas vezes vi os festivais da eurovisão na casa deles, desde as Doce ao José Cid, de quem a minha prima Glória gostava tanto)! E dormia com as raparigas na mesma cama, quatro e comigo cinco, umas para os pés e outras para cima. Também sei que dormia para cima e no meio de duas ou três. Não se questionem, porque cabíamos todas e ao que me lembro (apesar da minha tenra idade, quatro ou cinco anitos) ninguém se queixava, no dia seguinte, de dores de costas causadas pelo desconforto. Ficava lá a dormir de sábado para domingo, talvez para dar descanso aos meus avós maternos com quem ia dormir, normalmente e, já no meio de ambos, afirmava que a perna esquerda era da avó e a direita do avô, antes de dormir e da oração do anjo da guarda. E ainda hoje oiço o Lino das Toiras, quando desço a ladeira, com a minha avó de candeia em punho a perguntar-me:
- Tu já vens, minha papagaia?!
Dizem-me que falava muito e alto, de maneira que a minha passagem se fazia anunciar ao povo, mas também me lembro de esperar que a velhinha Sra. Palmira não estivesse por lá à minha passagem, para não me agarrar nem me besuntar com os beijos repenicados que fazia questão de me dar! Só ela e mais tarde o meu tio Claudino que nos amassava e nos ferrava as bochechas como se não houvesse amanhã. Assim, quando a minha mãe chamava para dizer olá ao tio, nós aparecíamos obedientes e contritos, a esfregar a cara por antecipação!
Certo dia, depois de acordar sozinha nos meus avós, pois eles já se tinham levantado e depois de tanto chamar sem ser ouvida, deduzi que se tinham ido embora sem mim e lá me vesti com a saia castanha de rosas miudinhas amarelas e que apertava atrás com um colchete e foi um sarilho! Meti os pés ao caminho, a segurar com as mãos a saia que não conseguia apertar e ao chegar ao meio da aldeia, as raparigas, as minhas primas, já não me lembro de qual, lá me perguntou onde ia e a razão de estar sozinha. Lá disse que ia para casa, porque não sabia da avó. Depois de me abotoarem a saia, lá foram avisar a avó, que coitada, por aquela hora, deveria estar a morrer de preocupação por não me ver…
Olhando para trás, apesar da origem humilde, ganho consciência do mimo com que fui criada. Ah, Glória! Uma destas primas, afilhada da minha mãe, quantas vezes de prato na mão, no penedo grande do monte em frente à casa dos meus pais e que hoje já não existe, com toda a paciência, me fazia comer as batatas cozidas esmagadas com o ovo e o peixe… E a mistura colava-se ao palato e não queria despegar e com muito custo lá ia engolindo a comida, do prato dos leõezinhos, que apesar do depósito de água quente arrefecia, por força do tempo que levava a ser ingerida. Ainda hoje não aprecio batata cozida, mas não serve de desculpa, porque à época não apreciava nada! Havia a minha avó que me subornava com refresco de vinho (hoje, seria caso para chamar a CPCJ ainda que fosse uma pinguinha só para colorir a água adoçada com açúcar), mas que só me deixava beber no final da refeição, que durava uma eternidade!
Tudo isto me surge a partir de um pão com açúcar. Uma infância feliz, muito longe de bens materiais, mas povoada de seres que me quiseram e fizeram tanto bem! Seres para quem hoje, mulher adulta e mãe de filhos continuo a ser a Sonita, para não dizer Quita, que era assim que dizia chamar-me aos meus dois anitos. Uma infância cheia de dormidas fora de casa… Cheia de afetos e de sabores.

Nina M.







sexta-feira, 19 de junho de 2020

Há dias que trazem o sol na alma

Há dias que trazem o sol na alma
E um céu imenso no olhar
Um belo e rutilante sorriso
Que traz a paz e a calma  
Sente-se ao de leve o perfume 
Só de ver e reparar
Num íntimo envergonhado
Que se esconde 
Numa timidez súbita
De quem se sabe agraciado
Pelo imenso ser que habita
E tudo ganha um sentido
Nova vida abençoada
Pela Páscoa anunciada
De um beijo pressentido
Nesta simplicidade pura
De quem sabe a vida dura
É-se quase feliz!




terça-feira, 16 de junho de 2020

Oração

Deposito aos teus pés
A capa do meu estoicismo
Ofereço-a em redenção
Cura para o niilismo
Toma como a tua cruz
A minha imperturbabilidade imperfeita
Corre sangue correm lágrimas
Na desdita de que sou feita
Inquietações sempre à margem 
Da realidade bem definida
Só queria poder espreitar a lua
Possui-la sem ser vencida
Estranha e louca ambição
Este sonho quem mo deu?
Quem me sopra ao coração
Um segredo que doeu?
São os ventos são demónios
O doce sabor da tentação
Apenas um anjo caído
Ciente da situação
Prostrada por terra jaz
Uma vida abnegada
Rendida ao desejo de paz
Angústia de poder ser nada








segunda-feira, 15 de junho de 2020

Flor

Sobre a pétala delicada
Cai a fina gota de orvalho
Fresca suave e imaculada
Como um fio de lágrima
Catarse de alma angustiada
Na pureza de uma pele aveludada
Prelúdio do dia que amanhece
Sem previsão de ocaso
Explosão de luz que acontece
Para iluminar a flor do vaso
E se a manhã cinzenta 
Veio impor a sua tristeza
Ao longe
O sol o mar e o céu azul
Afastam tal vileza
Gota de orvalho translúcida
Sobre a pétala rara é beleza
Seiva que mata a sede
De vida com delicadeza
Abre-se a flor
Acolhe a luz no seu esplendor

sábado, 13 de junho de 2020

Crónica de Maus Costumes 186


Aniversário

            Fim de dia feliz e cansativo. Veio o repouso desintoxicante após a azáfama, a correria dos pequenos e a alegria contagiante do aniversariante mais novo, o meu filho, que começa a colecionar os seus bocadinhos de alma que carregará consigo para sempre.
            O dia do seu décimo terceiro aniversário serviu para lhe contar o segredo da vida, que aprendi com o Mário Sérgio Cortella e que me pareceu uma metáfora tão elucidativa, que decidi replicar nos meus filhos. Quando a Matilde fizer o seu 13º aniversário, terá acesso ao segredo também. Até lá esperará e quando atingir essa idade, sentir-se-á mais crescida por lhe ser confiado um segredo que, diz a mãe, é a chave para uma vida mais equilibrada e quem sabe feliz…
            Os dias de casa cheia com os que amamos e que partilham histórias comuns de um passado já algo distante, mas também do presente, por fazerem parte da nossa vida são sempre agradáveis, alegres e surpreendentes. Há sempre novos acontecimentos a recordar ou novas histórias a partilhar e a leveza boa da cumplicidade domina a atmosfera, por entre risos espontâneos e cristalinos. Assim, tive mais perto, hoje, os meus familiares mais próximos. Faltou gente que costuma estar presente devido aos cuidados que devemos continuar a pôr em prática, mas marcaram a sua presença de outra forma.
            Deixo um enorme agradecimento a todos os que perderam um bocadinho do seu tempo para nos felicitar (a mim e ao Rodrigo). Tentei responder a todos, com um simples obrigada ou um “gosto”. Desculpai se me falhou alguém, mas o dia atarefado justifica-o.
Dizer-vos que sentir o vosso carinho tornou o meu dia melhor. Confessar que num caso ou outro me emocionei. Há gente de quem gosto verdadeiramente que não puderam estar fisicamente presentes, mas que senti como se estivessem ao meu lado a partilhar da minha alegria. Gente que nalguns casos não vejo há anos, mas com quem já partilhei outros aniversários distantes. Almas que me fizeram chegar a sua simpatia e o seu carinho, que me fizeram sentir que gostam um bocadinho de mim e que tornaram o meu dia mais feliz. Almas que cruzaram com a minha em algum momento da vida, que apesar da distância geográfica e temporal, continuam presentes. São duração, porque tive o privilégio de ser tocada por todos vós, de viver em muitos casos momentos inesquecíveis e de partilhar uma memória convosco. As vossas palavras ajudam-me a recordar-vos uma e outra vez e a cada recordação é um voltar ao coração, o lugar predileto onde vos guardo preciosamente. E assim vos perpetuo e vos torno presentes em mim, sem longes ou impossíveis.
A todos agradeço as palavras amáveis, ternas e delicadas. Obrigada.
Nina M.

           




sábado, 6 de junho de 2020

Elegia

Não nasci para o lar
Antes para o ler
Não sou capaz de camas
Imaculadamente esticadas
A lembrar hotéis de luxo
Enquanto puxo o edredão
E o aliso automaticamente
Como um robot
Fazendo correr a mão no algodão
Sem reparar nas linhas desalinhadas
Recito versos de cor
Procuro palavras e sílabas
Corro ao encontro de um verso
Não nasci para o lar
Antes para amar
Em camas desfeitas e lassas
A sensualidade que me abraça
E sonhar com D. Quixotes e Dulcineias
Os Sanchos Pança da vida
Pragmáticos e metódicos insistem
Onde está a minha parceira?
Vem! És o meu par!
E os olhos abrem-se-me de espanto
Admirada pelo chamamento
De alguém que nunca vira antes
E sabem-me o nome e insistem
Arrancam-me ao meu mundo interior
De realidades paralelas 
E figuras imaginadas
E de faca e de cebola na mão
Quem pensa em contramão
cozinha como quem faz magia
Ingredientes transformados em poesia
Se ingeridos a alma estremece
A ver se a culinária não aborrece
Libertem-me de tarefas enfadonhas
Dessa coisa medonha
E deixem a minha mente livre
Distante ausente criar
Novos mundos e vidas
A arte e  a beleza celebrar
Não nasci para o lar
Antes para o ler...



Crónica de Maus Costumes 185


Politicamente incorreta

                Ao longo da semana, a atualidade esteve marcada pelo tema George Floyd, que voou desde os Estados – Unidos até ao nosso retângulo. Hoje, foram realizadas várias manifestações contra o racismo, em vários pontos do país, inspiradas pelo assassínio do negro.
                Quero deixar claro que repudio veementemente o homicídio do ser humano em questão. Não deveria ter acontecido, a responsabilidade deve ser apurada (como certamente será. Os polícias já foram despedidos e indiciados judicialmente, um acusado de homicídio e  os outros de cumplicidade) e a brutalidade tem de ser, necessariamente, combatida. No entanto, não posso deixar de fazer uma reflexão e levantar algumas questões que me incomodam profundamente.
                George Floyd foi brutalmente manietado até à morte, sem qualquer dúvida, no entanto, há contornos a analisar antes de chegarmos a conclusões demasiadamente rápidas e ligeiras. Floyd não era um cidadão exemplar. Já tinha sido preso por assalto à mão armada, várias vezes por posse de droga, segundo parece, mesmo no momento do seu homicídio, estaria sob o efeito de cocaína e, alegadamente, tinha pago a despesa num estabelecimento comercial com uma nota falsificada. A menina, a sua filha, na sua pura inocência, diz orgulhosa que o pai mudou mundo. Espero que não se quebre demasiado o coração quando mais tarde vier a descobrir o comportamento pouco escorreito (consumo de droga), desonesto e criminoso (assalto) do pai. Saber que o herói tinha pés de barro bem cru deve ser doloroso. Estes factos justificam a violência policial e a perda da sua vida? Não! Também o polícia que lhe causou a morte terá um currículo feio no que diz respeito ao uso de violência. Será julgado (e bem) pelo seu comportamento. Ocorre-me apenas o seguinte: Que agente se dirigiria tranquilo e confiante a um homem espadaúdo e com uma ficha criminal tão preenchida? Julgo que nenhum. Acontece que Floyd era preto e o polícia branco e, então, de imediato, o caso ganha contornos de racismo. Floyd não foi vítima de racismo! George foi vítima de violência policial! Haverá algum jornalismo sério que tenha tentado compreender o que se passou exatamente? O polícia acaso terá matado Floyd por ser racista ou por ser mau profissional e abusar da força, não respeitando sequer a farda que enverga? Não se tratará mais de um caso de violência do que de racismo?! O resultado foi o mesmo: a morte de George, mas os seus efeitos seriam completamente diferentes.
                Transformando-se esta violência num caso de racismo, incorre-se no que veio a seguir. A sociedade tem o dever moral de exigir responsabilidade a quem de direito, mas de forma ordeira e sem atropelos dos direitos de outros cidadãos. As Associações em prol da igualdade e da defesa dos direitos humanos devem movimentar-se, mas terem cuidado com o terreno que pisam e evitar que outros interesses se aproveitem das suas boas intenções. As manifestações vieram e com elas o tumulto, a criminalidade e a violência. Manifestar-se contra o que consideram um ato de racismo de forma ordeira é viável. Aproveitar-se do movimento para destruir carros, estabelecimentos comerciais e vidas de trabalho é inqualificável e inadmissível!
Black lives matter! Really? Há vidas negras que ficaram absolutamente prejudicadas pelos desvarios, talvez quem sabe de outros negros! Enquanto se pensar que a vida dos negros também importa, nunca se erradicará o racismo, porque a mensagem deveria ser “Toda a vida importa: negra, branca, amarela ou vermelha!” A vida do ser-humano é inviolável. Ponto. Não se promoverá o fosso entre brancos e negros ao invés de o apaziguar, transformando atos de violência em atos de racismo? Se Floyd fosse branco não estaríamos perante a mesma barbárie? Por outro lado, imortaliza-se Floyd como se de um cidadão exemplar se tratasse! Floyd não mereceria este desfecho, mas também não era nem um Mandela nem um Martin Luther King nem um Malcom X! Floyd nem sequer seria bom exemplo para a filha, que na sua inocência julga que o pai é um herói! Era um cidadão americano com sérios problemas com a justiça. A cor da pele é mero faits divers!
Quanto à população portuguesa, apraz-me vê-la envolvida em causa nobre e manifestar-se ordeiramente, só lamento não ver essa adesão e movimento a favor de questões internas bem importantes, como o bom funcionamento da justiça nos casos de corrupção, por exemplo. Também não vi qualquer movimentação em relação aos últimos acontecimentos no Seixal (e não me refiro às agressões perpetradas contra os jogadores do Benfica e o seu autocarro, que também merecem a devida atenção), mas antes à morte de um negro por um cigano. Neste caso concreto, falamos de violência ou de racismo, se falamos de duas minorias étnicas? No entanto, se o negro ou cigano fossem baleados por um branco, seria, de certeza, interpretado à luz do racismo. A continuar assim, de cada vez que for necessária a intervenção policial em certos bairros bem conhecidos deste país, onde moram pretos, brancos, ciganos e tudo gente muito boa, enviemos para lá os líderes de certas associações e também alguns políticos, para tratarem do assunto com tato e delicadeza!
Certamente, o problema não é a cor dessas pessoas, mas os princípios e os valores que as norteiam. E sim, também há pessoas boas e honestas nos bairros e é em prol dessas que a segurança deve ser preservada! Caso não saibam, há certos bairros em que os entregadores de piza deixam-nas na esquadra das imediações para os clientes as irem levantar. Devem imaginar o motivo. Sei lá, manias: os funcionários gostam de findar o seu trabalho sem serem vítimas de assalto! E sim, também há brancos metidos nisto!
Parece-me que determinados indivíduos, com muita responsabilidade neste país e por esse mundo fora, ainda não compreenderam que violência é violência e a cor do agredido um mero acessório. Enquanto tratarmos tudo particularmente como uma questão de cor e de raça, em vez de generalizadamente como uma questão de violência gratuita contra um ser humano, talvez os melhores dias não surjam! Obviamente, o racismo existe e é absolutamente condenável, mas esforcemo-nos por separar as águas e lembremo-nos do seguinte: There is only one human race!
Nina M.


















quarta-feira, 3 de junho de 2020

Suave e delicada loucura

Suave e delicada loucura
Que bailas ao meu redor
És Cavaleiro, encantada figura
De sonhos o maior credor
Que seria do humano peito
Sem a chama que o alumia
Noite dentro na escuridão
Sem claridade durante o dia
Ergue a tua voz 
Atira-a à imensidão
Num sussurro bem cantado
A proteger a ilusão
Não permitas que se desfaça
Na vigília amargurada ou
No correr plano das horas
Se todos sabem da vida vã
e é lá onde tu moras
É a loucura quem te resgata
à bolina da fragata
Dos momentos em que choras