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segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Sabe, meu bem,

Sabe, meu bem,
Se a traição vier
Será uma urgência de alma
Diáfana, lisa e nua
Para ver se lhe traz calma
E o clarão da lua

Sabe, meu bem,
Se a infidelidade surgir
Será urgência de sentir
Transcendência pura
Inteireza madura
Tão pronta a eclodir

Sabe, meu bem,
Se a razão cindir
Será pela saudade persistir
Reclamar a presença de absoluto
Incapacidade de resistir
À verdade do espírito impoluto

Sabe, meu bem,
Tudo fruto de mero acaso
Causalidade caótica do universo
Quis o encontro com atraso
Palavra solta do seu verso 
Escrita fora de prazo

Sabe, meu bem,
Todos têm os seus planos
Pelo meio desenganos
Na palma de uma mão
Angústia, sofreguidão
De quem é fogo e coração



quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Eros

Um rútilo desejo flamejante
Assoma o florir dos lábios seus
Doce paixão enviada por Zeus
Rubor incontido fogo arquejante

Arrepio num vivo ardor tremente
Sabor a frémito e a um audaz desejo
A tarde dolente cala o ensejo
Traz transcendência rara e reluzente

Seda pura e macia de uma mão
Afaga deslizante uma alma nua
Prendem-se ternos no amor artesão

Anseiam os amantes pela lua
Luz cintilante que não brilha em vão
Nutre sem culpa a ânsia da paixão

domingo, 18 de novembro de 2018

Crónica de maus Costumes 107


O amor acabou. E depois?

O que fica depois do que já foi um grande amor? Bem, provavelmente, nunca chegou a ser um grande amor, embora o parecesse, caso contrário, não acabaria. Há amores de anos e de uma vida que, na realidade, nunca foram grandes. Foram resilientes e acomodados, grandes talvez nem por isso.
O amor absoluto e que cumpre é uma pérola muito difícil de encontrar, de preservar e de fazer crescer. A dialética amor-paixão/corpo-espírito tem de funcionar de forma oleada e perfeita, sem taxa de esforço. É um amor que cumpre, porquanto os pares crescem e evoluem juntos. O amor não estagna e procura o devir. Há uma identidade comum, uma partilha de ser igualitário que se procura e se quer. É um amor construído, refletido, pensado e racionalizado, mas que tem, em simultâneo, a força da paixão. Sem estas fundações bem sólidas, o sentimento construído sobre areias movediças pode desmoronar. Pena que muitas vezes não se saiba interpretar os sinais atempadamente para evitar a dor. 
Sempre que o amor acaba, mesmo que seja um amor assim-assim, com o fim vem a dor, porém, se nos descentrarmos dela, seremos capazes de vislumbrar uma nova oportunidade, já que se acabou é porque não era para ser.
Quanto mais se resiste e se recusa aceitar a ideia de que, por vezes, sem grandes motivos, o amor vai-se desvanecendo, porque a nossa identidade não é perfeita para o outro, mais se adia a cura de um amor perdido ou não correspondido. Não significa que se é pior do que alguém, apenas que o nosso ser se desencontrou com o ser do outro, almejando um trajeto diferenciado. Mesmo contra a nossa vontade. Como diz o ditado: “Quando um não quer dois não brigam!”
Fundamentalmente, o amor não é posse. Não se possui pessoas. Amar é saber viver sem o outro, mas escolher tê-lo na sua vida. É saber respeitar a decisão alheia, por muito que nos desagrade. É a democracia e a liberdade plena. De que adianta ter alguém presente se há muito a sua alma se foi? Significa que se tem apenas uma parte, o amor possível dos que cederam ao sarcasmo da vida…
É possível sobreviver à perda. Todos os dias alguém passa pelo processo. Não é fácil, mas o que não nos mata fortalece-nos. A resiliência aprende-se com a dor e as dificuldades. O tempo faz os seus milagres, desde que o queiramos ajudar. Por vezes, o que se julga dor da perda é na realidade orgulho ferido, autoestima destruída por se achar não se foi suficientemente bom para alguém, ou seja, o sabor acre do fracasso e do insucesso que não se consegue controlar. É uma sensação horrível, mas passa. Tudo passa.
Saibamos preservar a autoestima e a altivez que quer um ser elevado, acima da mesquinhez da autocomiseração. Todos temos direito a ela, por breves instantes, para reunir força. Depois, resta-nos levantar, sacudir a poeira e seguir em frente. A escolha, com algumas limitações, é sempre nossa.
Nina M.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Pedes só uma palavra

Pedes só uma palavra
Reservo-te a eternidade
Diluo-me em pensamento
Pra que me leves contigo
A todo o instante p'lo tempo
Quero-te sempre comigo
Torno-me líquida, fluída
Em seiva que te alimenta
Incrustada em tua pele
Invisível tatuagem
Tudo em mim pra ti me impele
Rasgo cânones e leis
Não me servem de ventura
Quero amor, nada mais
Nossa lúcida loucura
Ignoro decretos vãos
Recuso qualquer censura
Vivo minha convicção
De alma certa, cheia e pura
Numa dimensão exata
Minha palavra perfeita
Minha bela rima inata
Quero-te um verso meu
A iluminar o meu dia
Feito sol, lua, apogeu
De que é feita a poesia

sábado, 10 de novembro de 2018

Crónica de Maus Costumes 106


Resiliência 

Pedem-me coisas e hoje deixarei alguém satisfeito (assim espero). Questionada sobre o tema da crónica desta semana e sobre o qual não tinha ainda pensado, sugeriram-me resiliência e amor… Outra vez! “Gosto quando falas de amor!”
 Veremos se embrulho os dois e se vislumbro algo que valha a pena.
No dicionário, para além da definição aborrecidíssima de material resistente ao choque, conceito interessante para um físico, químico ou alguém da área da mecânica, não para mim, portanto, prefiro a metáfora que esse conceito encerra e que aparece como sentido figurado: “capacidade de defesa e de recuperação de uma pessoa perante fatores adversos. “  
Conceito indispensável para nos conduzirmos por dentro da vida com sabedoria. Não implica que se excluam as dificuldades, mas implica saber contorná-las e ultrapassá-las. Bem diferente do conceito de resistência, que consiste no “ato ou efeito de resistir; recusa de submissão, oposição, ou a definição física, força com que um corpo reage contra a ação de outro”.
Significa que ao longo da vida deveremos ser mais resilientes do que resistentes. A resiliência está para a inteligência quanto a resistência para a força e as mais duras batalhas são sempre vencidas mais pela sapiência do que pela bruteza. A resiliência é maleável, ajustável e adaptável, enquanto a resistência é dura e rígida. São posturas opostas na resolução de um problema. No primeiro caso, se não removo o obstáculo, serei capaz de o contornar, no segundo, embato contra ele. Não o movo e nem o ultrapasso. É necessário exercício interior para trabalhar a resiliência. A resistência é impetuosa e espontânea, mas a resiliência é pensada e treinada. Nem tudo se resolve em absoluto, mas talvez tudo se possa contornar ou mitigar.
A resiliência também é necessária ao amor, porquanto é tolerante e paciente, mas mesmo que este acabe, ela continua necessária para que a vida prossiga com  menor dor. Às vezes, é preciso saber largar, passar ao lado, contornar o que já foi, mas já não é, mais do que resistir e aplicar a justa medida da força contra outra, é mais avisado abrir mão do que já se perdeu e a má-fé ou nossa fraqueza moral não quer admitir. Nada se ganha, mas tudo se desgasta. E se a ideia da dor é insuportável e difícil de gerir, porque nos esventra e nos esvai a alma de um sorvo, repetidas vezes, dia após dia, de cada vez que esse sorvedouro nos suga, leva consigo mais um pouco da mágoa e neste rodopiar de um tempo que parece efémero e um sopro na felicidade, mas um fardo pesado, cruel e lento na adversidade, a dor vai-se diluindo, impercetivelmente, até que já não a sentimos nem a vemos. Batemos com o punho no peito e este já não dói nem se oprime, a garganta já não se estreita e é fácil e natural respirar… O obstáculo contra o qual se bateu diminuiu de tamanho e já se consegue passar por cima, porque, subitamente, as nossas pernas cresceram. Desconfio que foi só alma, porque uma alma engrandecida, ultrapassa muitas dificuldades.
Treinar e almejar a resiliência, o mesmo será dizer, querer com alma a resiliência é o segredo no amor e fora dele. Será o segredo do bem viver. Não é fácil, mas é possível.
Nina M.

Ausência que pulsa no meu peito


Ausência que pulsa no meu peito
Saudade apetecida e desejada
Dorme quente a meu lado aconchegada
Preenche o vazio de mim no leito

Sinal de um amor fecundo que impera
Renasce a cada dia em cada beijo
Por sede de querer minha quimera
Em teus lábios morro num arquejo

Saudade anúncio de primavera
De vida a cada instante renovada
Nos teus braços adoço a minha espera

Desejo meu, ânsia cultivada
A ti me dou em entrega sincera
A tua ausência é presença amada

sábado, 3 de novembro de 2018

Crónica de Maus Costumes 105


 Crónica de Maus Costumes 105

Amor nos Tempos de Cólera
(Que Gabriel García Márquez me perdoe e que abre com esta frase deliciosa: Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lembrava-lhe sempre o destino dos amores contrariados.)
Acredito em absoluto que a solução para o mundo horrendo em que vivemos só pode ser o amor. O amor deveria fazer parte do currículo escolar. Ser injetado, macerado e trabalhado à exaustão, numa tentativa, que esperaria não ser infrutífera, de combate ao cinismo. Só com a contaminação dos mais pequenos pela bondade se pode contrariar uma série de coisas.
A educação, instrução e cultura são manifestamente insuficientes. Seria expectável que durante o século XXI, em plena era de avanço tecnológico, o ser humano conseguisse resolver o mais elementar problema do mundo: a fome. A míngua de uns por oposição à opulência desgovernada e vergonhosa de outros… O que aconteceu com o ser humano para não se deixar dilacerar pelas imagens chocantes que chegam à velocidade da luz, até nós?!
Um exemplo bastante elucidativo: recebi um vídeo escabroso, horrível, em que se pedia para ser repassado, no sentido de tentar encontrar o carrasco malfazejo. Retratava um bebé, teria por volta de um ano, sentado numa cadeira própria para fazer a sua refeição. Não chorava, não fazia barulho. Absolutamente tranquilo. Subitamente, sem razão, a não ser a crueldade pura e visceral, é agredido consecutivamente com bofetões e outras violências. Naturalmente, a criança chorava copiosamente. Não o vi até ao final, por ter ficado com um nó no estômago e náuseas. A maldade gratuita é capaz de me causar sintomas físicos. Nessa altura, a minha famigerada condição humana e vil esqueceu o amor e só me apetecia poder retaliar na exata medida das coisas. Eu sei. O amor não é isso, mas há gente que não o entende e não o merece e, por isso mesmo, nem gente é! Como se explica a violência gratuita?! Como se explica o fenómeno da maldade, da crueldade e do cinismo que se compraz na dor alheia?
Sobre o amor, nos seus mais variados sentidos, do mais lato ao mais restrito, já tenho pensado e é bom e recomenda-se em doses mesmo absolutamente exageradas, por não haver contraindicações. Porém, a maldade… Como explicá-la? Serão todos os que a praticam psicopatas ou sociopatas a quem não pode ser imputada toda a responsabilidade, uma vez que são fruto de erro biológico?!
O que dizer da experiência da artista sérvia, Marina Abramovic, que se sujeitou a estar durante seis horas imóvel e exposta, numa sala, onde a plateia poderia interagir com ela da forma como entendesse. Havia uma uma mesa colocada na sala com vários objetos: tintas, rosas, lâminas e até uma arma carregada. As pessoas, inicialmente, apenas observavam de perto, mas, depois, rapidamente perderam o controlo e a artista foi pintada, cortada, despida, molestada, até a performance ter sido encerrada pelos seguranças. Como explicar esta reação?
Efeito matilha? Banalização do mal e desresponsabilização pela sua prática em grupo? Qual a necessidade do ser humano em causar dor ao outro propositadamente, de forma gratuita, sem sequer retirar qualquer benefício?!
Não entendo e só me encho de perplexidade. Por que razão ninguém lhe falou? Ou agarrou a mão? Ou lhe depositou um beijo com carinho?
Há estudos científicos que apontam para o gene da bondade, certamente também haverá o do sadismo e que, ao que parece, se dissemina bem mais facilmente, para desgraça da humanidade.
Na realidade, designar de humanidade a espécie que de humano não tem nada é um belo paradoxo!
Nina M.