Seguidores

sábado, 30 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 354

 

O amor materno ou paterno não deve ser cego

               Eu tenho conhecido alguns miúdos fantásticos no que às aprendizagens diz respeito. Alguns são filhos de colegas. Empenhados, gostam da escola e gostam de estudar. Os filhos são dóceis e seguem as orientações dos pais.

            Eu tenho dois  e ambos afirmam que a escola é um aborrecimento. Um trabalhava enquanto era mais novo e a mãe se sentava com ele para o fazer estudar. Depois de deixar de o fazer, a motivação, se era pouca, eclipsou-se e cumpre os mínimos. A mais nova, apesar de jurar não gostar da escola, é autónoma, tem brio e não se permite falhar. Um peca por defeito e o outro por excesso. Não há meio termo. Para o mais velho, decidi pedir ajuda de um profissional, para ver se me curo a mim e se não ensandeço por causa da sua preguiça. Não consigo curar-lhe a imaturidade e a extrema leveza da procrastinação que revela. Padece do síndroma do primeiro filho e quase primeiro neto, mais protegido do que deveria. Era mais quieto e mais reservado, em criança, e ainda hoje é. A mais nova precisa de um ansiolítico natural antes das provas (é mais placebo do que outra coisa), mas desde que resulte é o que importa.

            Quando eram pequenos, ao mais velho, com nove meses, dizia-lhe que não podia ir para as escadas porque podia cair e magoar-se. Ele acatava. Sempre cauteloso e mais amedrontado. Dizia o mesmo à irmã, mas quando desse por isso, já as tinha subido a gatinhar e ia encontrá-la aos pinotes em cima da cama. A adolescência veio desengonçar isto tudo, porque deveria dizer ao mais velho para ele ir estudar e ele cumprir religiosamente o que lhe é dito, mas não. Tornou-se um rebelde por inação. Posso estar a dar-lhe o pior raspanete do mundo e, às vezes, de forma pouco agradável, mas ele nunca me responde. Nem uma palavra em sua defesa! Porém, no final, só faz como quer…

O mais velho ri-se da tolice da irmã, do estado de ansiedade em que ela fica e diz-lhe que ele nunca morrerá de ataque cardíaco, já ela tem de ter cuidado, porque na sua perspetiva, a mana “sofre com alguns ataques de raiva” e toda a gente sabe que isso é péssimo para o coração, na idade adulta. Sabendo disso, gosta de a irritar propositadamente, pois claro.

A mãe tem de acolher estas diferenças, aceitá-las e saber respeitá-las, ainda que tenha de fazer algumas exigências e impor limites. A minha primeira preocupação, na qualidade de encarregada de educação, é saber do comportamento deles. A má-educação é-lhes interdita. Dentro da sala de aula, têm a obrigação de respeitar o professor; nos corredores, os funcionários e os colegas; e cá fora, todos os outros, desde logo, os mais velhos. Sempre lhes disse que não podiam deixar que fizessem deles bombos da festa, que tinham de se defender, mas estavam proibidos de serem os primeiros a agredir. Tudo o resto vai-se gerindo, por mais preocupações que possam existir. Quando os resultados ficam aquém do que poderia e deveria fazer, dadas as condições que lhe são dadas e sabendo das suas capacidades, é a ele, no caso do mais velho, a quem são imputadas as responsabilidades e administrados os castigos, se for o caso. Por outro lado, é importante que tenhamos a real consciência das capacidades dos miúdos e da exigência que lhes é pedida. Não é justo nem será benéfico que vivam com a pressão de terem, obrigatoriamente, classificações de dezoito ou dezanove. Têm, sim, o dever moral, em primeira instância para com eles mesmos e depois para com quem lhes proporciona a qualidade de vida que têm (aqueles que a têm) de fazerem o melhor que puderem. Se esse melhor só der para o catorze, quinze ou até o dez, a mais não são obrigados. A mim, soube-me tão bem o meu dez a latim quanto o quinze de literatura portuguesa, na faculdade. O primeiro foi bem mais suado do que o segundo.

Quando me irrito com o meu rapaz, é mais pela sua falta de trabalho e de comprometimento do que pelas classificações. Já lhe disse várias vezes: no dia em que a mãe te vir a fazer o trabalho como deve ser feito, um estudo regular e sistemático, não ouvirás de mim uma crítica. Ou te felicito ou te dou apoio moral, conforme o caso.

Não tendo os filhos mais perfeitos do mundo, tenho os filhos que gerei, acolhi no ventre e pari. Para mim, são perfeitos e especiais. Só para mim, porque lá fora, na vida real, são como todos os outros, porque assim deve ser. Até agora, têm sido adolescentes agradáveis com os outros e miúdos educados e com valores, que tento sempre incutir-lhes.

No outro dia, o mais velho dizia-me que acha que tem um certo jeito para a manipulação, mas que não o fazia porque era boa pessoa. Ri-me e disse-lhe que para ser boa pessoa não basta achar que se é. É preciso sê-lo, efetivamente. Acrescentei que assim esperava, que os educava para serem boas pessoas antes de tudo o resto e que ficaria muito desgostosa se soubesse que tinham tido uma conduta que me possa repugnar. A mais pequena quis, de imediato, um exemplo concreto:

- Assim como daquela vez que apanhámos uns brinqueditos abertos no Continente e trouxemos para casa nos bolsos e quando deste conta, obrigaste-nos a ir lá contigo, mostrar os brinquedos e a pagá-los com o dinheiro do nosso mealheiro?! A senhora ainda nos deu outros!

- Pois deu - respondi. Quantas vezes mais pegaram em coisas que não eram vossas?

- Nenhuma.

- Aí está. Aprenderam a lição. Não se pega no que não nos pertence.

- Ainda bem que éramos pequenos! Que vergonha, ó mãe!

- Vergonha passei eu! E nesse dia levaram umas palmadas no rabo.

Riam-se com esta história e discutiam para ver se se lembravam qual deles tinha instigado o outro a fazer asneiras. Obviamente, o autor moral do crime tinha sido o mais velho e a pequenita acatava tudo quanto o irmão lhe dissesse para fazer.

- Ó mãe, o rodrigo estava sempre a dizer-me coisas para eu fazer asneiras e tu ralhares comigo. Houve uma vez que ele me disse:

- Ó Matilde! Mexe ali, nos medicamentos! E eu fui e quando tu viste, começaste a ralhar comigo. E de outra vez, mandou-me abrir a torneira do bidé, com a tampa por cima e quando a água começou a escorrer foi chamar-te para veres o que eu tinha feito!

Eram os ciúmes da irmã, obviamente.

Os filhos são como são e devem ser amados exatamente assim. Eles não vieram a este mundo para satisfazer a vã vaidade dos seus progenitores ou realizar os sonhos que os próprios pais não foram capazes de concretizar. Cada um deles vale mais do que uma classificação, apesar da importância que elas têm e cada um deles tem o seu próprio ritmo de crescimento e de desenvolvimento. Não será à toa que os especialistas adiantam que nem sempre os alunos de topo são os mais bem-sucedidos. A par das classificações, há uma série de outras competências cada vez mais exigidas pelo mercado: a capacidade de bem comunicar e de bem argumentar, a capacidade de inovar, a resiliência, a responsabilidade, a proatividade, a capacidade de resolver problemas inesperados, a capacidade de trabalhar em equipa e em prol dela, entre outras…

A nós, compete-nos educá-los e orientá-los com equilíbrio (sempre o mais difícil de conseguir), respeitando-os sempre na sua individualidade.

Votos de um bom ano para todos, pleno de sucesso (seja lá o que isso for).

 

Nina M.

 

 

 

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Viagem

Quando a inquietude chega
E sabe fazer-se esperar
É o vazio velho amigo
A querer fazer-se notar

Chega tão docemente
Chega tão devagarinho
Não é áspero nem dolente 
Apenas chega de mansinho

Uma melancolia incerta
Para a qual há um só remédio 
Era uma praia deserta
E um mar para eremitério

Ver raiar o sol dourado
Nesse meu mar de azul
Onde se espelha o céu 
Segue em direção ao sul

Só de o evocar 
O mar numa tarde calma
Sossega a minha angústia 
Tranquiliza a minha alma

Nele quero mergulhar
Nas águas tépidas de que é feito
Sentir o seu embalar
Aqui dentro do meu peito

Nessa canastra singela
Que a tecedeira embala
Embarca na barca bela
A alma que em silêncio fala

E viaja, viaja... Por outros
Mundos mais além
Sabe ser filha do sonho
Sempre desfeito e aquém 

Nesta vida imperfeita
Salva pela imaginação 
Há uma essência rarefeita 
Que viaja em contra-mão 



 




quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Rosas brancas

 Um dia falarei de rosas brancas

Que guardarei no meu regaço 

Quem sabe em janeiro

No mês frio e sem rosas

Quem sabe em janeiro

No inverno da vida

Num tempo futuro de velhice

Segurá-las-ei nas mãos 

Ósseas e descarnadas

Despidas já de beleza

Quem sabe 

No olhar o verde se esmaeça

Por saber que se despede do mundo

E se nesse tempo vindouro

Ainda houver lembrança do que já foi

E no fundo do meus olhos 

Ainda vires a beleza de sempre

Poderás, sem medo, falar-me de amor






domingo, 17 de dezembro de 2023

Se a alma é esquiva

Se a alma é esquiva
E a poucos se quer dar
Aprendeu a exigir
E sabe selecionar

Não lhe serve de companhia
Quem nas estrelas não sabe ler
Nem quem na poesia
Julga nada aprender

Quase tudo se torna baço
Sem brilho e sem sabor
Só outra alma fugidia
Lhe poderá trazer amor

Outra que saiba bem
O valor que a beleza tem
Espelhada na natureza
Nas obras humanas também

Outra que saiba amar
A palavra que o livro traz
Outra que saiba pensar
Em como a vida é fugaz

E foge por entre os dedos
O nosso tempo sem medida
Tempo que nada ou tudo vale
Conforme a vida é vivida

Para ser válida e perene
É preciso saber ser
A existência por si não comporta
Há que saber crescer

Nesta missão tão difícil
Desafio dado ao nascer
Há quem passe pela vida
Sem saber como viver





Crónica de Maus Costumes 352

 Natal

O Natal é a minha festa preferida. Gosto do espírito e do advento. A espera é importante para que se valorize o que se anseia. Anseia-se a chegada do Redentor, na figura do Deus-Menino, mas é preciso preparar a alma durante quatro semanas para que aconteça com magia. O amor é mágico e tudo o que é especial faz-se demora para que todos os instantes sejam apreciados. 

Nesta época, é impossível não me lembrar do conto de Sophia: "O Cavaleiro da Dinamarca" para quem a noite de Natal era a festa mais importante do ano, cheia de preparativos e de boa comida. Tal como para nós. O bacalhau substitui a carne assada e o vinho, a cerveja quente com mel, mas há igualmente as conversas à lareira, enquanto o lume crepita.

Até lá, devagarinho, o espírito natalício vai-se instalando. Apreciam-se as luzes multicolores que enfeitam as cidades, pensa-se nos presentes para oferta. Os mais pequenos são os que rejubilam com os prendas. Para os mais velhos, o melhor presente é feito de companhia e de histórias partilhadas. 

O Natal sabe a noites gélidas aquecidas pelo calor humano. Se lá fora há gelo, dentro das casas, há risos e alegria. O Natal sabe a tronchuda cozida com batata e bacalhau, a vinho tinto encorpado, a polvo e, para outros, peru. O Natal sabe, essencialmente, a harmonia e a tréguas. Porém, lá longe, há quem não possa ter batatas nem bacalhau e nem sequer harmonia. A guerra ocupa todo o espaço e a vida é substituída pela morte... Para os que não podem ouvir ou contar as histórias à lareira, o Natal é uma miragem, um possível distante, mas nunca esqueçamos quem o procura e nunca o encontra.


Nina M.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 351

 

Presunção e água benta, cada um toma a que quer

A Joana Marques diz que lhe dá especial prazer brincar com as pessoas de egos inflados, que se levam tão a sério e se acham tão perfeitas e tão especiais que caem no ridículo. Aliás, apenas caem no ridículo por não perceberem a dimensão da ignorância humana! Ora, todos somos ridículos de vez em quando, ainda que em mim o receio do ridículo seja avassalador e impeditivo de algumas coisas, pois é um barómetro castrador. Certo é que todos temos sempre muito a aprender e é precisamente a consciência de que sabemos pouco (mesmo quando se sabe alguma coisa) que nos conduz à aprendizagem, que naturalmente não se esgota na escola nem na relação com os outros. Quem gosta de aprender fá-lo-á ao longo da vida, através de leituras, de filmes e de documentários que vai vendo, dos outros que vai ouvindo e, depois, naturalmente, fará uma depuração cuidada da informação.

Muitas das personalidades com quem a Joana brinca não têm qualquer relevância para a sociedade. Qualquer ser humano é um ponto na imensidão do Universo e como escreveu Caeiro, “Quando vier a Primavera, /Se eu já estiver morto, /As flores florirão da mesma maneira”. Por outras palavras, nenhum ser humano fica para a semente e o desaparecimento ou o nascimento de um de nós não tem qualquer importância para as leis que regem o Universo. Sou, agora, obrigada a citar Sebastião da Gama: “Quando eu nasci, /Ficou tudo como estava/Nem homens cortaram veias, /nem o Sol escureceu, /nem houve Estrelas a mais... / Somente, / esquecida das dores, /a minha Mãe sorriu e agradeceu”. Parece-me que os poetas esclareceram tudo de forma simples. Sempre eles, a avançar o óbvio com beleza! Basta haver esta consciência para que qualquer um de nós, por mais instruído e culto que possa ser, por mais rico e poderoso, por mais famoso ou influente, compreenda o seu verdadeiro lugar no Universo: condenado a tornar-se pó até ser reduzido a átomos invisíveis.

Genericamente e de forma abstrata, esta ideia é verdadeira. Particularmente, entendo haver pessoas mais indispensáveis do que outras e, normalmente, nesta categoria, não há lugar para os indivíduos com quem a Joana Marques brinca. Portanto, quando esta gente se vê ridicularizada e confrontada com o seu real valor entra em colapso. Paciência… Até pode doer, mas nem todos podem ser um Einstein, um Mandela, uma Marie Curie, um Pessoa, um Saramago, um Beethoven, um Mozart, uma Sophia ou uma Natália, uma Lispector ou Cecília Meireles… É a vida… Isto só para citar meia-dúzia de exemplos. Se recorresse a todos os prémio Nobel, nas mais diversas áreas ou até cientistas e outros trabalhadores anónimos que tanto contribuem para a sociedade, a lista seria interminável! Assim, quando algumas personalidades se sentem ofendidas por serem vítimas das piadas da Joana, deveriam ver-se um bocadinho ao espelho e pensar-se. Deixaram-nos alguma sinfonia? Deixaram-nos alguma obra arquitetónica que nos arrebata? Deixaram um legado pelo exemplo que foram ou uma obra literária? Deixaram-nos conhecimentos que permitem a evolução da tecnologia e um avanço na compreensão do Universo? Deixaram a cura para alguma doença? Não! Têm seguidores e são reconhecidos por um público que consome certos programas e vídeos! Só o nome seguidores me arrepia, porque parece estarmos perante uma espécie de uma qualquer seita! Imagino alguém sempre a seguir-nos os passos e a observar os nossos movimentos numa voracidade execrável! Que horror!

 Dispam a vaidade para que a verdade crua possa aparecer e depressa perceberão que o ser humano, na generalidade, não é muito apreciável e que todos nós somos feitos mais de misérias do que de achados…

A Joana, simpaticamente, referiu-se a essa gente como pessoas dotadas de uma autoestima inabalável e que ela, Joana, não tinha essa segurança toda e, como tal, era inevitável brincar um pouco.

Ó Joana! Autoestima?! Não me parece. Pura vaidade e ego agigantado sem matéria sólida que o possa preencher e, depois, quando analisas as pérolas, a jactância torna-se numa massa mole que se liquefaz…

Como diz o povo, “presunção e água benta, cada um toma a que quer”. Não há limite para a soberba, mas deveria haver (digo eu) …

Nina M.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Biografia

Molho-me de vez em quando
Em terra abençoada 
É a chuva que penetra
Em solo fértil que é nada

Nas poças de água sem fundo
Mexidas do gotejar
Vejo-me distante do mundo 
Sou só a alma a latejar

Nesta vida tão terrena
Tão concreta e definida
Perco-me nos charcos de água 
Poças a que chamam vida

E de tanto me perder
Em abismos sepulcrais
Deixo de saber viver
Assim como os demais

Num ato de fé convicto
Guiado pelo instinto
Faço do Amor um rito
Creio só no que eu sinto






sábado, 2 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 350

 

Conversas…

Os miúdos são imprevisíveis. Quando julgamos que a curiosidade inata deles parece estar comprometida, alguns ainda nos vão surpreendendo.

Tenho um caso desses em sala de aula, numa turma de sétimo ano, que a propósito de “O Cavaleiro de Dinamarca”, já me fez perguntas surpreendentes sobre religião. A algumas pude responder, mas a uma delas, especificamente, tive de lhe dizer que não sabia, porque ainda não tinha morrido e nenhum dos meus mortos, até ao momento, se deu ao trabalho de me vir dizer o que quer que fosse sobre o mistério. Ele interrogava-se sobre como seria e estava a partir do princípio de que não haveria exatamente um fim, mas também não sabe bem o que sobeja… Pudera! Nem ele nem ninguém!

O miúdo é distraído e não se concentra. O seu pensamento viaja para todo o lado, mas não está na sala de aula e só por lá permanece se surgir algo que chame a sua atenção e que foge, normalmente, ao que é a aula em si. Tento sempre satisfazer a sua curiosidade, na medida do possível…

Também os meus descendentes me conseguem surpreender… Por estes dias, a minha pequena Matilde, enquanto almoçávamos, atira-me com esta:

- Ó mãe! Eu quero saber o que é o nada.

- Ah?!

- Preciso de saber como é o nada! Não entendo.

- Bem… Pressuponho que o nada seja a ausência de matéria e de pensamento… Ausência… No entanto, olha, havia um médico muito famoso, o pai do escritor Lobo Antunes que, quando o filho lhe perguntou se ele acreditava haver vida para além de morte, lhe respondeu que em biologia o “nada” não existe…

O mais velho, entretanto, junta-se à conversa…

- O nada é o vácuo. Se fores ao espaço, podes falar, mas não te consegues ouvir, porque o som não se propaga no vácuo, só no meio físico. Lá, é o nada.

- Então o nada é um lugar? Perguntei.

- Oh! Não percebes! É o vácuo. Não há nada lá.

- E quando morrermos, ficamos reduzidos a nada? – Perguntei-lhe.

- Olha, não! Há sempre átomos.

- Pois há. Ficamos em pó e mesmo que esse se disperse ficam átomos… Então, repara, há matéria, sempre, mas haverá ser? Há ser sem consciência?

- Ó mãe… Olha, não sei. Tudo quanto existe são átomos.

Estive para lhe perguntar se havia átomos na consciência… No cérebro, sim, mas a consciência é outra coisa… mais imaterial …

Vem a pequena, novamente…

- Ó mãe, e o infinito? O Universo é infinito…

- Então, o infinito é sem medida. Há já cientistas que acreditam que o Universo não tem princípio nem fim e que não surgiu com o Big-Bang, pois sempre existiu alguma coisa antes, os conjuntos causais e que o Big-Bang foi um evento na formação do Universo.

Tenho de pesquisar enquanto se conversa sobre estes assuntos, naturalmente…

- O universo é tão estranho! Eu não percebo…

- Nem eu… É misterioso, queres dizer…

Depois, fiz uma pequena pesquisa e fiquei a saber que não há região no Universo que apresente vácuo perfeito, porque há sempre átomos e outras partículas, pelo que o vácuo é parcial. Pensei no mais velho. Vou dizer-lhe isto. Faço um print e envio por WhatsApp. Às vezes comunico-me desta forma com o “aborrescente” maior. Quando lhe quero dizer certas coisas, mostro-lhe ou envio-lhe vídeos. Funciona melhor do que se ouvir de mim… Teimam em ouvir as mães tardiamente!

Mais tarde, por gosto, fui atrás da origem da palavra átomo. Vem do grego (a=não; tomo=divisão) e significa algo que não pode ser dividido, pois acreditavam que os átomos eram indivisíveis e eternos e que a matéria era composta por eles. Hoje, sabe-se que eles são divisíveis e que podem ser rompidos ou destruídos por fissão nuclear (quebra do núcleo de um átomo), processo usado nas bombas atómicas, mas é extraordinário que Leucipo e Demócrito há 2400 anos tenham lançado a primeira pedra e adiantado a existência de átomos! Estes gregos eram fantásticos!

Quanto a mim, estou como a minha Matilde, o Universo é demasiado complexo para que possa ser cabalmente compreendido… A sua existência continua envolta em mistério e a nossa também!

Tal como escreveu José Gomes ferreira, nas “Aventuras de João Sem medo”, “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir!”

 

Nina M.

 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Não me apetece a morte

Temo a dor
Mais do que a morte
A que nos transforma
Em cinza desfeita
Até sermos só átomos
Invisíveis

De invisíveis esperanças
De invisíveis dores
De invisíveis existências

De invisível nada
Que não pode nada ser
Porque é átomo

Átomo findo
Talvez regenerado

Não me apetece a morte


Não sei de felicidade

Não sei de felicidade...

Esse conceito vago e largo
Sempre escorrega por entre os dedos
Num fio líquido e lasso, massa mole
Indefinida

Sei de momentos 
Sei de instantes eternos
Fazem a minha duração
E a minha memória poética
Sublime

Salvam a alma
Salvam o ser
A transcendência
Que sobrevive
À espuma dos dias

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Ricardo Reis Revisitado

Aceitemos, Lídia, a decisão das parcas
Do cansado Apolo o ocaso inadiável
Nas mãos tomemos, marcendas,
De Adónis as rosas do belo jardim

Fitemos enlaçados e serenos o sol
Dormente do fim do dia a pousar
Sobre os outeiros erguidos ao Olimpo
Não lamentemos as derrotas e as falhas

De que servem as vitórias
No final de um dia já passado?
Não nos perturbem as honras
Contemplemos o sol que se deita

Serenamente saibamos esperar
O momento de entrega do óbolo
Façamos naturalmente a travessia
Do rio que para o seu destino corre

Saboreemos a brevidade da vida
Bebamos o último cálice à sombra
Refugiados do Estio agressor
Calmamente, a olhar o sol, passemos



sábado, 25 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 349

 

Perigosos avanços técnicos

Olho para o número da crónica. Quase a chegar ao redondo. Gosto de números redondos e tenho uma certa obsessão comportamental em relação a eles. Se for correr ou caminhar, sou incapaz de fazer de sete quilómetros e setecentos, por exemplo, tem de ser os oito. Consideram-me um bocado doida, por causa disto… Penso que o número 350 é bom, mas ainda distante do 400, que, por sua vez, para ser mesmo redondo, teria de ser o 500… Vamos ver se me aguento até lá, penso, num compromisso para comigo…

Abandono, de seguida, este tergiversar que não me conduz ao assunto de hoje. Tenho sido bombardeada com notícias sobre a Inteligência Artificial (IA)… Eu já ficaria feliz se apenas trabalhasse com a natural… Bem… Certo é que aparecem ofertas de formação para professores em IA e pressuponho que servirão para capacitar para o uso de ferramentas que supostamente permitem facilitar a execução de determinadas tarefas. Mais tarde, surge outra publicação a anunciar um mestrado em IA, na área da saúde. Ao que parece, o diagnóstico da patologia passaria a ser feito pelo algoritmo… Se experimentarem, o Chat GPT faz, além de trabalhos académicos, poesia. Um dia destes teremos pintura também, música e outro tipo de arte. Já vi um programa em que o apresentador era substituído por um holograma, construído a partir dos seus movimentos e expressões… Enfim, o homem a ser facilmente substituído por maquinismos!

Talvez Álvaro de Campos ficasse em êxtase se soubesse ao que chegámos, num novo assomo de futurismo desvairado! É absolutamente assustador perceber a velocidade a que caminhamos sem dominarmos bem o processo.  Depois, a IA não está a ser pensada para fazer os trabalhos pesados e difíceis, como julgava o filósofo português, Agostinho da Silva, que acreditava que a evolução atingiria tal ponto que o homem não precisaria de trabalhar e, então, sobrar-lhe-ia tempo para criar. Curiosamente, está a acontecer o inverso… A IA está a ocupar o espaço da criatividade e da atividade intelectual e a deixar para o homem os trabalhos mais duros e pesados. O Chat GPT escreve um poema, se lho ordenar, mas não constrói a casa. Interrogo-me se a tecnologia serve para nos facilitar a vida ou se serve para ocupar o espaço que pertence ao homem real: a sua capacidade de ficcionar, de inventar, de criar e de comover.

Receio que estejamos a entrar por um caminho que dificulte a distinção entre o mundo verdadeiro e o mundo alternativo, liderado pelas tecnologias, numa espécie de Matrix, em que deixamos de saber qual deles é o mais válido. Nunca fui muito adepta da ficção científica, mas o mundo está a chegar a um ponto em que ultrapassa a própria ficção. Pegando no exemplo do apresentador substituído pelo holograma, podemos facilmente compreender as repercussões que tal ferramenta pode causar. Facilmente se pode colocar um dos líderes mundiais a tecer uma série de considerações sobre determinado assunto sem que, na verdade alguma vez o tenha feito. No entanto, nunca seremos capazes de distinguir o holograma da pessoa de carne e osso. Ou seja, a manipulação da realidade nunca foi tão fácil e tão bem feita! Estas ferramentas e a sua aplicação levantam uma série de questões éticas que não podem deixar de ser debatidas. O problema, pelo que me vou inteirando, é a celeridade com que os avanços tecnológicos se vão fazendo e que não permitem o acompanhamento de um quadro legal que regulamente eficazmente o seu uso. Se no futuro a Inteligência Artificial fugir do controlo humano e se tornar mais inteligente do que o próprio homem (neste momento, já estabelece conexões e mobiliza saber, não se limita a debitar um conjunto de informações armazenadas, por isso, é capaz de escrever texto), poderá, por si mesma, decidir o que fazer com o seu criador.

Urge o debate sério pelos especialistas em ética e o enquadramento legal de todos estes avanços, já que o movimento é imparável. A época a que pertenço não é, certamente, esta, por isso, não me deslumbro com estes avanços, antes me preocupo com a condição humana e para onde ela está a ser remetida…

Esperemos que a próxima guerra que a humanidade tenha de travar não seja contra o algoritmo. Há vinte anos, esta ideia nunca me passou pela cabeça…

 

Nina M.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Dia limpo

Quando vier o dia claro e limpo

A humanidade vestir-se-á
De justiça e de paz

No areal não haverá corpos estendidos
Esfriados pelo relento e pela maré

Todos terão um lar imenso
Coberto de azul sobre o doirado

E os apontamentos brancos, puros
E etéreos das nuvens
Abrir-se-ão em botões de algodão
Na claridade

sábado, 18 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 347

 

Sempre Porto

               A semana foi pródiga em acontecimentos e, pelos piores motivos, vi, tal como os restantes adeptos e sócios, a situação deplorável que aconteceu na Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto.

               Não sou sócia, sou apenas adepta, mas a violência gratuita a que assisti não me representa nem representa a grande maioria dos portistas, tal como se percebe pelos vários grupos que povoam as redes sociais afetos ao clube.

               O Futebol Clube do Porto é uma instituição que se sobrepõe a todo e qualquer adepto, sócio ou dirigente. O clube maior e que tantas vezes representa Portugal em competições europeias e que, não só marca presença como é o melhor clube português a fazê-lo, não pode nem deve abrigar acontecimentos destes. Espero que a SAD tome, efetivamente, as medidas necessárias e adequadas, no sentido de punir os prevaricadores.

               Sopram ventos de mudança na administração portista, com André Villas-Boas a assumir-se candidato. Há uma enorme franja de portistas que questionam a situação financeira do clube, acreditando que os dirigentes são os principais responsáveis pelas contas pouco recomendáveis que vão sendo apresentadas, apesar da contenção no investimento dos plantéis dos últimos anos e das participações sucessivas do Porto nas competições europeias, onde salvo raras exceções, consegue fazer bom encaixe financeiro, devido aos seus resultados. Os sócios querem compreender o que se passa e com toda a legitimidade para isso. Eu, que assisto apenas ao que vai sendo noticiado, parece-me evidente que o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa já não tem nem a força moral nem a força física para fazer face a determinadas situações. Não significa que o presidente não esteja lúcido como sempre foi, mas a idade avança e não perdoa. Creio que o mal na estrutura do Futebol Clube do Porto será mais dos que rodeiam o presidente e integram a SAD, talvez, mais dispostos a servirem-se do clube do que a servir a instituição. Ao que parece, segundo se fala nas redes sociais, uma das alterações aos estatutos previa a permissão de familiares que trabalham no clube poderem fazer negócios, o que à luz dos estatutos atuais não é permitido. Ora, os portistas sabem que, noutros tempos, Pinto da Costa e o filho Alexandre não se falavam. Andaram de costas voltadas imensos anos e, pelo que consta, estaria na origem da zanga a recusa de o presidente acolher negócios liderados pelo seu primogénito, colocando sempre os interesses do FCP à frente de qualquer outra coisa, inclusive dos interesses do filho. Consta que o problema será semelhante, mas ao que parece, desta vez, o presidente parece sucumbir perante tais pretensões. Obviamente, tudo é suposição, porque só quem está no convento sabe o que lá vai dentro.

               O facto de se propor as alterações não significa que elas fossem aprovadas. Seria necessário que a votação democrática dos sócios a validassem. É aqui que o caso se complica, envergonhando a maioria dos portistas. Quando um dos sócios do clube exprime a sua opinião e que é contrária à da estrutura, o líder dos Super Dragões, Fernando Madureira, decide agredir o associado, numa clara falta de respeito, quer pelo sócio que tem o pleno direito de se manifestar quer pela instituição FCP. Também há quem considere que o Madureira, vendo a aproximar-se o fim da era de Pinto da Costa tem medo de perder as suas regalias, optando pelo modus operandi que lhe é conhecido: a intimidação e a coação. Pelos vistos, tudo tem valido: mensagens de retaliação e ameaças. A casa de André Villas-Boas já foi visada. Sei que também já chegou a circular uma petição para destituir o Madureira da qualidade de sócio do clube, mas quem a lançou já a removeu, tal como alguém responsável por uma página de reflexões e afeto ao clube, já veio anunciar o fecho da mesma. Logicamente, só vejo uma explicação: receio de uma possível retaliação. Eu espero que, se efetivamente houver ameaças através de mensagens escritas, haja a coragem de denunciar os meliantes. Infelizmente, nesta situação, quando alguém se inscreve sócio, ninguém lhe pergunta pelo registo criminal, mas talvez devesse ser obrigatório.

               Acredito que este comportamento inaceitável do Madureira só ajudará a oposição à atual SAD, porque pelo que vou vendo e lendo, a maioria dos portistas pede a sua punição e a demissão dos administradores. O Macaco, como é conhecido, até pode conseguir intimidar, mas há algo que nunca conseguirá fazer: impedir que os portistas votem livremente no candidato da sua preferência, seja ele Pinto da Costa ou outro. Portanto, um energúmeno a ser energúmeno.

                Eu gostaria que o presidente mais titulado de sempre reconhecesse que talvez esteja na hora de ceder o lugar a outro, numa transição calma e sólida, a bem do seu amado clube e que sempre soube pôr acima de tudo o resto. Para os adeptos e sócios, o Pinto da Costa será sempre o presidente honorário do Futebol Clube do Porto, aquele que sempre teve e continua a ter o maior respeito e a gratidão de todos. O Presidente que pôs o FCP nos palcos internacionais, que fez do clube um dos melhores da Europa, que lhe retirou o epíteto de clube regional. Queremos (a nação portista) que o Presidente saiba sair em apoteose e aclamado por todos, fazendo-se ecoar o seu nome no estádio, como tantas outras vezes.

               Olho para o futebol e encontro semelhanças com a política. Quer num lado quer no outro são necessárias pessoas com certa estrutura ética. Não se pede seres perfeitos e irreais e que não falham, mas gente que não se deixe corromper, gente que acredite na função de servir o país ou a instituição e que zele por eles como se zela pela própria casa. Acredito que ainda haja gente desta, de verdade e que causa admiração, mas escondem-se e não se querem envolver nos meandros dos pequenos poderes. Nada há de mais detestável do que ver o abuso de pequenos poderes nos vários organismos. ver aquele que se acha superior e que pode agir como um déspota, apenas porque lhe é confiado determinado cargo. Aquele que manipula e mina o ambiente à sua volta para obter benefícios próprios, na mais pequena coisa, porque até acha que merece, afinal trabalha e exerce uma cargo de chefia e, como tal, merece mais do que os outros. O vaidoso que é tão pobre e tão vazio que só se pode valorizar pelo pequeníssimo poder que exerce e, então, oprime e humilha, para se sentir superior. Não passa de alguém detentor de uma fraquíssima autoestima que tenta, a todo o custo, ocultar. Esta suposta meritocracia subvertida enoja-me e voto aqueles que a praticam ao meu mais profundo desprezo. Infelizmente, estes seres povoam as instituições políticas, públicas e sociais. Se queremos perceber o caráter de alguém, basta atentar na atitude que manifesta com quem lhe é inferior e com quem não lhe pode ser uma mais-valia. Esclarece muita coisa.

A pessoa digna, competente e que tanta falta faz para o desempenho destas funções, muitas vezes, afasta-se destes meandros. Não tem qualquer sede de poder nem ambiciona nada, além da sua paz de espírito e espera que nunca se lembrem dela para tal ofício. Vive noutra esfera, num mundo que lhe é próprio e do qual lhe custa cada vez mais sair. Quem assim é precisa de se proteger para não correr o risco de ser conspurcado, por isso, afasta-se e recolhe-se. É a explicação que encontro para este fenómeno e não posso recriminar quem assim age.

Ocorre-me que, talvez, as melhores pessoas para exercerem certas funções serão, precisamente, aquelas que não as ambicionam. Quando o Papa Francisco soube que seria um dos elegíveis e que havia uma forte possibilidade de o seu nome ser escolhido, ele recusava, afirmando que nunca foi a sua ambição. Por isso mesmo, ter-lhe-ão dito, por nunca teres pensado em tal e por não o desejares, és a pessoa ideal para o lugar.

Quanto ao Futebol Clube do Porto, só posso esperar que se saiba renovar com a tranquilidade necessária para continuar a somar vitórias e dar alegrias aos seus adeptos.

Saudações portistas.

Nina M.

domingo, 12 de novembro de 2023

Corre o rio para o mar

Corre o rio para o mar
Na sua correnteza natural
Comprimido pelas margens
Que sustêm o seu leito


Passa por ele o inverno
A fazê-lo transbordar
Derrama as lágrimas excessivas
Inunda os campos férteis ao redor

Passa a primavera passa o verão
E o leito acomoda-se às margens
Estende-se ao sol enquanto corre
Ao mar! Ao mar! O seu destino final.

Inexorável como as estações
Como a vida
Corre

sábado, 11 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 346

 

Se não fosse trágico seria cómico

             Amanhã, tentarei não me esquecer de ver o Isto é gozar com quem trabalha. A semana foi quente e a equipa que escreve os guiões teve bom material para poder trabalhar. Começo a pensar que os política portuguesa e os seus meandros facilitam muito o trabalho dos humoristas. Quando não souberem que temas deverão tratar, basta estar atento às novidades do Governo e da Assembleia. Nunca falha!

            Apesar de ser crítica das muitas das posições deste Governo, especialmente, no que diz respeito à área da saúde e da educação, não fiquei radiante com os factos ocorridos. Compreendo que quem esteja cansado dos desmandos deste Governo tenha soltado uns foguetes e até brindado com espumante português (os salários não permitem beber Dom Pérignon. O Moët & Chandon é mais acessível, mas mesmo assim, o preço ainda arrepia a alma). No entanto, a situação não é para celebração. Mais uma vez se vê o país atolado no lamaçal que alguns membros deste Governo insistem em criar. Ter um primeiro-ministro, detentor de uma maioria absoluta, a pedir a demissão por força das trapalhadas e dos indícios de corrupção do seu Governo, para além de também ele estar sob suspeita, deve ser caso único na Europa! Os restantes países europeus devem rir-se tremendamente destas cenas políticas à portuguesa! Só podem ridicularizar-nos e achar que esta nação não tem solução. Só podem entender que está fadado ao fracasso pela sociedade medíocre, na sua generalidade, que permite que políticos sem estrutura moral alcancem o poder, se enredem e se ceguem nele. O problema é que quem conhece e lê os autores portugueses, ao longo dos séculos, percebe nitidamente que o diagnóstico se mantém desde sempre e que as críticas tecidas outrora podem ser feitas agora. Camões já denunciava a corrupção a que o vil metal sujeita. Eça já narrava jocosamente episódios inusitados dos políticos, da falta de competência destes e da sua falta de cultura. Desde a era Sócrates que nos habituamos aos espetáculos deploráveis com que o partido socialista, sem honra e sem pudor, decide presentear os portugueses. Os sucessivos escândalos de demissões motivadas por comportamentos que, se não são propriamente ilegais, são no mínimo vergonhosos e no máximo inaceitáveis a quem exerce cargos de responsabilidade pública, minam a democracia. Queira-se ou não e contribui para que as pessoas percam a confiança nas instituições. Não adianta entender que se deve olhar para o panorama e verificar que, apesar de tudo, a democracia está em funcionamento. Ainda vai funcionando, mas a cada corruptela, ela vai padecendo e adoecendo. A mixórdia foi tal e tanta que culminou na demissão de António Costa, por suspeição de poder estar envolvido em negociatas. No meio disto, o maior artista, o Galamba, depois do lítio, depois do computador que o levou a acionar o SIS e a demitir o funcionário, depois de o Presidente ter pedido a sua cabeça numa bandeja, permanece de pedra e cal: não se demite nem é demitido! O Galamba ainda corre o risco de ser o homem do ano! Aquele que vive em cima do arame, mas que se equilibra sempre bem. O senhor António Costa exonera (e bem) aquele que guardava o dinheiro no gabinete, demite-se, mas não demite o Galamba! Um Governo sem rei nem roque e que sem Costa rebenta pelas costuras. Não sobrou outra alternativa ao senhor presidente: dissolveu a assembleia e bem. No final, fica-se a saber que o Pedro Nuno Santos, esse mesmo, o da trapalhada da TAP, se apressou a anunciar que é candidato a secretário-geral do partido. Pois… A sua consciência de nada o acusa, a não ser de generosidade extrema, porque quem consente uma indemnização de quinhentos mil euros, que saem dos bolsos dos contribuintes, só pode ser muito generoso! Não percebo por que razão não arranjo chefias destas! Vá lá… Vais ser demitida, mas, pronto, para compensar os danos morais, toma lá quinhentos mil euros! Bem, acho que poderia pedir um milhão, devido ao tempo de serviço acumulado! Os deuses devem estar loucos! Porém, o senhor apenas se demitiu porque "face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso", entendeu, neste contexto, "assumir a responsabilidade política" e apresentar a sua demissão ao primeiro-ministro. Atenção! O indivíduo não cometeu qualquer insanidade! O problema está na perceção pública! Eu gostaria muito, para bem do partido socialista e para bem da democracia portuguesa, que este senhor não chegasse a líder ou adivinha-se a perpetuação do descalabro. Os nossos políticos têm uma habilidade especial: premiar a incompetência e ainda fazer disso gáudio.

            Certo é que, para bem da democracia portuguesa e do desenvolvimento do país, seria bom que os partidos fossem capazes de encontrar gente escorreita, competente e honesta. Portanto, não regozijo nada com a situação. Entendo que o país não precisa disto e espero que os partidos, todos eles, sejam mais criteriosos na seleção de pessoas. Ainda assim, se o escrutínio falhar, deveria ser o próprio partido a envergonhar-se dessa gente e a correr com eles de lá para fora. O serviço público deve ser exercido com sentido de Estado.

Padre António Vieira, no “Sermão de Santo António aos Peixes” questionava o que se deveria fazer ao sal que não salga ou ao pregador que não prega a boa doutrina e a resposta era clara: lançá-lo fora. Assim se deveria fazer aos que conspurcam a política.

Curiosamente, a vida tem destas ironias, a Geringonça, presa por arames, foi mais sólida do que uma maioria absoluta que apodreceu por dentro!

No dia dez de março, sem desculpas, cumpram o vosso dever cívico. Acorram às urnas e votem em consciência. Não olheis unicamente para o vosso quintal, para os que supostamente irão envergar o espírito messiânico e qual D. Sebastião descer à terra e salvar os professores, os médicos e enfermeiros. Tentai saber se a gente vos inspira confiança e se há uma linha de atuação para o país, se há um plano que ponha isto a funcionar dentro de uma normalidade que permita resolver os tantos problemas que afetam os cidadãos, com dignidade e respeito. O bodo aos pobres enfurece-me!

 

Nina M.

 

 

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Homem caído

Hoje, só hoje,
É preciso um poema
Palavras onde a violência
Não caiba nem a opressão
Se imponha

Hoje, só hoje,
É preciso fantasia
Abrigar-se no sonho 
Possibilidade de vida
Sadia

Esta noite
Fria e melancólica,
Só hoje,
É preciso que sirva
De abrigo

Esta noite
Desumana e cruel
Só hoje
É preciso que abandone
O fel

Hoje, só hoje,
É preciso um poema
Magia pura
Quem sabe ternura
Quem sabe veneno

Hoje, esta noite,
É preciso que
A vontade perdure
Que o sonho
Segure

O Homem caído



sábado, 4 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 345

 

Introspeções

               Deparei-me com um texto comovente do professor Frederico Lourenço, no qual ele recorda a falecida mãe com palavras elogiosas e sentidas. A mãe Manuela (curiosamente o meu segundo nome) era uma pessoa solar e a sua alma definhava um pouco com o surgimento do outono e do inverno.

Como me revejo nisso! Não que me sinta definhar, porque sou detentora de uma personalidade jovial e de uma certa alegria que existe, apenas porque sim, sem pedir licença para se instalar. No outro dia, ao entrar na sala de professores, dizia-me o colega Miranda: Andas sempre a sorrir! Pois… Acho que sim… Também penso que a vida não me corre nem melhor nem pior do que a dos outros, mas tal como um colega também já me disse: “és moça de poucos queixumes!” Aposto que o Hugo Novais já nem se lembra que me disse isto nem o contexto, mas eu sei-o muito bem.

A minha memória tem a particularidade de gravar certas palavras, que não se revestem de grande importância, mas que me ficam. Uma altura, noutra escola, uma colega chamada Isilda viu-me entrar e passado pouco tempo veio perguntar-me se estava tudo bem. Levantei o sobrolho para revelar a minha surpresa com a pergunta. Ela respondeu: “andas sempre a sorrir e hoje passaste, disseste bom dia, mas tão séria que achei que não estivesses bem… Nessa altura, sorri; e expliquei que vinha tão enredada e distraída nos meus pensamentos que o sorriso não aflorou os lábios…

Portanto, neste aspeto particular não serei como a mãe Manuela que inferi padecer de uma certa tendência depressiva. Quem conhece pessoas que padecem deste mal, sabe que essas vagas depressivas flutuam com a sazonalidade, isto é, no outono e na primavera, normalmente, os doentes precisam de um reajustamento na medicação. Felizmente, creio que a minha genética produz todas as hormonas necessárias para o sorriso: serotonina, responsável pela sensação de bem-estar; dopamina, que permite o cérebro completar tarefas, endorfina, que funciona como um analgésico em situações de dor e de angústia e a oxitocina, a hormona da empatia e do amor. Fui contemplada pela genética e nisso não tomo parte. Não obstante, não significa que não precise de estímulos externos para que a máquina funcione oleada: a vitamina sol, que me é essencial e noites bem dormidas. Sem estes dois agentes, torno-me irritadiça e o cansaço pode deixar-me, como me dizem os “aborrescentes” da casa, “irritadinha” ou numa expressão mais feia “com problemas de raiva”. Juro que não há ponta de canídeo em mim! O que eles querem dizer é que a mãe quando se sente cansada e assoberbada com o trabalho pode ficar impaciente e explodir mais facilmente com eles, respondendo-lhes ou advertindo-os num tom de voz pouco recomendável. Sei que não se deve fazer, mas é difícil controlar… Para além disso, afirmei que sou pouco dada à melancolia, mas não significa que nunca me irrite ou zangue. Na verdade, este tempo escuro, de chuva constante, por vezes, causa-me irritação interior.

No entanto, não era só por isto que o professor Frederico lembrava a sua mãe, mas antes pelo legado que lhe deixou: o saber e ser capaz de amar o outro. Afirmava ele que a mãe amava mais os outros e era capaz de ser mais generosa com os outros do que consigo mesma. Pessoas que conheceram a senhora corroboraram as palavras do filho.

Fiquei a pensar nas belas palavras e no quanto gostaria de ser lembrada pela minha prole dessa forma, a mãe que lhes ensinou a amar e a desprezar a mesquinhez, a intolerância e a crueldade. A mãe que lhes ensinou a ter empatia e respeito pelo próximo e a não tecer juízos de valor prematuros. Sei que a mensagem que transmito é esta, mas também sei que nem sempre acerto e que sou falha como todos os humanos. Temo que neste mundo absurdo de onde o sentido parece fugir, o apelo se perca ou eles se percam dele e o possam achar desajustado.

Liev Tolstói, em “Confissão”, afirma que "Só conseguimos viver enquanto estamos embriagados pela vida; mas, quando ficamos sóbrios, é impossível não ver que tudo isso é apenas ilusão, e uma ilusão tola. Na verdade, não há nada aqui de engraçado nem de espirituoso. É apenas cruel e absurdo."

               Não posso retirar-lhe a razão perante o que observamos no mundo: as guerras constantes, as desigualdades gritantes, a miséria e a fome. Tudo ação do ser humano! Tal como deixaria Thomas Hobbes registado, “o homem é o lobo do homem”.

Perante isto, ou nos rendemos ao cinismo e ao pessimismo e passamos a acreditar que, independentemente, do que possamos fazer, não mudaremos o mundo e, como tal, centramo-nos unicamente na nossa vida, tentando proteger-nos o melhor que soubermos, procurando esquecer a triste realidade. Creio que uma grande parte de nós vive assim, alheada, agarrada à leveza ou ao peso da sua vidinha, presa numa sensibilidade egoísta que se incomoda apenas com o que a afeta pessoalmente; ou então, tentamos individualmente fazer a nossa parte, através dos exemplos que damos, do legado que deixamos, tentando ser melhores a cada dia, espalhando o amor e o respeito, denunciando a crueldade, numa missão de “soldados do futuro”, da qual Antero de Quental incumbiu os poetas, em que as armas são as palavras. Em simultâneo, teremos de recolher-nos nas nossas “conchas puras” como refere o verso de Eugénio de Andrade, para não nos deixarmos contaminar pela sujeira do mundo e manter a integridade da alma (quem a tiver).

Eu escolho a segunda via, porque acredito que o único antídoto contra o absurdo é a concha pura do amor, porque o que nos mantém presos à vida é também a esperança e, apesar dos sinais contrários, deveremos esforçar-nos por crer que a nossa ação pode contribuir para a melhoria do mundo. Pelo menos, para a melhoria do mundo de alguém.

 

Nina M.

 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Terra Santa

Numa Terra Santa
Reino de Israel e de Judá
Chovem bombas e mísseis
Como se fosse Maná
O alimento milagroso
Libertador de povo escravo
Transformado em pão honroso
A limpar o desagravo

Povo tão massacrado
Heregemente perseguido
A ser também vilão
Ter exército destemido
Não há somente inocentes
Numa guerra sem razão
Há líderes dementes
E gente sem coração

Crianças que perecem
Sob o fogo de fúria vã
Lançam os olhos ao céu
Procuram o seu talismã
Quem as ouve e afaga
Sob os escombros áridos?
Quem as protege e salva
De loucos e sanguinários?

O absurdo do mundo
Diante dos olhos se impõe
Não se encontra um sentido
Para tanta destruição
O que sobra da humanidade?
Ruínas de um mundo a arder
Fere a sensibilidade
Ver a humanidade morrer.

Que legado deixamos
Ao filhos da nossa guerra?
Ensinamos-lhes a violência
E a destruição da Terra
Erga-se a voz da concórdia
Esqueçamos as diferenças
Hasteie-se a bandeira branca
A bem da sobrevivência















sábado, 28 de outubro de 2023

Crónica de Maus Costumes 344

 

Em defesa de Joana Marques

 

            O subtítulo da crónica, talvez, não seja adequado, porque a Joana não precisa que a defendam. Aliás, a humorista ignora totalmente a existência de uma Nina M., pelo que estas palavras serão do seu total desconhecimento. No entanto, apetece-me dedicar algum do meu tempo a elogiar esta mulher, concentradinha num metro e cinquenta e três, que consegue colocar as redes sociais em polvorosa.

            Para quem possa desconhecer, a Joana Marques é filha do historiador e escritor João Pedro Marques. Do pai, li o seu romance Uma fazenda em África, com o qual aprendi a conhecer os primórdios do colonialismo português em Moçâmedes, Angola, uma terra, então, inóspita e cheia de perigos. São os colonos vindos do Brasil, desiludidos, que ensaiam uma nova oportunidade, em terras africanas. A incompreensão, a deslealdade, a ganância, o poder, a lealdade, a frustração, a vaidade e o amor são temas que atravessam o romance. Para muitos desses colonizadores, África foi um mundo incompreensível e cruel.

A Joana tem a marca dos bons genes. Ela é uma das guionistas que integra a equipa que escreve os textos que o Ricardo Araújo apresenta na rubrica Isto é gozar com quem trabalha. Para além disso, a Joana é locutora na Renascença, juntamente com a Ana Galvão e a Inês Lopes Gonçalves, responsáveis pelo programa As três da manhã, no qual se integra a rubrica Extremamente desagradável e que dá que falar da radialista, em termos desagradáveis, nas redes sociais. A Joana é frequentemente insultada, acusada de bullying, de não ter piada, pois à luz desses críticos, apenas sabe ofender e achincalhar os outros.

            Eu gosto da Joana. Desde logo, é uma lisboeta portista, o que já é suficiente para chamar a minha atenção, depois, é inteligente e perspicaz, elevando o humor a outro patamar. Gabo-lhe a paciência que revela para ouvir e ver todo o género de supostas figuras públicas e certos programas para apresenta as suas rubricas extremamente desagradáveis. A ironia e a piada da rubrica começam imediatamente com o título escolhido, porém, não é a Joana quem é desagradável, mas antes a maioria das personalidades com quem ela faz humor.

            Vejamos, há quem a deteste, afirmando que o que ela faz é bullying! Pois bem, é exatamente o inverso! Mal é o que essas personalidades fazem ao não se coibirem de dizer uma torrente de asneiras! A Joana não pode ser responsabilizada pela idiotice alheia! Ela apenas a expõe! Na verdade, a locutora nem precisa de muita criatividade para a construção da sua rubrica, porque as pessoas entregam-lhe o material pronto a consumir. É verdade que ela, coitada, precisa de uma paciência imensa para ouvir tanto disparate e insanidade, para depois fazer a triagem e alinhavar aquilo tudo! Como pode a Joana fazer bullying, se ela se limita a pegar nas declarações das próprias pessoas e apenas mostra o ridículo em que estas caíram?

Ora, não é a Joana que é má! São certas pessoas que não passam de gente inflada e oca, mas que se julga uma especialidade, quando apenas dizem banalidades e parvoíces, que a humorista sabe, exemplarmente e desagradavelmente, dissecar!

Se não fosse a Joana, ninguém sabia quem eram a Yolanda Tati, o Rafael Alex e outros que tais! Eu pelo menos, não saberia… Continuo sem saber muito bem, porque após a rubrica, então é que fujo a sete pés dessa gente, mas enquanto ouço, rio-me bem!

O verdadeiro problema da Joana é a coragem que ela revela ao fazer humor com gente influente do entretenimento, sem impor barreiras nem usar de paninhos quentes, tratando-os como a qualquer desconhecido. É isto que, fundamentalmente, não lhe perdoam.

A azia, o Compensan resolve, para a incapacidade de se rir de si mesmo não sei o que recomende, talvez uns episódios do Extremamente desagradável ensinem alguns a terem noção do ridículo.

 

Nina M.

 

 

 

 

           

sábado, 21 de outubro de 2023

Crónica de Maus Costumes 343

 

            Escola pública

            Li, por estes dias, uma publicação de uma colega que garantia haver, numa escola em Lisboa, um pseudoprofessor com o décimo primeiro ou décimo segundo ano, já nem sei bem. A colega não adiantava quaisquer outros detalhes para não expor a sua fonte.

A veracidade da situação foi posta em causa, mas inúmeros professores saíram em sua defesa, alegando a postura sempre correta da colega, o seu espírito de entreajuda e de cooperação, bem como nunca lançar falsidades com o objetivo de criar polémicas. Reconhecem-lhe, portanto, idoneidade e caráter.

Já não bastava a quantidade de alunos sem professor a certas disciplinas (a minha filha ainda não tem professor de Educação Visual nem de História), mas a ser verdade, não me surpreende. Já o tinha escrito há tempos, nesta rubrica, que iríamos voltar aos anos oitenta, em que qualquer bicho careto servia para ser professor. Não deixa de ser irónico que há alguns anos tivessem desejado impor uma prova que confirmasse e atestasse a aptidão e a competência dos professores contratados com menos tempo de serviço e de experiência, colocando em causa as instituições universitárias, responsáveis pela sua formação, pois depreende-se que se era necessário a prova de confirmação de qualidade, os docentes que as instituições punham cá fora, não exerceram o seu papel com a competência e a responsabilidade devidas. Ora, neste momento, esse problema não se coloca, pois pelos vistos, basta que se tenha o ensino secundário para se poder lecionar. Enquanto isso, gente licenciada (pré-Bolonha e pós-Bolonha), com pós-graduações e mestrados continuam obrigados ao ano probatório, não vá o diabo tecê-las e estes colegas serem incompetentes, mau grado os muitos anos de serviço (nalguns casos)! A situação é surreal! Kafkiana! Configura o absurdo dos absurdos!

É verdade que esta diferença na postura e de atuação diz respeito a tempos diferentes. O ministro da famosa PAC era o Crato, no tempo em que foi preciso diminuir a contratação dos professores, por meras razões económicas. Pela primeira vez, ao cabo de dezasseis anos de ofício, na altura, fiquei com um horário incompleto. Outro ano se seguiria. Atualmente, o responsável é o João Costa, que sabe há muito do problema da falta de professores e que desde o tempo do seu antecessor era anunciado. Continua a Fazer-se de cego e de surdo e anda a empurrar o problema com a barriga, resolvendo-o de forma sórdida e irresponsável. Já era mau que para se lecionar, se exigisse apenas um número reduzido de créditos em determinadas disciplinas, obtidos nas universidades (a lembrar os inícios dos miniconcursos), mas permitir que alguém que apenas possui a escolaridade obrigatória (atualmente é o décimo segundo ano) entre numa sala de aula como professor é deplorável! Revela a importância que o Governo dá ao pilar estruturante da sociedade e a uma das maiores conquistas de abril, que foi a escola pública para todos! Já envelheceram muito ou morreram aqueles que se bateram por esse valor e que acreditavam na escola pública como elevador social e redutor das assimetrias.

A boca dessa gente, quando enche o peito para discursar, nas cerimónias de abril, de que tanto gostam e das quais se sentem os donos e os arautos da liberdade, deveria encher-se de moscas, de tão fétida hipocrisia que propalam… Não passam de uma fraude.

Para eles, a situação não é problemática. Os seus filhos frequentam os colégios privados das elites. Tudo gente formada com enorme meritocracia e empenho! São os jotinhas do presente ou de um futuro próximo e os (des)governantes de um futuro um pouco mais distante. Na verdade, temos um republicanismo impregnado de velhos hábitos monárquicos. Filho de peixe sabe nadar e, por isso, filho, sobrinho, enteado de político, político será…  Também não há que admirar, basta procurar nos compêndios da História para perceber que o monárquico de hoje seria o republicano de amanhã e vice-versa. A desfaçatez e a ignomínia não têm limites.

Sei bem que os filhos só são especiais para os seus pais. Para os outros, são mais uns seres que povoam a Terra e que na imensidão do universo lhes coube a mesma sorte que a todos: serem nada! Não obstante, convinha a quem governa não esquecer da sua condição humana e deixarem de se sentir semideuses que dispõem as peças no tabuleiro de xadrez, porque acima deles também está o fatum, que os conduzirá, inevitavelmente, ao seu ocaso.

Uma sociedade instruída e dotada de espírito crítico não interessa a quem governa, porque se rebela e põe em causa a ordem social instituída e os princípios éticos em que ela assenta. A coletividade continua a precisar de gente que execute sem pensar nem questionar, que passe pela vida como um sopro leve de uma existência vã, enredada no trabalho e perdida nos prazeres. A melhor forma de o conseguir é assassinar a escola pública, esvaziá-la sub-repticiamente da sua função, enquanto esta, aparentemente, continua a cumprir com efeito para que foi criada.

Escabrosamente, estas decisões políticas (é disto que se trata) têm sido tomadas repetida e maioritariamente por governos socialistas (são estes que mais vezes têm exercido funções governativas, facto que é incontornável) e que neste assunto em particular, não têm revelado qualquer preocupação social para com os cidadãos que não podem pagar uma escola privada, mas que, ainda assim, deveriam ter direito a uma educação de qualidade. Não basta ter escola pública. É preciso que ela seja boa.

Urge o abandono da política da esmola, do assistencialismo e da caridadezinha enganadora para uma política de verdadeira ação de melhoria das condições de vida dos portugueses, de investimento na investigação, na escola pública, na saúde pública e na economia, nos projetos que possam trazer valor acrescentado ao país. Sem economia forte não há boas condições de vida.

Não me questionem como fazer, não estudei economia. Se o soubesse, estaria na política. Sou produto da escola pública, talvez das últimas gerações anteriores à sua decadência. Em prol dela e dos alunos continuo a trabalhar, apesar dos sucessivos golpes que lhe desferem.

É preciso que a sociedade acorde para o problema que já se faz sentir, porém, entre guerras, inflação, falta de habitação e carteiras vazias, a educação em Portugal não passa de um detalhe.

 

Nina M.