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sábado, 20 de maio de 2023

Crónica de Maus Costumes 326

 

Erasmus e aprendizagem

          Vim à Finlândia em trabalho. Faço formação para desenvolvimento pessoal e com interesse genuíno, porque gosto de tentar melhorar a cada dia. Gosto de trocar experiências e, principalmente, de aprender com quem sabe mais do que eu, por ser perito na área e gosto também de partilhar experiências.

Manter o espírito aberto é essencial à aprendizagem, porque ninguém evolui se rejeitar de imediato o que desconhece. A formação (quis a ventura), deu-me a possibilidade de viajar, algo que gosto muito de fazer, e de conhecer novos lugares e novas culturas. No entanto, sabendo do currículo dos formadores, era capaz de a frequentar, mesmo que fosse nos lugares habituais. Hoje é sábado e começamos a trabalhar às 10h00 e terminamos às 18h00. Amanhã, começaremos às 09h00 e terminaremos às dezassete. Apesar do cansaço, mantemos o cérebro ativo, participamos, aprendemos e damos uso ao inglês que sabemos. Até francês conseguimos falar, porque o Peeter cresceu no Canadá, dominando ambas as línguas, para além da sua língua materna, o estoniano. Conhecemos novos colegas: há um grupo de italianos e um professor catalão. É muito engraçado confrontar as diferentes formas de pensar a educação, que radicam na cultura e nos valores de cada um e que não podemos deixar de associar ao local e às circunstâncias em que cada um cresceu. Pensar a educação significará, portanto, pensar numa ética da educação, trabalho hercúleo, rigoroso e difícil. Gosto mais da pedagogia aprendida desta forma e, naturalmente, tentarei evoluir a partir das novas aprendizagens que vou fazendo.

Assim, o assunto sério, que é a educação, está a ser tratado com o rigor que merece, sendo oferecida aos professores a oportunidade de refletirem conjuntamente sobre as suas práticas. Sobra, naturalmente, algum tempo para o convívio, no país dos mil lagos e que nunca adormece na primavera e no verão. Olho pela janela. São vinte e três e trinta e dois e o dia vai claro. É giro, mas dava-me jeito o escurinho para dormir, porque eu e o sol somos grandes amigos e enquanto o vejo, o organismo recusa-se ao descanso, mas não expulsa o cansaço. A viagem até à chegada foi uma aventura: duas escalas seguidas de três horas de autocarro, que nos ocupou o dia todo e que nos fez estar no aeroporto Francisco de Sá Carneiro às sete da manhã para chegarmos às quatro do dia seguinte (hora local). Pelo meio, apanhamos, em Inglaterra, um condutor indiano mudo e pouco simpático, que não nos dirigiu palavra enquanto nos transportou de um aeroporto ao outro, voos atrasados e muito riso. Será escusado dizer que o grupo de portugueses (quase portuguesas, porque só há um professor) não passa despercebido em lado nenhum. Ó mulheres! Estais pior que os italianos e os espanhóis…

Salva-vos a simpatia e a cordialidade que é notada onde quer que estejais! Por hoje é tudo, porque a fadiga faz-se sentir. Vamos ver se o sol da meia-noite não perturba os meus sonhos.

Morfeu, quero cair nos teus braços acolhedores.

 

P.S. Hoje, não haveria necessidade de crónica, mas após uma senhora, minha amiga, (afirma-o ser a pés juntos) a ter apregoado e coagido as restantes colegas (exagero um pouco) a partirem em busca da Nina M., que publica semanalmente aos sábados, eis que o texto teve de nascer!

Desculpai-me, caras colegas, porque correis o sério risco de dar o seu tempo por perdido. A solução é fácil: passais adiante sem detença! Bons sonhos.

 

Nina M.

 

 

sábado, 13 de maio de 2023

Crónica de Maus Costumes 325

 

Mesquinhez, inveja e pusilanimidade

               Hoje, enquanto estendia a roupa, ouvia duas vizinhas que conversavam. Trocavam impressões e lamúrias sobre relações familiares. Não podiam saber que as estava a ouvir, porque da rua não se vê para o interior da minha casa. Conseguiram fazer-me sorrir enquanto terminava a minha tarefa.

            Puseram-me o resto do dia a pensar sobre o comportamento humano. Extraordinariamente, o que aflige o comum dos mortais não é a guerra que assola o território europeu ou a fome que se encontra espalhada pelo mundo, muito menos o desrespeito pelos direitos humanos. Um destes dias, enquanto ia para trabalho, ouvia na rádio a horrível notícia de termos, dentro do solo português, crianças bem pequenas, compradas por mil euros ou pouco mais do que esta quantia, que estão a ser colocadas nas ruas das cidades, obrigadas à mendicância. Ao que parece, estas pobres vidas são compradas no mercado de leste, principalmente na Roménia e na Bulgária. A escravização continua a existir, no século XXI. O Homem é capaz de progressos extraordinários, como é o caso da inteligência artificial, mas não encontra antídoto para combater a desumanização que o destrói.

            Não deixa de ser pitoresco que com questões destas para serem resolvidas, a preocupação do comum dos mortais seja o atrevimento do familiar que teve comentários menos abonatórios e quem sabe injustos sobre a nossa pessoa. São esses pequenos agravos que roubam o sossego às almas e não outras questões distantes, que por estarem longínquas parecem não nos dizer respeito ou não merecer mais do que um encolher de ombros, resignando-nos à nossa incapacidade de ação direta nesses assuntos. Deixamo-nos consumir mais facilmente por um falso problema que nos é próximo do que pelo que realmente é preocupante. Talvez isto só se explique com o terrível egoísmo do ser humano, que se esgota nas suas dores, incapaz de ver as alheias.

Pelo mesmo motivo, a inveja surge da proximidade, nunca da distância. Suponho que ninguém inveja Mozart, Beethoven, Tolstoi, Camões ou Pessoa. Esses génios são admirados. Porém, já não tenho a certeza de que o Saramago, por exemplo, não tenha sido vítima de inveja alheia, enquanto viveu, talvez até por alguns dos seus pares. Também ninguém admite sentir inveja, porque é feio e sabemo-lo. Sentir inveja, ciúme ou cobiça é próprio do ser humano, mas a forma como se racionaliza o sentimento é que faz a diferença. Pode ser que haja a inteligência para controlar a emoção e a hombridade de admitir que a pessoa merece o que nos perturba, visto que terá trabalhado para isso e poderá servir-nos de inspiração ou então deixamo-nos corroer por ela, desvalorizando e menosprezando o mérito alheio. Na verdade, a inveja não passa de um reconhecimento mudo e doloroso do próprio fracasso. Parece também que a maioria das pessoas não se reconhece como invejosa, mas sente-se objeto da inveja alheia.

Creio não ser afetada por nenhuma das maleitas, quer dizer, gostaria de ter o génio, o dom, o talento natural e a inteligência de muitos, mas como nada disso em mim é excesso, mas antes moderação, na inteligência, e míngua nos talentos, significa também que me livro da invejazinha alheia, por falta de razões que a justifiquem.

            Creio ser este o sentimento que estará na base da revolta dos que quase insultam os colegas contratados por tomarem a decisão de concorrer à vinculação dinâmica. Quem não está disponível para concorrer por vários motivos, sendo o mais frequente de ordem familiar, não gosta de ver outros a concorrer para essas vagas, alegando futuras desistências e descontentamentos. Pois bem, as regras do jogo foram anunciadas e só vai a jogo quem quer. Posso decidir não ir, mas não me dá o direito de maltratar os que pretendem fazê-lo. Já agora, também deve haver professores a sul do Tejo, a quem interessa a vinculação. Sentir inveja do que poderá vincular e que terá de assumir todas as consequências (boas e más) da sua escolha também não é bonito.

            Para findar a incursão pelas atitudes bizarras do ser humano, soube que na opinião do delegado regional de Educação da Direção de Serviços da Região Norte, um tal senhor Luís Carlos Lobo (o nome fui eu pesquisar), os professores que fazem greves são uns radicais que dão má imagem à escola. Quem o afirmou publicamente, nas suas redes sociais, foi o colega Luís Sottomaior Braga, que garante ter ouvido o comentário feito com o diretor da sua escola, via telefónica. Acrescenta que se trata de uma forma de pressão ao seu diretor, uma vez que ele, apesar do cargo de subdiretor que exerce, nessa escola, tem participado ativamente na luta dos professores. Não posso fazer leitura de intenções à distância, mas acredito que o comentário seja verdadeiro, porque o colega não iria ser leviano ao ponto de apregoar uma mentira sobre alguém com responsabilidade na área da educação, que lhe poderia, inclusivamente, trazer problemas jurídicos. Ora, fiando-me na veracidade dos factos, só me resta considerar tal opinião miserável, mesquinha, pidesca e inaceitável em quem exerce cargos dessa natureza, porquanto não saiba o significado de um regime democrático. Quem assim pensa e age não me merece qualquer respeito. A pusilanimidade deve ter limites.

            Não admira, portanto, que o Freud preferisse a companhia dos animais à do ser humano. Dizia ele que os bichos não sofriam de personalidade dividida nem de desintegração do ego e que resulta da tentativa de o homem se adaptar a padrões de civilização demasiado elevados para o seu intelecto e para o seu mecanismo psíquico. Somos, portanto, seres inadaptados e coartados por uma civilização complicada, capazes das piores ações. Perante estes factos, sobra pouca esperança na humanidade.

 

Nina M.

 

domingo, 7 de maio de 2023

Desejo


Despertar súbito do corpo

Templo que abriga o desejo

Revelado num frémito ensejo

De prazer adiado e morto


Pulsa a seiva clara de uma vida

Que se quer doar, uma oração, 

Numa transcendência sentida

Um toque a dois, um só coração 


Fusão de corpos que são alma 

Lava ardente em explosão 

Metafísica em combustão 

Depois do amor, sobra a calma


De dois corpos abandonados

Ao prazer já consumado

A desejar renovação 


Como o vento e o mar volteiam

Nas ondas da imaginação 

Vive dentro de um corpo o desejo

Latente, à espera de concretização 


Vida e morte a cada vez

Sempre fénix renascida

Assim é todo o desejo

Na vida que se quer cumprida











sábado, 6 de maio de 2023

Crónica de Maus Costumes 324


Política e sacanices

               Portugal deveria ser um caso de estudo. Eça de Queirós e Ramalho Ortigão fizeram um retrato sociológico do país, com as suas “Farpas”, que continham um traço caricatural que primava pelo exagero (há que o dizer, garantindo a comicidade), mas que deixava a descoberto o Portugal oitocentista da Regeneração. Ora a regeneração era precisamente do que o país precisava e o que a Geração de 70 pretendia alcançar. As farpas, sem obedecer a qualquer estratégia partidária, resultam de um ensejo com um propósito cívico e crítico. Constituíram um jornalismo de crítica social e cultural, um jornalismo das ideias.

            Perante os acontecimentos recentes do país, imagino imediatamente o que Eça escreveria, com riso despudorado, sobre o Governo e as situações políticas que o próprio vai criando. Não seria muito diferente do que já deixou registado, apesar do salto temporal. Imagino como os outros líderes europeus acompanham estas vergonhas e os pensamentos que os assaltam. Pouco me espanta que o holandês, certa altura, tivesse considerado que nos países do sul da europa, os homens (entenda-se políticos) só quisessem vinho e mulheres generosas que os consolassem com carícias pagas, quer nas horas amargas quer nas de alegria. Só me lembro do Craft, impassível, a observar a bravata entre João da Ega e Tomás de Alencar, com desdém, sabendo de antemão que as disputas entre portugueses, depois do chorrilho de insultos e de ataques pessoais que sempre substituem a argumentação sólida e inteligente, culminaria em abraços e elogios, como se nada se tivesse passado. Pois bem, depois de uma demissão por conta de umas notas de uma reunião, supostamente secreta e que não deveriam existir, mas que o demitido considera ter de dar a conhecer, caso seja chamado à Comissão Parlamentar, gera-se um enredo digno de telenovela mexicana de baixíssima qualidade. Desde a confiscação do computador do estado e da proibição de o funcionário retirar documentos pessoais, à agressão que este comete e fuga, após tentativa de o reter, ao envolvimento do SIS e da PJ, tudo nos parece surreal. Após ouvirmos o comunicado do senhor ministro das infraestruturas, mais desconfiados e incrédulos ficamos e com dúvidas também. Ninguém percebe por que razão o senhor ministro e o PS quiseram reunir secretamente com a ex-presidente da TAP, antes da Comissão de Inquérito, todos gostaríamos de saber o teor das notas que motivaram a polémica, e o que continha de tão precioso o computador usado pelo senhor adjunto, para que ele não o pudesse manejar nem mais um segundo, a partir da sua saída. O senhor ministro pede a demissão, mas não assume qualquer responsabilidade no imbróglio vivido e nem explica cabalmente os motivos do despedimento do seu adjunto. O senhor Presidente da República, indignado com a falta de sentido de Estado e com o comportamento de rufias, aborrece-se e sugere a demissão do ministro, numa tentativa de pôr cobro à “galambice”. Eis que o senhor primeiro-ministro, porque pode, faz ouvidos de mercador e, apesar de considerar inqualificável o sucedido, reitera a plena confiança no homem da pasta, em claro desafio ao senhor presidente. O país perdeu-a toda, mas haja alguém crente! O máximo representante dos portugueses terá gelado, certamente, mas considerando a maioria absoluta obtida há cerca de apenas um ano, engoliu em seco o desaforo, descansou por umas horas e comunica ao país o seu desacordo, rasgando duramente a ação governativa de quem o encurralou…

O país assiste a todo este filme, sem saber se chora ou se ri, impassivelmente e sem desdém, mas com preocupação. Confiar a gestão de dossiês fundamentais para o país a um ministro metido, já por várias vezes, em contendas de contornos estranhos e obscuros aos olhos de quem observa de fora, não parece ser o melhor a fazer.

O senhor presidente promete atenção aos atos do Governo e marcação cerrada, enquanto o primeiro-ministro António Costa pensa fazer exatamente o mesmo que o youtuber Tiago Paiva fez com ele: mandar o senhor presidente para o cesto da gávea, mais conhecido por caralho, a título de castigo.

 

Nina M.