Seguidores
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
Hoje, só hoje, deixarei que a escuridão me embale
Hoje, só hoje, deixarei que a escuridão me embale
E o frio da noite me acaricie a face
Recusarei a luz da lua e das estrelas
E lavarei a alma com a água da chuva
O vento trará a minha melodia preferida
E no sossego do leito o mar será poesia
Roubarei ao tempo os seus segredos
Eternizarei os momentos efémeros
Em que de mãos dadas tudo era sol
Luz e dia claro e magia
Hoje, só hoje, deixarei que a escuridão me embale...
Trará até mim as palavras belas que quero guardar
E sem que o saiba, a treva perderá a sua angústia
Tudo será serenidade, brilho e luar renovado
Mas hoje, só hoje, deixarei que a escuridão me embale.
domingo, 27 de janeiro de 2019
Crónica de Maus Costumes 116
O Vendedor de Sonhos
Gosto bastante de histórias bem
contadas sejam elas quais forem. Ontem, fui agradavelmente surpreendida por um
filme brasileiro, baseado na trilogia O Vendedor de Sonhos, de
Augusto Cury.
Percebo pouco ou quase nada de
cinema, mas pelo que pude perceber, foi um filme muito bem conseguido e, dentro
dos orçamentos milionários da empresa cinematográfica, parece-me que este não
deve ter saído assim tão caro. Haja esperança! É possível fazer bons trabalhos
com poucos recursos.
O filme de 2016 vale e sobrevive
pela excelente interpretação dos atores e pelos diálogos magníficos, fruto do
trabalho de Cury, com adaptação cinematográfica do realizador Jayme Monjardim e
com um parco elenco, constituído essencialmente por César Troncoso, Leonardo
Medeiros, Marcelo Valle e Dan Stulbach.
Não é um filme fácil, porquanto nos
confronta com a consciência do ser. Nada que quem goste de ler e de refletir
desconheça, porém, envolvemo-nos com as personagens e identificamo-nos aqui e
além com elas, revemo-nos nas perdas e conquistas, na superação e evolução dos
protagonistas, tão longínquos, mas simultaneamente tão reais.
Júlio César, um psicólogo afamado (o
cinismo da vida a funcionar em pleno, portador de um nome que sugere grandes
feitos) tenta o suicídio e acaba por ser salvo por um sem-abrigo, conhecido por
“mestre”. Este apresenta-se como sendo um vendedor de sonhos e oferece-lhe uma
“vírgula” para que o psicólogo possa continuar “a escrever a sua história”.
Nasce assim uma amizade improvável e o terapeuta é levado a uma autoanálise que
lhe permitirá recuperar o filho que tinha perdido, acabando por impedir que ele
se suicide, oferecendo uma “vírgula”, um recomeço ao relacionamento de ambos.
Todo o filme é metafórico,
deixando-nos a pensar no que realmente importa, passando mensagens belas e
profundas: “um suicida quer matar, antes de tudo, a sua própria dor”; “uma
pessoa só morre quando deixa de se sentir importante”; “sucesso é conquistar o
que o dinheiro não pode comprar”.
O
próprio mestre se definiu a dada altura como “o homem que amou o trivial e
dispensou o essencial”, o que lhe valeu um sofrimento atroz e a culpabilização
pelo rumo da sua vida, mas não desistiu, apesar das dificuldades, por saber que
“não pode voltar no tempo, mas que pode sempre recomeçar”.
É um filme intenso, que nos deixa
pouco espaço para respirar e que vive à custa de um curto elenco, mas que faz
toda a diferença. As frases, que descontextualizadas correm o risco de
parecerem triviais, retiradas de um qualquer livro de autoajuda, ganham, na
boca dos atores, um outro sentido e vida própria. São emoção pura que contagia
quem vê e que as guardará, por certo, na memória.
Mais do que recordar os ensinamentos
retirados, importa colocá-los em prática.
Celebremos os recomeços da vida, nem
sempre fáceis, mas seguramente necessários.
Nina M.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019
Tarde ou cedo virá a morte
Tarde ou cedo virá a morte
E os olhos fechar-se-ão na escuridão
Mas alva permanecerá a minha alma
Sob o luar e as estrelas
Sob a carcaça fria, nua e imóvel
Guardarei todos os sonhos e os segredos
Não por perfídia ou ciúme inconfessável
Só por mera intimidade
E a mortalha que envolver o meu corpo
Guardará a imaginação viva
Cheia de mundos e vidas vividas
Que não me pertenceram
Pode a terra comer-me a carne e os ossos
Desfigurar-me o rosto e os membros
Até sobrar o esqueleto nu e pobre
E não descobrirá os meus mundos pensados
Não haverá emoções devassadas
Engolirá a substância terrena
Mas não o legado intangível
E no amanhã que há de vir
Sempre haverá quem descubra novos sonhos
O longínquo e o devir
A aura dourada na brisa
E novamente a alma alva se renovará em triunfo
Então, rosas brancas irão caiar o túmulo silencioso do meu ser.
E os olhos fechar-se-ão na escuridão
Mas alva permanecerá a minha alma
Sob o luar e as estrelas
Sob a carcaça fria, nua e imóvel
Guardarei todos os sonhos e os segredos
Não por perfídia ou ciúme inconfessável
Só por mera intimidade
E a mortalha que envolver o meu corpo
Guardará a imaginação viva
Cheia de mundos e vidas vividas
Que não me pertenceram
Pode a terra comer-me a carne e os ossos
Desfigurar-me o rosto e os membros
Até sobrar o esqueleto nu e pobre
E não descobrirá os meus mundos pensados
Não haverá emoções devassadas
Engolirá a substância terrena
Mas não o legado intangível
E no amanhã que há de vir
Sempre haverá quem descubra novos sonhos
O longínquo e o devir
A aura dourada na brisa
E novamente a alma alva se renovará em triunfo
Então, rosas brancas irão caiar o túmulo silencioso do meu ser.
domingo, 20 de janeiro de 2019
O poema que te escreveria
O poema que te escreveria
Se soubesse as palavras
Exatas e perfeitas
Em mim não caberia
Nem no luar onde te deitas
Desenharia os teus abismos
Em papel e a carvão
Assim, quando te perdesses
Apagava-os com a mão
Com palavras te encantaria
Doce Circe e meu veneno
A mim te prenderia
Acabava o teu inverno
Beijaria o teu sorriso
Pétala de sol doirado
Trá-lo-ia sempre comigo
Ao meu peito agarrado
Guardo duas esmeraldas
Que emolduram o teu olhar
Oferecia-te grinaldas
As estrelas, o rio e o mar...
Mas sou rei de um reino perdido
Só a mim me posso dar
Sem restrições e amarras
De tudo me podes despojar
A ti lanço minhas garras
Não me leves o sorriso
Não me leves o olhar...
Se soubesse as palavras
Exatas e perfeitas
Em mim não caberia
Nem no luar onde te deitas
Desenharia os teus abismos
Em papel e a carvão
Assim, quando te perdesses
Apagava-os com a mão
Com palavras te encantaria
Doce Circe e meu veneno
A mim te prenderia
Acabava o teu inverno
Beijaria o teu sorriso
Pétala de sol doirado
Trá-lo-ia sempre comigo
Ao meu peito agarrado
Guardo duas esmeraldas
Que emolduram o teu olhar
Oferecia-te grinaldas
As estrelas, o rio e o mar...
Mas sou rei de um reino perdido
Só a mim me posso dar
Sem restrições e amarras
De tudo me podes despojar
A ti lanço minhas garras
Não me leves o sorriso
Não me leves o olhar...
sábado, 19 de janeiro de 2019
Crónica de Maus Costumes 115
Soror Mariana
A
notícia que li a propósito das cartas de Soror Mariana Alcoforado (obrigada, Teresinha,
pela partilha) não me deixou indiferente e despertam algumas reflexões.
Evidentemente,
tive que reler as cinco cartas escritas pela freira ao seu grande amor, o
Marquês de Chamilly, oficial francês, que lutou em solo português, durante a
guerra da Restauração.
Tê-lo-á
avistado do terraço do Convento de Nossa senhora da Conceição, em Beja, onde
ingressou com a tenra idade de doze anos e onde acabaria por morrer.
Desta
forma, ainda criança, a vida de Soror Mariana fora determinada pelos pais, como
era hábito então. Decidiram os progenitores que a donzela dedicaria a vida a
Deus. Se havia ou não vocação religiosa, pouco importava, pois na época,
decidiam os progenitores e aos filhos competia-lhes a obediência cega e livre
de espírito crítico.
Talvez
assim tivesse sido com Mariana, não fosse o acaso da vida pregar-lhe uma
partida e permitir que os seus olhos se cruzassem com o francês, despertando
uma paixão desenfreada e emoções que a freirinha ignorava e começava a
descobrir.
Incendiada
pelo amor, acalentava a esperança de o poder viver em toda a sua plenitude, em
terras gaulesas. O amor sentido foi o combustível necessário à coragem de
romper com todos os convencionalismos. Escritas pelo seu punho, no conjunto das
cinco cartas, Mariana confessa a febril paixão que a abraça e a dor do abandono
que a dilacera. Sem pudor, confessa ter recebido o seu amor no seu quarto, onde
se entregava feliz a quem lhe jurava paixão idêntica. Numa das cartas diz mesmo
que doravante seria ele (Chamilly) a sua religião.
Por
amor, Mariana afrontava a família e a sociedade, em pleno século XVII,
ignorando os efeitos da coragem ao assumir a sua individualidade, as suas escolhas,
a sua autenticidade. Não lhe trouxe grandes alegrias. O coração do francês não
lhe era tão devoto quanto o dela e, aproveitando uma carta do irmão como subterfúgio,
regressou ao seu país, como forma de evitar confrontos com a família de Mariana,
socialmente influente. Ter-lhe-á prometido que a viria buscar, mas, neste caso,
a palavra dada não foi honrada.
É
durante este afastamento que Mariana lhe faz chegar as suas missivas, que
despertam compaixão e simpatia por um coração esfarrapado e pisado, mas que se
abre, sem vergonha ao amor que o devora, perdida entre a autocomiseração,
raiva, queixume e sofrimento, por pressentir que não há uma correspondência nem
perfeita nem exata na dimensão do seu sentimento. A quinta e última carta é a
derradeira despedida, o sinal de quem já percebeu a indiferença a que fora
votada, mas que ainda assim lhe causa transtorno e sofrimento.
Numa
época em que a liberdade da mulher era uma utopia, longe de ser alcançada, o
amor romântico surge como a alavanca da revolta e da afirmação feminina.
Perdido o amor, Soror Mariana resignou-se ao destino que lhe traçaram e haveria
de confinar-se às paredes do Convento, no qual viria a falecer. Não morreu sem
conhecer o amor, mas morreu derrotada por ele.
Preferia
que tivesse servido de motivação para recusar a vida monástica, para a qual não
estaria talhada, em vez de sucumbir ao desgosto. Não resolveu tudo, mas enquanto
o amor se fez presente, Mariana foi mais autêntica, logo mais feliz, apesar da
rebeldia e da ousadia em quebrar as regras, o que lhe granjeou dissabores.
Sentiu o sabor acre da desilusão, mas viveu e viver é sempre um risco.
Nina
M.
terça-feira, 15 de janeiro de 2019
Hei de te amar
Hei de te amar
Nem a ti nem o outro
Mas o amor perene
Que cristaliza num verso
E no choro trinado da guitarra
Hei de te amar
De um amor-alma
Sem corpo e etéreo
Em vida e espírito
Somente
Hei de te amar
Amor absoluto, impoluto
E com ele findar
O resto dos meus dias
E preencher o meu estro
Hei de te amar
Quando já não houver
Corpo
E os olhos se fecharem
E toda eu for só alma
Nem a ti nem o outro
Mas o amor perene
Que cristaliza num verso
E no choro trinado da guitarra
Hei de te amar
De um amor-alma
Sem corpo e etéreo
Em vida e espírito
Somente
Hei de te amar
Amor absoluto, impoluto
E com ele findar
O resto dos meus dias
E preencher o meu estro
Hei de te amar
Quando já não houver
Corpo
E os olhos se fecharem
E toda eu for só alma
sábado, 12 de janeiro de 2019
Crónica de Maus Costumes 114
Ser ou não ser feliz
eis a questão!
-
O meu pai diz que tenho de ser médico ou engenheiro e o teu?
- O meu diz
que tenho de ser feliz.
Fui surpreendida por este breve
diálogo, acompanhado de uma imagem bastante sugestiva e contemplada,
naturalmente, com imensos “likes” na rede social mais usada pelos mais
velhotes, a confiar nos meus filhos…
Estagnei perante a mensagem. Naturalmente,
todos os progenitores que se prezem querem que os seus filhos sejam felizes. Eu
também, obviamente. Depois de refletir um pouco, chego à conclusão de que nem
uma nem outra premissa serão corretas, mesmo tendo em conta que tais desabafos
serão tidos a pensar no que será melhor para os filhos.
O
primeiro, mais facilmente se percebe o desacordo. Ao desejar que um filho seja
isto ou aquilo mais não se está a fazer do que a projetar as nossas ambições goradas
nos descendentes. Os filhos são pedaços da nossa alma, mas não são a nossa
extensão, portanto, eu quero que os meus sejam aquilo que quiserem ser e que se
sintam realizados profissionalmente, apenas. Preferencialmente, que lhes
permita também algum desafogo económico, no sentido de poderem ter uma vida
digna com o mínimo de conforto. Quanto ao ser feliz, a história é outra.
Obviamente que os quero felizes, porém, será de uma inconsciência atroz pensar
que os filhos que nós tanto amamos e protegemos com todas as nossas forças
serão sempre felizes. Isso não existe, basta olhar para as nossas vidas.
Poder-se-á ter uma vida maioritariamente tranquila, sem grandes sobressaltos,
mas a dor e a perda fazem parte dela. Inevitavelmente. Certamente, os meus
filhos, como todos os humanos, terão momentos, segundos, de verdadeira e pura
felicidade que poderão cristalizar para que os acompanhem ao longo da vida. Por
isso uma mãe se lembra tão bem da primeira vez que olhou os rebentos e os
segurou nos braços, ainda na refrega do parto. Esquece a dor, se a houve, e dá
primazia à emoção do momento mais feliz de toda a sua existência, porque nada
lhe é comparável. Absolutamente nada. No entanto, esses instantes de êxtase só podem
ser eternos meramente na memória. A vida também é feita de perdas e de derrotas
que temos de saber suportar e superar. Ninguém é feliz o tempo todo e
dizer-lhes: quero que sejas feliz é incutir-lhes a ideia errada de que esse
estado emocional de extremo bem-estar é possível a todo o momento. Prefiro
dizer que quero que os meus filhos sejam resilientes. A probabilidade de serem
felizes mais tempo será maior. Esta qualidade implica saber lidar com o
fracasso, levantar-se do chão as vezes necessárias, ter dois dias de depressão
e de autocomiseração, mas reerguer-se ao terceiro, não se dando por vencidos. Implica
pensamento, racionalização e inteligência emocional. É não virar a cara à luta,
mas saber também quando é hora de desistir, de largar, porque há circunstâncias
em que uma perda pode ser ganho!
Depois,
obrigatoriamente, deveríamos questionar o conceito de felicidade. Aconselho
vivamente Zygmunt Bauman, que a propósito da felicidade, diz que “para cada ser
humano há um mundo perfeito feito para ele ou para ela”. Significa que a
felicidade deve ser construída por cada sujeito e que a receita é individual e
só pode ser encontrada por cada um de nós. A mesma receita não serve para
todos. Poderei também lembrar Mário Sérgio Cortella que indica a máxima
filosófica para definir felicidade: realidade menos expetativa ou como “instantes
em que se sente que a vida nos está a levar ao máximo”. “A felicidade não é euforia,
não é consumo, é simples e se não for simples não é felicidade, é inchaço.”
Também
quero que os meus filhos sejam felizes, mas antes devem compreender que esse
caminho é construído por eles, na sua individualidade. Devem saber que uma vida
feliz não elimina a dor e que, portanto, é preciso que tenham a resiliência
para a superarem e persistirem na busca.
Finalmente,
é importante que compreendam o que é essencial. O essencial é distinto do
fundamental. O essencial será o amor, a amizade, a lealdade, a sexualidade,
entre outras coisas e nunca o dinheiro, porquanto este possa comprar a ternura,
mas não o amor; poderá comprar a reciprocidade, mas não a amizade, poderá
comprar o sexo, mas não a sexualidade. Então, o dinheiro poderá ser fundamental,
mas não essencial e a felicidade advém do essencial, pelo que não pode ser
comprada, ofertada como algo que está sempre à mão de semear, tem de ser
construída por cada um, com as ferramentas que este conseguir reunir ao longo
do seu trajeto existencial.
Nina
M.
sábado, 5 de janeiro de 2019
Trago uma alma cansada
Trago uma alma cansada
A viver fora do peito
Anda exausta amargurada
Escolheu-me para seu leito
Em constante sobressalto
Alaga à sua passagem
Tudo o que vê do alto
Guerreira faz-se coragem
Que encontra entre iguais
À angústia presta vassalagem
Faz das alegrias ais
Irreverente nostálgica louca
saudosa do sonho que não viveu
Divaga gruta cavernosa
Cisma persistente e vagarosa
Rasga o ventre de onde nasceu
Invejosa da paz alheia
Quer sorver o mesmo remédio
Engana-se, pobre Circe
Está presa ao seu mistério
Crónica de Maus Costumes 113
Procrastinação Emocional
Primeira
crónica de 2019! Falhou a última de 2018, pelo que peço desculpa aos leitores
habituais, mas a alma às vezes entra em procrastinação emocional e também tem
direito aos seus retiros! Na verdade, foi mais por falta de oportunidade,
vivenciou-se muito e escreveu-se menos.
Tem
sido uma época especial, como é sempre a época natalícia. Este ano, serviu para
brindar a amizade longa e forte, que se propaga pelos anos fora e que, apesar da
distância não se extingue. É engraçado verificar e olhar para trás e recordar o
passado com algum saudosismo, porque é trazido com felicidade. Não somos as
mesmas, já. Nem eu nem ela, mas o essencial permanece. Um laço criado há mais
de vinte anos sem o menor soluço ou tropeço que a pusesse em causa. Já uma
altura referi que a amizade é uma forma sublime de amor, porque se for
verdadeira é livre de interesse e zela-se sempre pelo bem-estar de quem se quer
bem. Ficou encontro marcado para o verão. Desta vez longo, para matar saudades
que são sempre imortais, bem diferente da frágil condição humana. A consciência
de que não nos teremos eternamente deveria fazer com que arrepiássemos caminho
na pressa quotidiana, porém, é sempre mais fácil falar do que haver um
comprometimento sério para encontrar as soluções necessárias que travem o ritmo
louco e alucinado em que vivemos e que não nos deixa tempo para o que é
essencial, a começar pelo encontro com a nossa interioridade, quanto mais com
amizades que não desaparecem.
Segundo Pascal, o Homem precisa do
divertimento para escamotear as suas misérias. Se o Homem for confrontado
consigo mesmo de forma séria e imparcial é capaz de descobrir algumas coisas
sobre si de que não gostará, como a infelicidade. O divertimento, o tumulto e o
ruído são, por isso, uma forma de alienação. Compreenda-se a palavra na aceção
filosófica do termo: afastamento de si mesmo. Não gostando do que vê, o homem
aliena-se de si, refugiando-se na diversão. Confesso que uso pontualmente esta
estratégia, quando a procrastinação e o cansaço emocionais se tornam mais
difíceis de suportar. Devo, porém, deixar a ressalva de que pouco adianta,
apenas concebe uma folga e alarga a malha que nos estrangula momentaneamente,
porque mais tarde ou mais cedo o confronto com o “eu” terá de ser feito, a
menos que se consiga fazer a proeza de transformar a vida numa festa constante.
Não é o caso. Preciso do recolhimento, da solidão escolhida e do silêncio onde
me reconheço e onde me encontro. É aí que sempre vejo a minha interioridade com
mais rigor e nitidez, nem sempre com facilidade e muito menos com entusiasmo. Gosto
de fazer este exercício e de ter esta exigência constante.
Li
algures que não devemos ter a vaidade de nos considerarmos bons, mas antes
tendencialmente bons. Concordo. Sempre que damos algo por adquirido está-se a
um passo da derrota. Temos de ser polícias de nós mesmos para que o bem surja
cristalino e fresco. Ninguém admite o ciúme, a pontinha de inveja, a
mesquinhez, mas ninguém está imune a emoções menos nobres que devem ser
monitorizadas para as podermos banir. Desta forma, quem se considerar uma
pessoa de bem está a um passo de relaxar e fazer menos do que o que deve, uma
vez que se considera que o objetivo já foi alcançado.
Esta
semana ouvi um elogio muito bonito que guardei cuidadosamente, porque alguém me
elegeria como irmã se pudesse escolher uma. Não se fica indiferente a estas
palavras e uma pontinha de vaidade surge, mas que deve ser eliminada de
imediato, para cumprir com a ideia de que todos seremos apenas tendencialmente
pessoas de bem, mas que é preciso fazer mais e melhor, para que a bondade possa
ser uma realidade efetiva e não apenas uma potencialidade.
É
deste comprometimento de que a amizade e o amor necessitam para que possam
subsistir. Brindemos a ambos para que se imponham no ano que agora desponta.
Nina
M.
Subscrever:
Mensagens (Atom)