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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Novo Ano

 Não sou Drummond, poeta ilustre!

 Não sei fazer votos de novo ano

 Desejo sempre o mesmo com receio 

 De ferir a coerência: o mesmo do ano anterior

O mesmo aos seus sucessores futuros:

Nada!

Nem é o tempo que vem e que passa

Antes eu que nele se esgota...

Nada! Nada anseio nem nada dele espero.

Zero!

Apenas poderei esperar de mim

E de minha miserável condição...

Certo dia arrombou-se a porta por dentro

Vi com espanto a poesia...

E depois de saber o conhecimento

Jamais desejei a ignorância

Nunca mais fui quem era...

Por becos, ruas e vielas

Há um ser que procura ser no mundo

Ah! Minha lúcida loucura!

(Meu Sísifo, meu Torga!)

Procuro a minha verdade mais pura

Tão mais angustiada quanto necessária

E caminho por mim dentro em mim caída

Vasculho-me e perco-me e encontro-me

Para ti me dirijo sempre, ó verdade de mim,

E serei feliz. Assim!

sábado, 26 de dezembro de 2020

Natividade e Requiem

Nasci ainda agora

Na flor desabrochada

No sol que rompeu por

Entre os novelos de algodão

Ou na espuma leve das ondas 

Desfeita ao oscular a areia

A marcá-la com a sua seiva

E morri tantas outras outras vezes

Em derrotas indesejadas

Em vitórias fracassadas

Por nunca serem as da minha escolha

Morri ao ver-te partir

Ao acenar do teu braço longínquo

E renasci a cada madrugada

Em que a preguiça me visita

E me toma conta do corpo

Cheio de viço e de projetos

Arrasto-me na lassidão quente dos lençóis

E sei-me viva e renascida

Para morrer de seguida

A cada voltar de página do jornal

Que se esquece pousado em qualquer banco

A todo o instante em que se liga o botão

De contar a história do homem e a sua podridão

E vivo novamente nas páginas de um livro

Escolhido ao acaso ou oferenda de alguém

E se é oferta consola e renasço duplamente

Na poesia esquecida ou no filme que dela fala

E que é ela transformada em coisa de se ver

Sou vida e morte a passar pelos dias

Como qualquer simples mortal

Quem louco terá julgado nascer e morrer apenas uma vez?

Nasço e morro nos teus braços

Nasço e morro no meio de cansaços

Nasço e morro sempre outra vez

Até ao requiem final 

Escolha que alguém fez

Crónica de Maus Costumes 212

 L’enfer c’est les autres

Diz Jean-Paul Sartre e tem razão, porquanto os outros sejam, muitas vezes, o nosso espelho. Na verdade, o inferno somos nós em confronto com o outro. A admissão de que a existência perde a sua validade ou o seu sentido sem o outro dá cabo das pretensões de qualquer um.

Não existe mãe sem filhos, marido sem esposa, filhos sem pais, professor sem alunos, escritor sem leitores, artistas sem público… Então, não existimos sem a alteridade, o que não deixa de ser estranho, porque possuímos uma essência individual e única e que não é partilhada. Porém, poderia essa essência ser verdadeiramente sem o outro, ainda assim? Eis o fundamento da necessidade da alteridade para podermos ser. Difícil é o equilíbrio entre a alteridade e a interioridade nas relações… Precisamos do outro para ser, mas ele tem direito à sua essência única e exclusiva também. O jogo de equilíbrios, de respeito, de tolerância e de aceitação dificultam as relações interpessoais, transformando-as, muitas vezes, numa luta absurda de imposição do ser.

Ocorreu-me esta ideia enquanto lavava a loiça, depois de ler um artigo em que dava a conhecer o número absurdo de escravização dos seres humanos, a que assistimos neste mundo, apesar da abolição da escravatura… Culpavam-se as políticas neoliberais (das quais não sou fã) pelo sucedido. Em abono da verdade, o capitalismo selvagem promove essas situações. Essas circunstâncias nefastas ainda não foram minimizadas pelos países mais ricos, porque os interesses económicos sobrepõem-se aos direitos humanos, que deveriam ser prioritários. Escusado será dizer que as mulheres e as crianças são os dois grupos mais vulneráveis, onde a escravização para a oferta de serviços sexuais tomam a dianteira. O facto de esses negócios e de essas práticas existirem não veicula ninguém a esse tipo de consumo. É um problema tão grave quanto o do traficante e o do consumidor. Não existiria tráfico se não houvesse consumo nem consumo se não houvesse tráfico. Não me parece que o problema seja de fácil resolução, uma vez que existe desde que o mundo é mundo, apesar dos progressos inegáveis nessa matéria. Não é, portanto, justo nem intelectualmente honesto, culpar meramente o sistema capitalista pelo problema. É um problema transversal aos sistemas políticos e que reflete o facto de o Homem não ser capaz de ser humano! É um problema que advém da falta de reconhecimento do outro! É um problema que confronta o agressor consigo mesmo, transformando-se no monstro violento, porque subjuga a vítima. Só é agressor, porque existe uma vítima.

A falta de consciência de que somos nos outros e com eles, de que somos a forma como nos projetamos nos outros, de que se é na alteridade e de que sem ela não passamos de existências inócuas, conduz o Homem a esse descomprometimento tolo, presumido e nefasto.

Só o caminho do amor ao outro como projeção do amor a nós mesmos poderá ajudar a solucionar o problema. Como plantar a semente e disseminá-la? É preciso educar para o respeito, para a tolerância, enfim, para o amor, numa sociedade que promove cada vez mais a competição desenfreada, a inveja, a aniquilação do outro, entendido como sombra, esquecendo-se de que sem ele não existe verdadeiramente o eu!

Nina M.

 

 

 

 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Tarde

 É tão tarde!

Espero embalada pelo vento
Fustigada pela chuva lá de fora
E eu quente de alma nua sob os lençóis
Onde te espero para regressar ao ninho
Ao meu lar...
Há um cansaço em mim que impede o sono
Clamo por Morfeu
Que me leve e me salve da agitação dos dias
Quero dormir...
Demasiado embutida no espírito
Recuso o dia e o sol por saber da lua
E de estrelas mais brilhantes
As mesmas com que me traçaste o caminho
Cerro os olhos.... Com força... Impiedosamente até sentir remelas
E tudo o que sinto me impulsiona para ti
Pulsação vibrante e a cabeça a latejar
Deitas-te sobre mim em versos
Soltos que transbordam revoltosos
Da demora, talvez...
E desta fadiga incessante à qual procuro o fim
Só tu me resgatas e me devolves a mim!


sábado, 19 de dezembro de 2020

Crónica de Maus Costumes 211

 

Cansaços de final de período

                Esta semana, soube que uma colega estava gravemente doente. Descobriu-o numa consulta e com exames de rotina. Sem esperar e sem qualquer aviso prévio, entrou no hospital a 25 de novembro e ainda lá continua.

O coração adoeceu e cedeu. O cansaço era desvalorizado e atribuído à idade, que apesar de não ser ainda muita, começa a pesar. Felizmente, há muita coisa que se conserta com a medicina e ao ouvi-la falar, antes da sua longa cirurgia, parecia que estávamos a conversar sobre o carro que vai ao mecânico, porque precisa de válvulas novas. O coração dela também precisou de algo novo, modelo exclusivo e feito à medida, o que explicou o tempo que permaneceu no hospital sem visitas até à data da cirurgia e assim continua. Oxalá não as possa ter, porque na situação atual, as visitas existem apenas para os familiares se despedirem dos que partem. Venham rapidamente as vacinas para que as vidas de tantos possam voltar às rotinas pré-covid. Esta minha colega convenceu-me a participar no programa da AFS e assim proporcionou-me a oportunidade de conhecermos a nossa italianinha, a nossa Gaia, com nome de deusa, que significa a Terra mãe. Com receio do que este ano nos pudesse reservar, decidimos não acolher ninguém. Seria uma responsabilidade terrível e a precaução venceu, porém, a Fátima, destemida, tinha uma italiana em casa… Depois, a vida, que tem tanto de surpreendente quanto de terrível, trouxe-lhe uma italianinha com um pai cirurgião, que fez questão de falar com os colegas portugueses para partilharem conhecimentos e opiniões. Este episódio é tão extraordinário e tão ternurento, apesar do momento difícil, que as famílias jamais o esquecerão. A menina, que já regressou ao seu país natal, pôde despedir-se de quem tão bem a acolheu, com todas as precauções e cuidados, obviamente. Motivo para felicitar o humanismo do gesto, que possibilitou a despedida a ambas. Histórias como esta lembram-nos a nossa fragilidade e as circunstâncias que vivemos tornam tudo mais difícil! A minha colega passou por uma cirurgia de onze ou doze horas sem o conforto presencial dos que ama. Tinha o telemóvel, mas nunca é a mesma coisa e eu que a senti esperançosa, mas assustada, por saber da delicadeza do arranjo da máquina, dou comigo a pensar na matéria perecível e fraca de que somos feitos…

Surge um cansaço… A moléstia de final de período, mas que me deixou particularmente exausta, este ano (eu, normalmente enérgica e que não o costumo acusar desta forma)! A necessidade e a vontade extrema de me desligar de uma boa parte do mundo, preferencialmente, sem confinamento e fora de casa, que me começam a moer, que me obrigam a adiar planos e visitas que gostaria de realizar, porque o tempo é um bem precioso a não desperdiçar e a única coisa que poderei comportar comigo é a sabedoria e o acervo de experiências... A primeira não é muita, sempre aquém do desejável e a segunda, difícil de concretizar, nos tempos em que vivemos. O aborrecimento de ver os motivos que me levam a trabalhar muito adiados, porque sem isso a correria não faz grande sentido e só me rouba tempo para mim e aos meus… Cronos. Sempre Cronos, esse deus implacável que não se compadece das urgências dos mortais… Deve ser da idade e do tempo que aflora a irritabilidade, mas a ausência dos que amamos e dos seus afetos transtornam-nos o espírito. É necessário aguentar, mas a ausência e os adiamentos são uma fadiga contínua.

Fátima, espero que recuperes rapidamente e que possas regressar aos teus. Se tiver que ser ainda em confinamento, que o seja em tua casa.

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Crónica de Maus Costumes 210

 

Teísmo, ateísmo e a infinita estupidez humana

Hoje passou-me diante dos olhos um texto de um ateu encarniçado que me deixou a pensar… Dividia o Homem em duas espécies: “homens inteligentes sem religião e Homens religiosos sem inteligência”, fazendo de todo o crente um estúpido. Eu considero apenas haver homens inteligentes e outros menos inteligentes, independentemente da sua crença ou do seu ateísmo. Não resisto ao sarcasmo: Pobre Kierkegaard! Foste um tonto! Talvez só um iludido!

Tal como ele (o autor do texto que li), facilmente reconheço que numa era em que o conhecimento e a ciência chegam às massas, há dogmas que passaram a ser questionáveis à luz da razão. O senhor afirma-se um ser livre, ateu e sem alma (porque esta não existe) nem espiritualidade, afirmando-se feliz no seu ceticismo. Ainda bem que se afirma feliz, porque o texto estava impregnado de um tom amargo. Nem os agnósticos lhe escapam, pois a seus olhos, mantêm-se numa posição confortável de nem serem peixe nem carne, mediante a ausência de provas que confirmem a existência ou a inexistência de Deus. Tal como Nietzsche e, mais tarde Sartre, as entrelinhas sugerem um apelo à responsabilidade existencial sem a crença na bengala de uma entidade superior que nos ampara na queda. O total assumir da responsabilidade dos nossos atos, sem esperar um céu redentor ou um inferno castigador após a morte. A assunção do corpo pelo corpo e da matéria pela matéria e a aceitação da morte como o fim de tudo, o niilismo absoluto.

Talvez traga maior responsabilidade viver desta forma, porquanto a questão do sentido da vida ganhe uma dimensão exponencial. Na verdade, essa questão passará a ser o cerne da existência e do sentido dela. Ariano Suassuna, escritor brasileiro, afirmava-se crente por não lhe restar outra opção. Ou isso ou seria um desesperado, afirmava. Não sei se li desespero, mas uma certa ira é percetível, não sei se verdadeiramente causada pela estupidez dos crentes se pela inevitabilidade da sua pequenez e da sua fragilidade. A verdade é que sermos reduzidos ao nada e ao vazio dói. Não nos deixa margem para o erro e para o absurdo em que tantas vezes as nossas vidas se transformam. Lembro-me de um excerto belíssimo de “A Saga”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, conto para todas as idades (dizem que é infantil, mas eu não acredito ou serei eu ainda criança), que nos ensina isto: “E Hans compreendeu que, como todas as vidas, a sua vida não seria a sua própria vida, a que nele estava impaciente e latente, mas um misto de encontro e desencontro, de desejo cumprido e desejo fracassado, embora, em rigor tudo fosse possível. E compreendeu que as suas grandes vitórias seriam as que não tinha desejado e que, por isso, nem sequer seriam vitórias.”

Face ao incumprimento da vida, não será natural o Homem procurar o alto? A espiritualidade sempre fez parte do ser humano. Não serão a literatura, a música e as artes a expressão do divino no homem? A máxima expressão da beleza… Não Devemos confundir sistemas religiosos com espiritualidade. Não concebo a existência humana sem estas manifestações que nos sublimam nem a vida sem a criação do espírito.

Talvez Deus, a existir, possa não ser uma entidade exterior a nós, mas a ideia residente que nos empurra para a transcendência. Talvez seja o amor que carregamos e, por isso mesmo, nos seja possível amar o próximo… Ou talvez não seja nada disto, porque nos colocaríamos a questão de haver gente com um Deus gigante dentro de si e outras à míngua…

Segui o conselho do senhor: “Sábio é aquele que formula para si próprio perguntas inteligentes em que questiona certos valores e crenças, procurando as respostas verdadeiras.” Não sei. Há tanta coisa para a qual não encontro resposta… Porém, não sou sábia, logo o erro estará na perguntas, que também não serão inteligentes…

 Se a mensagem for válida e humana eu já gosto, assim como gosto do Deus-menino vindo à terra para a povoar com a sua inocência, a lembrar-me do poema de Alberto Caeiro em que Jesus é a criança que corre, brinca e rebola na relva, que vive no nosso seio…

Não. Nem todos os crentes são estúpidos. Serão mais esperançados, mais oníricos, menos pessimistas e não creio que se sintam desobrigados de se cumprirem nesta vida finita.

Cito Soren Kierkegaard: A fé começa precisamente aonde acaba a razão.

 

Nina M.

 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Não sei se é inquietude

 Não sei se é inquietude

Angústia ou alma transbordante

Se alegria de um instante

Sei da folha fria e vazia

Templo sagrado de palavras

A censura não cabe neste altar

Seria grande a heresia

Traição à bela poesia

A escolha meticulosa de palavras

Para o nada ou o tudo escamotear

Escreve-se como quem canta

Num rasgar de alma aberta

Em timbre alegre ou melancólico

A soltar uma voz que aperta

Escreve-se como quem narra

Histórias de mil ficções

Sem importar se é a verdade 

Que veste as emoções

Tudo o que sai do pensamento

Seja verdade ou ilusão

É autenticamente pintado

Não se verga à contenção

Os que leem poesia

Como almanaque agrícola

Condenam-se à fantasia

À triste figura ridícula

De não beber as metáforas

Da fonte de Hipocrene

De não saber que as palavras

Escondem ou desvelam

O seu sentido perene





sábado, 5 de dezembro de 2020

Sinto a tua mão no meu rosto

Sinto a tua mão no meu rosto
Carícia quente que recebo a gosto
Caem os meus olhos nos teus olhos 
Paraísos resgatados do tempo
Memórias preservadas, sentimento
A florirem, os teus lábios
Oferecem-se aos meus
No abraço apertado
Desfaz-se o receio
Tudo é poesia, vago anseio





Crónica de Maus Costumes 209

 

Quando os filhos são fonte de inspiração.

- Ahahahah, Mãe! Adoro-te, sabias?!

- Até onde? Daqui à lua e volta?

- sim.

Vem o mais velho…

- Eu amo-te muito, mãe.

- Até à lua também?

- Huuummmm…. Até à Andrómeda! (Mal ele sabe que a mãe já lá esteve muitas vezes, na sua juventude – numa das discotecas da cidade onde estudou).

- E isso é longe, filho? (Sorria sem que ele visse).

- É outra galáxia, mãe!

- Ah! Então é amor suficiente – respondi.

- Sabes, mãe, tenho muito orgulho em ti - replicou.

- Porquê? – Perguntei.

- És muito trabalhadora. Estás sempre a trabalhar. Estavas a corrigir coisas e ainda vais fazer a crónica…

Ri-me.

- Que remédio! – Disse. Temos de trabalhar.

- Olha, mas tenho orgulho, porque podias escolher ser vadia, que eu sei que há mulheres assim… Que não querem saber de nada… Nem dos filhos…

- Ai é? Então e os homens? (Perguntei para saber se haveria alguma questão de género para resolver…)

- Esses? Ainda há mais! Olha, só querem beber e droga e não trabalham, mas o pai também não é assim.

- Pois não, respondi. Se assim fosse não era casado comigo.

- Porquê? Descasavas-te?

- Divorciava-me. É assim que se diz. Ou nem teria casado. Precisamos de quem nos ajude, não de quem nos prejudique.

Terminamos o diálogo com “ainda bem que nesta casa o único preguiçoso é o filho. Assim as coisas correm bem.” Riu-se e retirou-se.

Detesto o papel de mãe babada. É natural que todas as mães sintam orgulho na prole, mas quando é exagerado, soa-me a gente vazia que se apraz apenas com a conquista dos filhos, o que poderá significar que já não têm nada para conquistar por si. Sobrará, tarde ou cedo um vazio muito difícil de preencher. Não resisti, porém, a eternizar o momento doce e as declarações amorosas deles. Naturalmente, também lhes faço muitas e gosto de aproveitar estas, enquanto o pudor não os impede de desbragarem a alma. Com a idade ficamos mais contidos, mais austeros e carregamos um amor envergonhado de pais para filhos e vice-versa. Lembro-me de ser meiga com os meus progenitores, principalmente, com o meu pai a quem me lembro de beijar incessantemente. Não acompanhava o gesto com palavras. Penso que no meu tempo (e já pareço alguém muito idoso a falar) o amor era posto em gestos e não em palavras. Há quem diga que é o que verdadeiramente conta, porque as palavras, levam-nas o vento, porém, para mim, elas têm um valor especial e não devem de todo ser desperdiçadas. No entanto, se o amor é real pode ser dito também, porque lhe acrescenta beleza e transcendência. Não me lembro de ouvir os meus pais dizerem que me amavam, mas não duvido um segundo do amor deles. Sempre dispostos a deixarem as suas coisas para auxiliarem os filhos, antes de tudo.

Hoje, com os seus 82 anos, o meu pai passou por cá, devidamente mascarado e numa visita rapidíssima, para entregar um bolo-rei fresquinho, acabado de confecionar na pastelaria de confiança e os rebuçados da tosse de que os netos tanto gostam. É uma forma de contar o seu amor. Sei-o aliviado por ter ouvido as notícias e sentir que não lhe roubam o Natal, a companhia da filha e dos netos (sempre certos na noite de consoada) e quem sabe de todos, no almoço do dia vinte e cinco, conforme a usança. Por mim, assim que possa, refugiar-me-ei o mais que puder em casa. Deixar que passem uns dias para vermos se há o Natal habitual.

Leio-lhes nos olhos a preocupação e a saudade. O afastamento e a ausência cansam, principalmente aos que sabem ter um futuro bem mais curto que o passado. Verem-se privados, nesta altura da vida, do que lhes faz bem e do que os deixa felizes é tornar o tempo que lhes sobra mais insípido e mal passado…

Os netos anseiam tanto quanto os avós pela festa em família… Seja por palavras, seja por gestos, o amor familiar faz-se presente, tal como deve ser.

 

Nina M.