Acabei de revisitar a crónica de Lobo
Antunes (das quais sou fã) de dezembro de 2016. Saí de lá emocionada. Digo que
saí, porque há textos tão intensos, belos, verdadeiros e que nos tocam tão
profundamente a alma, que entramos e nos enredamos neles. As crónicas desse
senhor fazem-me mergulhar no seu interior e, quando de lá saio, trago sempre algo
comigo.
O texto de que falo revela uma espécie
de despedida consciente do irmão. Sem grandes palavras trocadas, sente-se todo
o amor que os une e que não precisavam de verbalizar, pelo contrário. Havia um
pudor e um estoicismo nas ações de ambos que garantem a coragem de enfrentar a
morte que sabem que se aproxima. O João, depois de entrar no táxi para ir
embora, deixou, inadvertidamente, cair umas lágrimas, pedindo ao irmão que não
dissesse a ninguém que o tinha visto chorar. A mim soou-me a ordem.
Interrogo-me se João Lobo Antunes acreditaria que a sua profissão de médico o
deveria preparar melhor para o momento da partida, não se autoconcedendo o
direito de se emocionar, sob pena de se autorrotular de lamechas. Talvez seja a
vontade férrea de a enfrentar, como diz o irmão, com coragem e dignidade.
Percebe-se uma fragilidade digna ao longo de todo o texto, que nos lembra a
nossa própria e nos faz pedir a capacidade de sermos assim, dignos, já que a
debilidade é garantida.
Há uma admiração, ternura e respeito
mútuos escondidos no reverso de cada palavra que nos preenchem o coração. É
mais do que amor. O amor que sentimos pelos nossos familiares não é grande
virtude. Os laços de sangue e a convivência por si só quase o garantem, a menos
que sejamos psicopatas. Falo de um amor que se reveste de assombro pelo outro.
Percebe-se que estes irmãos, não querendo ocupar o lugar do outro, revê nele o
seu herói, a figura mítica que existe apenas nos livros, pela sua
excecionalidade, pela sua dimensão tão perfeita, que nos parece intangível. É
assim este amor fraterno, tão cheio de tudo que dispensa palavras.
Pelo que li, sei que apesar da partida,
o António comporta consigo o irmão João. Na realidade, ele nunca saiu do lugar
onde sempre esteve e onde permanece: no seu coração e na sua memória. Assim, é
justo admitir que o João, para o António, é imortal.
Para mim, o António também será imortal.
Deixa um legado impressionante à humanidade. Gostaria que as suas crónicas
fossem compiladas e reunidas em volume. É uma chatice ter que acumular “visões”
empilhadas para lhe saborear as palavras. Gosto tanto do Antunes das crónicas!
Mais do que o dos romances. Já o tinha dito.
Nina M.
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