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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 26



Acabei de revisitar a crónica de Lobo Antunes (das quais sou fã) de dezembro de 2016. Saí de lá emocionada. Digo que saí, porque há textos tão intensos, belos, verdadeiros e que nos tocam tão profundamente a alma, que entramos e nos enredamos neles. As crónicas desse senhor fazem-me mergulhar no seu interior e, quando de lá saio, trago sempre algo comigo.
O texto de que falo revela uma espécie de despedida consciente do irmão. Sem grandes palavras trocadas, sente-se todo o amor que os une e que não precisavam de verbalizar, pelo contrário. Havia um pudor e um estoicismo nas ações de ambos que garantem a coragem de enfrentar a morte que sabem que se aproxima. O João, depois de entrar no táxi para ir embora, deixou, inadvertidamente, cair umas lágrimas, pedindo ao irmão que não dissesse a ninguém que o tinha visto chorar. A mim soou-me a ordem. Interrogo-me se João Lobo Antunes acreditaria que a sua profissão de médico o deveria preparar melhor para o momento da partida, não se autoconcedendo o direito de se emocionar, sob pena de se autorrotular de lamechas. Talvez seja a vontade férrea de a enfrentar, como diz o irmão, com coragem e dignidade. Percebe-se uma fragilidade digna ao longo de todo o texto, que nos lembra a nossa própria e nos faz pedir a capacidade de sermos assim, dignos, já que a debilidade é garantida.
Há uma admiração, ternura e respeito mútuos escondidos no reverso de cada palavra que nos preenchem o coração. É mais do que amor. O amor que sentimos pelos nossos familiares não é grande virtude. Os laços de sangue e a convivência por si só quase o garantem, a menos que sejamos psicopatas. Falo de um amor que se reveste de assombro pelo outro. Percebe-se que estes irmãos, não querendo ocupar o lugar do outro, revê nele o seu herói, a figura mítica que existe apenas nos livros, pela sua excecionalidade, pela sua dimensão tão perfeita, que nos parece intangível. É assim este amor fraterno, tão cheio de tudo que dispensa palavras.
Pelo que li, sei que apesar da partida, o António comporta consigo o irmão João. Na realidade, ele nunca saiu do lugar onde sempre esteve e onde permanece: no seu coração e na sua memória. Assim, é justo admitir que o João, para o António, é imortal.
Para mim, o António também será imortal. Deixa um legado impressionante à humanidade. Gostaria que as suas crónicas fossem compiladas e reunidas em volume. É uma chatice ter que acumular “visões” empilhadas para lhe saborear as palavras. Gosto tanto do Antunes das crónicas! Mais do que o dos romances. Já o tinha dito.
 Nina M.











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