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sábado, 27 de fevereiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 221

 

Pandemia e cretinices

O meu pai fez, recentemente, 83 anos e a minha filha faz este domingo, dia 28, dez anos. Quatro dias separam as datas de aniversário de avô e neta, de modo que, mais por causa da pequena, quando os aniversários são durante a semana, celebram-se ambos no fim de semana, em família.

Este ano, por motivos óbvios, não se pode fazer o mesmo. Haverá o bolo de aniversário, os primos do outro lado do jardim e os avós numa visita rápida à neta, mas faltará o tio e padrinho e o outro padrinho adotado, que é meu afilhado, e ainda outros familiares habituais de quem se gosta, mas que não estarão presentes. Vivemos num tempo estranho feito de ausências e de saudade. Um tempo que nos tolhe os afetos, os abraços e a convivência. Um tempo que já levou a vida a muitos, que deixou a vida desarranjada a outros, que deixará marcas severas em todos e um país fragilizado. Todos sofremos. Todos nos sacrificamos e, por isso, aborrece-me sobremaneira o negacionismo de muitos, que insistem na gripezinha, o medo excessivo de outros que impede que se viva o melhor possível nas circunstâncias atuais, o egoísmo, a falta de empatia e a invejazinha do portuguesinho comum que ao invés de lutar, de tentar melhorar a sua situação, reivindicando os seus direitos, ameniza a sua frustração se o vizinho estiver nas mesmas circunstâncias. É uma mentalidade doentia e que potencia a mediocridade da nossa sociedade. Tenho lido críticas ferozes aos funcionários públicos, no sentido de os mimar com certos epítetos, desde preguiçosos a privilegiados, por continuarem a auferir o seu salário, no final do mês, como se a decisão de os manter em teletrabalho partisse deles e como se estivessem a receber o salário sem trabalhar!

            Compreendo e preocupa-me genuinamente a situação de muitos profissionais liberais. Tenho-os na família e há setores que estão a ser demasiadamente castigados. Os apoios são tardios e manifestamente insuficientes e o Estado tem falhado com os microempresários, que criam os seus próprios empregos e ainda dão emprego a terceiros. É lastimável que o Estado continue a desembolsar milhões para financiar uma banca moribunda e abandone quem trabalha e quem produz. Aceito que se considere demasiado perigoso manter determinadas atividades abertas, mas ao tomar-se essa opção, ao impedir que as pessoas continuem a laborar, então, o Estado tem a obrigação de as apoiar devidamente. São opções políticas e se não se assegura de momento os postos de trabalho, o dinheiro acabará por sair sob a forma de subsídios de desemprego e o país ressentir-se-á da crise inevitável. Este é o cenário pouco promissor e nada simpático que se avizinha. Assim, quando vejo as armas apontadas ao setor público em vez de se exigir a quem governa, fico verdadeiramente irritada. Nos momentos em que a economia floresce e a vida corre bem, não se lembram de que há muitos funcionários públicos que levam apenas o salário mínimo para casa, por exemplo. Não se lembram que o funcionário público não foge uma décima aos impostos, ao contrário de outras profissões. Essa gente é a mesma que bate palmas a médicos e enfermeiros (que por acaso são funcionários públicos também), mas que se os veem reivindicar por melhores condições de trabalho ou melhores salários são os primeiros a criticá-los. De modo que temos um país de gente que gosta de ver o seu vizinho bem de vida, desde que não esteja melhor do que ela mesma. Temos um país que organiza buzinões para reclamar do treinador que falha, mas que não organiza buzinões para reclamar do desgoverno. Pior! Um país que quando vê alguém a lutar por melhorar as suas condições laborais, aponta o dedo e estigmatiza, porque se julga sempre não haver motivos para reclamações. Somos um país muito solidário, mas apenas na tragédia e sermos todos iguais na desgraça e na pobreza, apanágio de muitos, eu dispenso, muito obrigada. Não caio, porém, no engodo da meritocracia, porque esta não existe em sociedades onde as assimetrias sociais cavam fossos. A escola, a esperança da ascensão social, não tem conseguido cumprir esse papel nos últimos anos e a pandemia dificulta ainda mais a tarefa. Não obstante, ela deveria ser somente um centro de saber e de desenvolvimento das competências dos seus alunos, zelando por uma formação holística dos mesmos. A escola não deveria ser a resposta aos horários desfasados dos pais, a resposta à fome dos seus alunos, a resposta à falta de cuidados parentais, a resposta à prática desportiva, entre tantas outras coisas. Exige-se à escola o que é da competência do Estado e das famílias. Em tempo de escolas fechadas, as falhas ficam a descoberto e os dedos são apontados aos mesmos de sempre. Como é habitual, de educação e de ensino todos sabem. Só não entendo como começa a haver tanta falta de professores, dado tratar-se de uma função que tantos julgam muito fácil, pouco trabalhosa e plena de privilégios!

            Espero pelo fim desta lenta agonia que nos rouba quem amamos e que em vez de nos tornar melhores seres humanos exacerba o que de pior em nós coabita.

 

Nina M.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Incógnita

Que nome tem a condição

 De te ter sempre comigo em toda a parte?

Tais coisas são de Marte!

Tais coisas não são de cá!

 De ver a tua alma na minha

 Fundida sem permissão

 Nem possível rejeição?

 E o meus gestos e trejeitos

 Que sem notares trazes ao peito

 Quem tos pôs lá?

 Tais coisas não são de cá!

 O teu sorriso acorda no meu

 Largas o cenho franzido

 És sol sem orgulho ferido

 Porque será?!

 Se tiver que ter um nome

 A espantosa situação

Será aquele que recordo

Sem que disso faça questão

Talvez seja isto amar-te

Ou será apenas arte...

Tais coisas não são de cá!


 

  


 

 


sábado, 20 de fevereiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 220

 

História e racismo

            Morreu Marcelino da Mata, figura da guerra colonial que não reúne consensos, para uns, vilão para outros herói. Para os portugueses combatentes, que tiveram que ir para a frente da batalha, sem que nada lhes fosse perguntado, terá sido um herói; para os africanos, um veneno, um traidor e um demónio! Crimes de guerra? Há quem diga que os cometeu. Há sempre atrocidades numa guerra, de todas as partes. Certo é que a sua morte volta a abrir a ferida nunca fechada do colonialismo português e do racismo.

            Julgo que está na hora de Portugal reconhecer os seus erros. Salazar deveria tê-lo reconhecido atempadamente. Não o fez e os que o seguiram também não. O resultado foi uma guerra colonial que se estendeu durante anos e uma descolonização mal feita, que obrigou ao regresso apressado de imensos portugueses, que vieram sem nada, como refugiados de guerra. Saíram de um país miserável, viviam com algum conforto nas colónias (bem mais do que os portugueses continentais) e regressaram à miséria abandonada. Foram absolutamente rejeitados por aqueles que nunca abandonaram o seu país. Eram cognominados de retornados, uma alcunha que quando pronunciada ganhava laivos de ressabiamento. Eram a gente que veio retirar postos de trabalho (muitos deles estatais) aos portugueses de gema que por cá se mantiveram estoicos, sem a coragem de partir ou a resiliência de ficar, conforme o ponto de vista.

            Uma guerra que deixou estilhaços por todo o lado: nos portugueses de cá, nos retornados e, sobretudo, nos povos autóctones das ex-colónias.

Está mais do que na hora de Portugal e os portugueses reconhecerem que o comportamento de povo colonizador e imperialista é inaceitável. Os povos dos territórios ultramarinos lutaram pela sua independência e autodeterminação, com toda a legitimidade e, na Guiné, a situação foi particularmente feia e difícil. Se devemos um gigantesco, sincero e contrito pedido de desculpa a todos esses irmãos? Devemos. Devemos saber olhar para dentro, não apagar a História e saber lidar com a culpa. É bom que a sintamos coletivamente, como povo. Eu, nascida já depois do 25 de abril, reconheço a todo o povo o direito à sua autodeterminação e peço a mais sincera desculpa pela política errada, pela mania de imperialismo (que só nos desgraçou), pelos desmandos dos meus antepassados, que não quero ver repetidos, mas antes repudiados.

            Portugal tem, assim, uma falha moral terrível para com todos estes povos e deverá fazer os impossíveis para que os descendentes deles, já nascidos aqui ou a quem foi atribuída a nacionalidade portuguesa tenham os mesmos direitos e deveres que qualquer um de nós, sem qualquer discriminação, conforme o consignado na Constituição da República Portuguesa. Mais considero ser um dever moral de todo o ser humano combater e repudiar o racismo. Entender definitivamente que todos pertencemos a uma única raça: a humana. Não há povos superiores ou inferiores. Somos iguais na carne e no sangue. Tomemos como exemplo os alemães. Leiam os testemunhos de filhos e de netos de soldados nazis que cometeram as atrocidades que todos sabemos. Assumem para si uma culpa coletiva e envergonham-se e pedem desculpa. São os primeiros a promoverem e a lembrarem a História da qual são os protagonistas horrendos, para que a sordidez não volte a triunfar.

            Não conseguimos mudar a História, mas podemos traçar um futuro diferente. O século XXI deveria servir para construir pontes ao invés de acicatar animosidades e polarizações. Para isso, é necessários que os intervenientes políticos sejam sensatos e tenham em atenção os discursos que proferem. Não é através do discurso do ódio que se combate o racismo. Não é a pedir o esquecimento da nossa História que o deveremos fazer. É a nossa identidade para o bem e para o mal. É necessário construir sobre o presente, sem apagar os dislates do passado. Pelo contrário, recordemos para sabermos que devemos fazer diferente. Assim, quando ouço um deputado da nação a sugerir que se elimine o Padrão dos Descobrimentos, não posso ficar mais horrorizada! Quer apagar as Descobertas? Foi mau ter-se descoberto o mundo? Obviamente, que não! Se me fala do que veio depois, da subjugação dos povos, da conquista de territórios, da escravização, obviamente, é inaceitável! Porém, lembremos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 1948! No século XVI essa consciência não existia! É necessário contextualizar acontecimentos. Faço questão de o lembrar aos meus alunos, de cada vez que abordo estas questões. Quando estudamos Os Lusíadas, costumo dizer-lhes que não foi com carícias que os portugueses “edificaram novo reino que tanto sublimaram”. Espero que o senhor Ascenso Simões não se lembre de pedir que o maior monumento da Língua Portuguesa seja retirado do programa ou de pedir que se elimine Álvaro de Campos, quando na sua Ode Triunfal fala da “invasão da Europa pelos bárbaros amarelos” ou que se elimine  "Mensagem” de Pessoa pelo tom épico, pelo espírito sebastianista e pela apologia do Quinto Império! Tranquilize-se, senhor deputado, este último império seria cultural e civilizacional, não territorial! Haja algum decoro e noção de decência, de cultura e de identidade! Fomos uns bárbaros? Fomos. Tal como os espanhóis, os franceses, os ingleses e os holandeses… Se me ponho a pensar na Itália e no que o Mussolini tentou fazer aos etíopes, também não saem bem na fotografia, os alemães… Nem por sombra! Os europeus foram uns estuporados bárbaros. Essa é a realidade, mas essa é também a História da Europa, que não convém apagar. É a mesma Europa que se bateu e bate pela defesa dos Direitos Humanos, é a mesma Europa que não admite nas leis reguladoras a discriminação com base na raça, religião ou política! É a mesma Europa que já inverteu a atuação e reconheceu o erro. É a hora de construir, não de destruir!

            Eu compreendo as palavras que senhora investigadora na área de sociologia dirigiu ao senhor deputado europeu Nuno Melo, esclarecendo que não existe racismo dos negros em relação aos brancos, considerando que racismo envolve um conjunto de políticas e de comportamentos económicos e culturais de subjugação de outro povo. Tendo em conta esta definição, fica claro que não existe racismo do negro para o branco, pelo simples motivo de aquele nunca ter tido o poder de submeter o caucasiano. Quanto aos preconceitos individuais, certamente terão e com razões de sobra para os terem. No entanto, quanto tempo mais a humanidade vai perder nesta troca de galhardetes ao invés de tentar encontrar as soluções que promovam a equidade e o bem-estar de todos? Quando vamos deixar de polarizar discursos que só acicatam ódios e começar a reunir em vez de apartar? É necessário, sim, erradicar o racismo cultural que persiste na sociedade portuguesa, mas é através da educação, do diálogo sereno, da sensibilização e da promoção da igualdade que isso se faz, não através do incentivo à destruição do nosso património cultural ou de intervenções que destilam ódio racial!

Haja decoro, senhores!

 

Nina M.

           

 

 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Parto

Gosto do jorro de água no chuveiro

Da quentura sobre a minha pele nua  

Lembra a corrente das águas em janeiro

A alma em febre numa lucidez crua


Sobre a pele caem as lágrimas 

Do cansaço. São do poeta em alvoroço

Se descreve o Homem vil e tão devasso

Projeto falhado de si mero esboço


Leva tudo água cristalina

As sobras insalubres deste peito

Deixa que essa tua ação divina

Me deixe só os versos ímpios sem defeito


Só assim derrubo os muros que me cercam

As barreiras invisíveis da cidade

Só as palavras que se namoram me confortam

E me trazem de volta a liberdade


É vida que de ti brota ávida

Um parto no fim da gravidez

Poesia assim em ti tão dissolvida

Amor por ti, minha eterna embriaguez












quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Despedida

 Não faço despedidas impossíveis

 Se sei que o meu tempo é sem medida

 Se para mim soa sempre a eternidade

 A tua repetida despedida 


 E a tua voz sempre será minha

 O nácar da tua pele o meu sol poente

 O amor que sempre soube que te tinha

 Será sempre a nossa emoção ardente


 Não faço despedidas improváveis

 Soariam a falsas ao primeiro recordar-te

 As dores que já foram tuas e também minhas

 Acalmam se me repouso a lembrar-te


Se esse amor sabe a muito ou sabe a pouco

Não o saberia medir dessa maneira

É da dimensão deste meu sonho louco

Da mania de querer a terra inteira


Morreria em mim se almejasse outro

Se apagasse a lava da minha alma

Ainda assim em mim se quedaria

A eterna despedida que não queria


domingo, 14 de fevereiro de 2021

S. Valentim

 Voa alto até mim nas tuas palavras
 Amor maior, porque tardaste tanto?
 Corre para serenares o meu pranto
 Beija a minha pele que a fogo lavras

 Deixa, Amor, os afazeres agora
 A vida exige-te que a mim te dês
 Deixa as angústias todas lá fora
 O que de nós brotou traz cor à tez

 Quero pousar nas pálpebras o beijo
 Enlaçar-te as mãos ao entardecer
 Amarrar-me a ti, fonte de desejo

 E bem de mansinho a tua alma ler
 É neste breve tempo o meu ensejo
 A ousadia de te poder ter
 
      


sábado, 13 de fevereiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 219

 

Falta de jeito…

            A distribuição de talento não é equitativa nem justa. Há muita gente que reúne uma plêiade de dons e parece que conseguem fazer tudo tão bem feito que nos deixam surpreendidos.

            Eu sou a irmã do meio de dois rapazes inteligentes. O mais velho, que nunca gostou de estudar e causou dores de cabeça à mãe, que teve de lhe dizer perentoriamente que o décimo segundo ano teria de fazer, independentemente do ofício que viesse a escolher. Poderia ser o que quisesse: pedreiro, marceneiro, carpinteiro, lavrador, mas teria de, pelo menos, saber falar corretamente, dizia-lhe. O meu irmão pode agradecer-lhe. Se não tivesse tido a mãe pouco democrática e dura, hoje, não teria a profissão que desempenha, porque, por sua vontade, faria o sexto ano (escolaridade obrigatória, na altura) e teria ido trabalhar. No seu décimo segundo, decidiu que ia acabar o ano com média de quinze para que as pessoas soubessem que não ia para a Universidade porque não queria e não porque fosse “burro”, dizia ele. Fez o mínimo (nunca foi de fazer o máximo na escola) e terminou com dezassete. Gostava era de bola e ainda hoje o tratam por Zico, batismo de tempo de escola e era mais conhecido do que o arroz de quinze. Mais velho do que eu quatro anos, na escola, eu era a irmã do Zico. Efetivamente, eu continuo a sê-lo e não me aborrece nada. Porém, tal tratamento, na altura, irritava-me um bocadinho, porque era por esse laço familiar que me reconheciam e não pela minha pessoa. De modo que quando entrei na faculdade, onde não era conhecida de ninguém, passei a ser a Sónia. Ponto. Deu-se a minha epifania.

Lembro os anos de faculdade como os meus melhores tempos. Fui verdadeiramente feliz. Obviamente, também houve situações menos agradáveis e menos positivas, mas que contribuíram para o meu crescimento e das quais, francamente, quase não recordo. Só se fizer um esforço por relembrar, mas como não sou masoquista, o que me vem à recordação são os momentos (tantos) bem vividos com os amigos. A nossa memória tem esta capacidade fabulosa de apagar o que nos magoou e resgatar as lembranças boas para tornar o nosso passado suportável e olharmos para ele com nostalgia. Rodeada por um grupo de amigos extraordinários, pessoas de boa índole e a quem recordo com um carinho tão grande que não sou capaz de expressar com inteireza: Anabela Marques, Eva Dias, Agostinho Lopes, Albano Melo, Armandinho, Zé Aleixo, o meu padrinho de curso - que me protegeu de muita praxe - Augusto Júlio, Isabel Ferreira, que gostava de praxar, mas que não conseguia fazê-lo com as duas caloiras de Paços de Ferreira, a Sandra Fernandes – com quem ainda hoje mantenho uma amizade inabalável de irmãs e ainda tantos outros nomes que aqui não estou a citar… Perdoai, mas refiro aqueles que primeiro chegaram até mim e com quem muitas vezes fui ao pão quente do lado de lá da ponte, depois de uma noite na discoteca, companheiros de almoços e, muitas vezes, jantares, na cantina de Codessais, quando não havia vontade de cozinhar. O grupo que invariavelmente se reunia no fim do jantar, na Metrópolis, porque nessa tenra idade não há frio impeditivo de sair! Numa das últimas vezes que passei pela “Bila” (vou amiúde a terras transmontanas, mas não exatamente à cidade), fui verificar se a cervejaria ainda funcionava. E sim, ainda existe o espaço. Renovado, com ares de modernidade, mas… Já nada daquilo me pertencia, nada daquilo era o meu espaço… Da Metrópolis ficou apenas a saudade. Recordo, então, essas amizades ingénuas e limpas, apesar de me moerem o juízo devido à minha cor clubística, por ser das poucas que tinha bom gosto (vá lá entender-se…), com imensa gratidão. Devo-lhes um profundo agradecimento por terem feito parte da minha vida e por me terem proporcionado momentos absolutamente felizes.

Por vos recordar, quase me esquecia do propósito do texto… O meu irmão mais novo, conhecido de muitos que me leem, escuso-me a falar. Em primeiro lugar, se o soubesse, ficaria aborrecido, por ser absolutamente recatado. O que dizer? Não preciso. Tem obra publicada na sua área e que fala por si. É, seguramente, das pessoas mais cultas que conheço. Característica de que talvez poucos se apercebam, dado o seu carácter reservado. Para além do amor fraterno, tenho uma profunda admiração por ele, pela sua determinação, foco e dedicação ao estudo dos assuntos do seu interesse.          

            Tenho um enorme orgulho nos meus manos. Essa é a verdade. Com estes dois portentos nas extremidades, o que haveria de sobrar para a rapariga do meio? Pouca coisa, efetivamente… Pensava nisto enquanto corria e dizia cá para mim… O Ricardo Araújo Pereira costuma intitular-se de parvo… Parva, também consigo ser, às vezes, mas fazer da parvoíce modo de vida é que é difícil… E pronto… Caio um bocadinho no desalento, porque há coisas que gostaria de fazer muito bem e sou péssima. Sou completamente desafinada e ninguém me apanha a cantar em público. Quando acharem que o fiz, ficam a saber que fiz playback… Sou uma desgraça com trabalhos manuais e desenho… Chega a ser verdadeiramente ridículo! O meu desporto é a corrida, porque é a única coisa que sei fazer… Basta mexer as pernas… Eu era a miúda, a totó que nas aulas de Educação Física não conseguia fazer passar a bola de vólei para o outro lado da rede… Ainda hoje acho que não conseguiria, mas também não vou experimentar para não passar pela vergonha… A única coisa que vou fazendo bem é cozinhar, mas também não sou nenhuma chef nem tenho paciência para receitas demasiado elaboradas…

Quando engravidei do meu filho mais velho, quis bordar-lhe um lençol a ponto cruz, mas não consegui aprender e escusam de me vir dizer que é muito fácil e tal, porque me baralho toda! A dada altura, quando lhe ia pegar, as vísceras tremiam tão agitadas dentro de mim e o ritmo cardíaco aumentava de tal forma, que só podia fazer mal à criatura! Agarrei no lençol ainda mal começado e dei-o à madrinha para que ela o terminasse, que é para isso que elas servem (as que sabem bordar)… Para a mais nova, encomendei logo o serviço à madrinha do mais velho e já não me aborreci… Por isso, ainda hoje, se os meus filhos me pedem ajuda para algum trabalho manual, eu fico mais apavorada do que eles! Felizmente, a miúda é arranjadinha e adora essas atividades. Já o mais velho… Deve ser por termos nascido no mesmo dia… Que Deus nos socorra e nos liberte dessas agonias!

De modo que já pensei reclamar por tanta faltinha de jeito! Portanto, para quem julga e me faz chegar muito generosamente a sua simpatia por aquilo que considera ser os meus atributos, desengane-se… Sou o descrito sem pingo de exagero. Já sei, mas por favor, não me venham falar da escrita, porque se o talento fosse muito, alguém o teria descoberto. E resume-se a isto: sou professora de Português e aqui sim, sem qualquer falsa modéstia, posso atingir a excelência, mas também não é grande virtude, porque fui treinada para isso. Faço-o eu e os outros milhares de professores deste país.

Nina M.

           

 

Presente Sem Futuro

Talvez fosse melhor
O ser estilhaçar-se de um jato
Rebentar com a esperança 
Do que não tem solução
Só a pulsão pela vida
Pode assim sustentar
Uma vida que é morta
Que erra por ermos fechados
Mesmo quando bate à porta
E nos sentimos errados
Trancados no nosso avesso
Sem a chave no tempo perdida
É saber-nos tristes e sós
É soar a despedida
Cada olhar cada afeto
Cada ausência que é sentida
Nem os universos dos livros
As mil vidas que vivemos
Parecem suficientes
Vivemos o que não temos
Acabe-se de uma vez
Esta agonia derradeira
Construir sobre os escombros
Poderá ser de outra maneira
Erguemo-nos tantas vezes
Sem a alegria de outrora
A vida sempre nos vence
Desde o romper da aurora
Só não a podemos sorver
Bebericamos aos golinhos
Ela sempre nos faz doer
Não é rosa sem espinho
Vivemos num outro mundo
A ficção da realidade
Escondidos numa tela
Assemelha-se vida de verdade
Sobra a alienação um brincar
Ao faz de conta
Não tenhamos ilusão
Perdemos tempo de monta
Experiências que se adiam
Talvez até nunca mais
Traçam-se linhas e planos
Sem saber para onde é o cais
Tudo é difuso e disperso
Chão de areia movediça
Caminhar nesta incerteza
Torna a alma irritadiça
Vive-se com o que é 
Com a vida em suspensão
Sem fazer contas a danos
Seguramos com a mão
Um futuro tão incerto
Parece daqui agouro
Oxalá seja um engano
E Possa ser nosso tesouro

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Sono

Tempo que me trazes o sonho

 Envolvido na madrugada

 É brisa que corre lembrada

 Em tempo de alma confinada

 Estranho-te, sonho em mim 

 Sempre tão disperso e indistinto

 Surpreende a clareza ao despertar

 A memória retida em mim

 Só as vivências boas ficam

 Surgem para me alegrar

 Aprisiono-as. Tranco-as.

Com receio que de novo

 Para longe as queiras levar

 Fecho os olhos resoluta

 Para adormecer novamente

 Assim com a alma enxuta

Em ânsia de sonhar alegremente




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Vou acordar de manhã bem cedinho

 Vou acordar de manhã bem cedinho
 Para o teu nome na boca eu beijar
 Cheiro a pétalas e a rosmaninho
 Sabor de pele salgada a chamar

O som da tua voz é o meu carinho
Só eu o sinto em mim a latejar
É templo de palavras, pergaminho
Todo o meu ser quer ouvir-te contar

O meu desejo é saudade que mata
Esperança adiada a cada aurora
É como o vento que vem e que passa

Como a chuva que fustiga lá fora
E largo assim a alcova quente e lassa
Pra consolar a solidão que chora






sábado, 6 de fevereiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 218

 

O insuportável eterno retorno…

Se alguém me perguntar como está a correr o confinamento, não sei como reagirei, se com uma gargalhada neurótica, se com um profundo suspiro de quem procura escudar-se no estoicismo com vista à vida tranquila.

Está a ser bem pior desta vez, por motivos vários. Em primeiro lugar, há o cansaço que nos abate e a consciência plena de que há os que estão em situação de rutura há meses, a lutar contra este vírus, capaz de nos roubar tudo: saúde, liberdade, afetos, educação, economia e o que mais quiserem… O número de óbitos continua absolutamente assustador. Essa primeira e última linha de combate não pode esmorecer, apesar da exaustão, porque se eles caírem, o que será da população? O meu enorme apreço por todos os profissionais de saúde, sem exceção. Depois, exaspera-me a falta de respeito para com a vida alheia, a ausência de comportamento cívico por parte da população e a vergonha do eterno chico-espertismo português em torno das vacinas. Será que algum dia o português conseguirá compreender que se o país é bastante permeável à corrupção, todos nós temos um papel cívico a cumprir? Será impossível compreender que os governantes são filhos e produto deste país impreparado e tantas vezes desprezível? Será difícil entender que se desejo a mudança devo, em primeira instância, começar por mim?

Os governantes são medíocres porque o povo o permite. Um povo exigente e honesto gera governantes responsáveis, cumpridores e íntegros. Temos um país onde grassa a corrupção, onde se um clube de futebol em particular estiver em crise, gera uma onda de revolta e de apreensão, mas onde se aceita com toda a naturalidade uma série de escândalos perpetrados por gente com a responsabilidade de zelar pelo bem comum. Irrita-me que não saiamos à rua para pormos termo a esses desmandos. Exaspera-me esse sangue morno de quem só discute na taberna, mas não age em prol de uma sociedade evoluída e íntegra. Eu só entendo essa resignação, esse triste encolher de ombros, como sinal de que os aceitamos e compreendemos, porque se fôssemos nós também seríamos capazes de sucumbir perante um preço. E se a dignidade estiver, de facto, à venda não há solução que nos redima. Não somos nórdicos, mas poderíamos ser todos mais zelosos da nossa consciência e da res publica. O entendimento de que se é do Estado pode ser impunemente mal gerido e mal gasto conduz-nos à fatídica ruína ao longo dos séculos.

Este jardim à beira-mar plantado merecia melhor povo! Um povo que é capaz de acolher com simpatia e generosidade, de arregaçar as mangas e de se unir na desgraça, de ser solidário na tragédia, mas invejoso até ao tutano do sucesso alheio, incapaz de reconhecer o mérito e o trabalho do outro. A sorte está muito presente na vida portuguesa. Mais do que o necessário. Uma inveja podre que ao invés de surgir sob a forma de admiração para que cada um se esforce por atingir a excelência, antes aparece sob a forma de desprezo, já que o sucesso alheio expõe a fragilidade e a incompetência pessoais. Um sistema, muitas vezes gerador de injustiças e que não reconhece a excelência onde ela existe. Temos um país onde o conhecimento é desvalorizado, subjugado a uma era digital inculta e à devassidão de Big Brothers televisivos. O voyeurismo deveria ser mais exigente… No outro dia, num documentário sobre o nazismo e os seus campos de concentração (muito bom, no canal dois, dos poucos que se aconselham…), um dos ex-combatentes ingleses referia que um dos guardas do campo, que foi prisioneiro de guerra, após a libertação, conversava com ele sobre literatura e que era difícil imaginar que esse ser humano pudesse ser um monstro. A banalização do mal, conceito oferecido por Hannah Arendt, pelos vistos não escolhe castas. E não pude deixar de me questionar sobre o facto de que se alguém culto se deixa sucumbir pelo mal (e foram tantos, mas tantos, porque o nazismo foi implementado e disseminado por quem sabia o que fazia) para que diabo serve o conhecimento? Não deveria servir para melhorar o ser humano? Assim eu o entendo.

Porém, se no meu país houvesse muita gente capaz de trocar o telemóvel pelo livro, enquanto aguarda numa sala de espera qualquer… Talvez tudo pudesse ser diferente. Talvez os horizontes se alargassem… E apesar disto, talvez eu não queira outro lugar para viver. O solo sagrado da portugalidade que habito não tem responsabilidade no que somos.

De modo que ao olhar particularmente para as discussões e para a troca de galhardetes em torno da educação, há um bocejo inevitável… Um Governo incompetente que não acautelou a situação e temos alunos (muitos) por este país fora sem condições para terem aulas à distância e dizer o contrário é mentir descaradamente. Fazer chegar os trabalhos em papel não minimiza nem resolve absolutamente nada. Serve só para a criança não perder a ligação à escola. Temos encarregados de educação a recusar os computadores por empréstimo do ministério, apenas porque a tutela impôs regras apertadas para a sua utilização (e bem, nesta questão souberam ser nórdicos), o que só mostra que muito provavelmente há meninos com escalão, que não o deveriam ter. Se não o levantam é porque não precisam mesmo. Há meninos que não usufruem de escalão, mas que realmente precisariam do empréstimo e não o podem ter (adivinhem… os escalões são atribuídos pela Segurança Social mediante o IRS… Já todos perceberam, correto? A corrupçãozinha de todos é o que é…). Há professores que tanto queriam o ensino à distância com medo da COVID, mas agora não sabem como fazer para gerir filhos menores de doze enquanto trabalham (estas crianças não podem ir para as escolas de acolhimento, uma vez que os pais não são considerados trabalhadores essenciais). Há professores a irem para as escolas visto que os seus equipamentos ou são insuficientes ou não querem prestar o serviço com os seus bens pessoais (e estão no seu direito, porque o Estado não cumpre com o que obriga aos privados: cabe à entidade patronal fornecer os meios ao trabalhador)… Há uma enorme discussão em torno da razoabilidade ou da falta dela, no que diz respeito à aplicação dos tempos síncronos. Para os especialistas é demasiado tempo em frente aos ecrãs, mas para os pais, que estão em teletrabalho nem tanto assim… Na verdade, os miúdos passam naturalmente imenso tempo nos jogos sem que os pais exerçam a sua parentalidade responsável e os impeçam… Há um Governo impreparado, feito de filhos deste país, que nunca planeia à distância, nunca investe no que é necessário e sempre poupa onde não deve!

Enfim… Temos uma nação valente e imortal às turras, numa casa onde não há pão, mas onde toda a gente ralha e ninguém tem razão!

Eu… Só quero que o maldito vírus se encolha de uma vez e me devolva a vida!

 Nina M.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Desconforto

O que sobra na aurora fria

Da desolação da distância?

Onde fica a alegria de um presente 

Sem passado nem futuro

Nem presente desejado?

Onde é o ser e o que resta de si?

Procura-se e acalma-se 

À espera de melhor fado

De outros dias... Tantos onde tantas vezes

Se sonhou e arrojou e foi feliz

Prisão na comodidade e no conforto

Sentir a poesia dos dias sonegada

Deixa um severo desconforto

É pelo bem maior

Dizemos. Temos de pensar assim...

Mas...ó vida inteira, volta ! Volta!

 Para o bem de mim!