Morreu Mário Soares, uma figura
incontornável da política portuguesa. Como figura pública, esforçou-se até ao
limite por não desaparecer da cena política, ainda que estivesse em modo de
reforma.
Aqueles que assim se comportam estão
sempre sujeitos a despoletar nos cidadãos dois tipos de sentimentos,
semelhantes na intensidade, mas contraditórios no seu conceito: amor e ódio.
Desde que Mário Soares adoeceu e se soube que se encontrava em coma profundo,
as redes sociais foram invadidas tanto por comentários abonatórios como por
julgamentos desfavoráveis. Algumas observações eram absolutamente cruéis,
desnecessárias e boçais.
Desengane-se quem considere que estou a
defender o senhor. Na realidade, nem simpatizava com a pessoa, mas há um limite
e regras de educação que devem ser respeitadas em toda e qualquer
circunstância. Não me parece aceitável insultar com recurso ao vernáculo alguém
que se encontra moribundo, muito menos desejar-lhe a morte. Francamente,
repugno tal comportamento. Podemos detestar a pessoa, porém, há que respeitar o
seu estado e a preocupação dos seus familiares! Causa-me espécie que, usando
como subterfúgio a frontalidade, se ofenda grosseiramente o outro! Esse
comportamento não se designa de honestidade, mas antes de rudeza e crueldade!
Como já afirmei, eu não simpatizava com
Mário Soares, mas reconheço-lhe dois gestos pelos quais os portugueses lhe
devem estar agradecidos: a sua luta para implantar a democracia no país e a
entrada de Portugal para a União Europeia. Estes seus gestos merecem respeito.
Pena não ter a idade suficiente para o ver no seu melhor. No vinte e cinco de
abril, ainda não era nascida e quando Portugal integrou a União Europeia, eu tinha
tenra idade. A partir de então, o que li ou ouvi a seu respeito ou o que
escutei de ele próprio, confesso que não me fascinou e muitas vezes me irritou!
A descolonização apressada e vergonhosa,
o negócio dos diamantes que quase lhe custaram a vida do filho, as negociatas
com a sua fundação, o aproveitamento pelo facto de o filho ter sido o
presidente da Câmara de Lisboa, o apoio a José Sócrates, o puxar do tapete a
Manuel Alegre, seu suposto amigo até àquelas malfadadas eleições, o
enaltecimento de Hugo Chávez, numa das suas preleções, enfim, tudo péssimo!
Mário Soares reunia o que eu detesto e
desprezo nos políticos em geral: a suma hipocrisia! A desfaçatez com que fingia
preocupar-se com o Zé Povinho para depois, em pequenos gestos, provar o contrário.
Estava mais para aristocrata arrogante do que para protetor do indefeso. “ O
que está aqui a fazer?!”, “Desapareça, homem! Desapareça!”
Merecia que lhe respondesse que estava
ali a cumprir ordens, a trabalhar para que dos descontos que fazia, uma parte
fosse para pagar os salários dos políticos, inclusive o dele. Diz quem já lhe
vigiou a casa, que o senhor não tinha o respeito suficiente para cumprimentar
quem estivesse à porta, como se o polícia, ao invés de ser um instrumento do
estado ao serviço de todos os cidadãos, pago por todos os contribuintes, fosse
um seu vassalo particular, por ele pago! Mesmo assim, ditam as leis da cortesia
e a consciência dos que são humanistas que se cumprimente e respeite quem nos
serve.
Nos últimos tempos dava comigo a pensar
que ou a idade o estava a deixar ensandecido ou a vaidade por aquilo que já
fizera em nome da liberdade, associada à longa vida, lhe causavam a ideia de
que podia dizer e fazer tudo quanto lhe apetecesse, como se tudo lhe fosse
permitido!
A História ditará, daqui a muitos anos,
o balanço da sua vida política, analisará a sua atuação que ficará nos seus
anais.
Como o comum dos mortais, faleceu o
homem, não o santo nem o demónio. Façam-se as exéquias e paz à sua alma.
Nina M.
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