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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 52



            Não consigo abandonar o estado de perplexidade sempre que me deparo com a intolerância. É muito fácil desprezá-la e condená-la, quando se trata de temas agregadores como questões raciais, religiosas ou políticas, na sua génese. O problema surge quando no quotidiano, durante os nossos afazeres, esta nos atropela, num descaramento brutal e inclemente.
É fácil dizer-se eu sou tolerante. Não tenho nada contra os negros. Em seguida, no trânsito, no futebol ou onde quer que seja gritamos: “Ó preto! Desampara-me a loja!”. De facto, o discurso não se coaduna, muitas vezes, com as nossas ações.
Flui-me o pensamento a propósito dos queixumes de alguns colegas de EMRC, que sentem a sua disciplina menosprezada por muitos, incluindo colegas de ofício, pelas opiniões emitidas de forma muito assertiva, às vezes a fugir para a indelicadeza. O pensamento que lhes perpassa a mente será: Para quê fazer perder tempo aos miúdos com esta disciplina que não lhes interessa para nada? Outros, justificando a sua opinião com argumentos que julgam mais sólidos dirão: Por que motivo num estado que se diz laico, se faculta uma disciplina de cariz religioso? Já é tempo de acabar com a concordata! Para isso, teríamos de promover o ensino das religiões das minorias, para haver igualdade.
Perante tal, será bom relembrar algumas questões, desde logo a não obrigatoriedade da frequência da disciplina, resolvendo-se o problema da tolerância para com quem professa outra fé e, por outro, o facto de a disciplina, apesar do nome, não se centrar meramente na abordagem do cristianismo e não ser, como alguns acreditam, uma catequese.
Em EMRC, os alunos também ouvem falar de outras crenças. Lembro-me que o primeiro contacto que tive com os princípios de outras religiões foi em EMRC! Enquanto professora, já acompanhei visitas de estudo de EMRC a um templo Hindu, a uma mesquita e a uma sinagoga, exemplo de tolerância e de multiculturalidade.
Talvez seja bom refletir sobre o facto de a nossa identidade, enquanto portugueses e europeus, assentar numa matriz judaico-cristã! Assim sendo, a existir uma disciplina em que os valores e princípios transmitidos e que são veiculados também pelas várias religiões, que a escolha recaia sobre a fé que a maioria do país em questão professa!
Devo dizer que há professores de EMRC extraordinários e que desenvolvem projetos interessantíssimos com os seus alunos, procurando fomentar e desenvolver a sua componente humanista, na defesa de valores como a tolerância, a generosidade, o aperfeiçoamento constante de si próprio que o ser humano deve procurar. A mim, parece-me que o mundo está sedento destes valores e de gente que seja capaz de os defender.
Não compreendo, portanto, a malquerença por parte de alguns, até porque só está nessa sala quem quer! Muito me apraz ouvir o meu pequeno dizer que de todos os professores, aquele de quem mais gosta é o de Moral! Espero que o professor me complemente na tarefa de lhe transmitir princípios que também são cristãos, mas antes de tudo são humanistas, que me ajude a passar-lhe a mensagem de que a empatia pelo nosso semelhante é um dever de consciência, que a partilha e o espírito de cooperação e de entreajuda devem estar sempre presentes. Como professora, procuro transmitir essas mesmas premissas, mas não vejo melhor espaço para o fazer do que a aula de EMRC, onde se treinam competências para o exercício de uma cidadania consciente e responsável!
Não entendo, portanto, o agastamento em torno da disciplina. Não são crentes? Têm o direito de não o serem e, como tal, podem não frequentar, mas não têm o direito de menosprezar o trabalho alheio, tantas vezes bem feito e que enriquece todo o ser humano! Não têm o direito de hostilizar quem escolhe frequentar e muito menos tentar demover os que pretendem inscrever-se. A tolerância não é feita pela metade!  
Nina M.


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