Meu cheiro a maresia,
Embriagas os meus sentidos
São minhas veias as algas
Que me trazem a nostalgia
De um beijo de amor sentido
Com sabor a poesia
Se vem morrer na praia
Um abraço apertado desfeito
Quero-me envolta em cambraia
No meu sonho mais perfeito
O tecido são teus braços
Tão cheios de cansaços
Desmaiados na baía
Olho os teus olhos lassos
Em plena comunhão
Por mais que sintam fadiga
Não me largam a mão
Inerte na areia molhada
Banhada na solidão
Contigo a mim abraçada
Nesta nossa escuridão
Sinto tudo tão distante
Tudo alheio ao coração
Só a maresia me fica
A mitigar esta paixão
Seguidores
domingo, 31 de maio de 2020
sábado, 30 de maio de 2020
Crónica de Maus Costumes 184
Lúcida loucura
Julgam-me doida
ou pelo menos que padeço de uma qualquer doença que me impele para a escrita. “Não
sei como tem paciência para todas as semanas apresentar a crónica sem ter nada
a ganhar!”
Deve ser a mesma maluquice que me leva a correr dez
quilómetros ou a ler os livros que posso e até gostaria que pudesse ser um
vício mais compulsivo.
Os meus filhos já não estranham e até fazem questão
de avisar a mãe, todos os sábados à noite, que ainda tem de escrever a crónica.
Obviamente, não a leem. O interesse é outro: como é fim de semana e a mãe ainda
trabalha, assim o entendem, podem esticar a corda um bocadinho e ficar em
companhia das novas tecnologias, por mais que me esforce por convencê-los de
que a companhia dos livros é superlativa… Mesmo o Rodrigo avisa assertivamente
a irmã, como se percebesse muito da vida, do alto dos seus doze anos (quase
treze): Se vais ser poetisa, ficas a saber que não ganhas dinheiro com isso,
como quem lhe diz para se deixar de disparates e arranjar uma ocupação a sério.
Nesse momento, entro na conversa e explico que as pessoas podem e, na minha
opinião, devem ter diferentes ocupações, para além das suas profissões. É com o
trabalho da mãe e do pai que se põe a comida na mesa, que se pagam as contas e
que se garante a boa vida burguesa que têm. O estilo de vida que se tem e que
se lhes proporciona é agradável, mas é necessário sustentá-lo, porém, o
verdadeiro prazer, o peso e a leveza que se lhe adiciona, o sal e o açúcar da
vida são, muitas vezes, talvez até maioritariamente, encontrados fora da
profissão. Evidentemente, depois, questionam se a mãe não gosta do que faz. E
respondo que sim. Gosto, mas não me é suficiente. Então, arregalam os olhos e
lá dizem que já trabalho tanto, por que razão arranjo outras coisas que também
me dão trabalho. Julgo que compreendem melhor a corrida e a leitura, apesar de
tudo… Quando escreve, a mãe continua em frente ao ecrã. De seguida, surgem as
perguntas difíceis:
-para que serve a poesia?
- Em última instância, para nada. Em primeira
instância, para tudo… A poesia e a literatura em geral: curar almas, trazer
beleza, descobrir sentidos, explicar o ser humano… Aquela que a mãe faz serve
apenas para ela ser um bocadinho mais feliz. É uma urgência que se precisa de
cumprir e um resguardo num mundo que é só da mãe e onde ela gosta de estar. Um
mundo inteiro à sua disposição e de completa liberdade. Talvez a magia das
palavras seja a liberdade que nos permite. Em nenhuma outra casa seremos tão livres
ou teremos a oportunidade de construir mundos e realidades paralelas, de
podermos ser outros, se o quisermos. Gosto desse sabor! Essa é a recompensa.
Uma recompensa trabalhosa e que, por vezes, nos deixa exauridos e vazios,
despojados de nós, mas sempre renovados.
“Nem só de pão vive o Homem” diz o evangelho, a
lembrar a importância do imaterial. Obviamente, num contexto diferente, mas
essa transcendência e espiritualidade advém da palavra, que seria posta num dos
textos fundadores da humanidade e quando o Homem pisou pela primeira vez a lua,
para além das famosas palavras de Neil Armstrong “um pequeno passo para o
homem, um salto gigante para a humanidade”, também foi lida uma passagem do
Evangelho de S. João, por Aldrin, um dos astronautas.
O facto é que a humanidade e a sua história são
registadas e veiculadas pela palavra. A linguagem oral não foi suficiente e
assim surgiu a escrita, uma das invenções mais importantes do ser humano, que
haveria de perpetuar o seu percurso e a sua evolução pelos séculos vindouros. É
pela palavra que se constrói o ser e o dinheiro não tem lugar nisso.
Nina M.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Insónia
Durmo Sob o lençol
Claro fino e transparente
Como um véu que oculta
A minha nudez evidente
Velas-me na tua insónia
Faminto de um afago meu
Guardião dos meus segredos
Olhas-me com olhos de céu
Evitas qualquer movimento
Para do sono não despertar
Anseias pelo momento
Em que me possas enlaçar
A tua presença quente
Onde me permito descansar
É certeza de dor ausente
Na certeza de te abraçar
Eis que o sono se evapora
E o anjo caído acordou
Ainda cedo pela aurora
No teu corpo acoplou
Vem o dia e a despedida
Do sonho feito realidade
Ilusão nunca esquecida
Vislumbre de felicidade
domingo, 24 de maio de 2020
Regresso
Volto aos teus braços
Feliz pelo regresso
Depois de vida em prosa
A ti o meu amor confesso
Poesia minha casa
Meu abrigo impoluto
Durmo sob a tua asa
Contigo é o meu olhar enxuto
Sorridente leio os teus versos
Poema de recordações feito
Acaricio cada sílaba
Num abraço bem perfeito
Numa intimidade pura
Beijo em ânsia a tua rima
Pode ser que seja loucura
Tal amor que me anima
Mas sem peso ou remissão
Nesta insensata lucidez
É teu o meu coração
Pleno na sua nudez
Feliz pelo regresso
Depois de vida em prosa
A ti o meu amor confesso
Poesia minha casa
Meu abrigo impoluto
Durmo sob a tua asa
Contigo é o meu olhar enxuto
Sorridente leio os teus versos
Poema de recordações feito
Acaricio cada sílaba
Num abraço bem perfeito
Numa intimidade pura
Beijo em ânsia a tua rima
Pode ser que seja loucura
Tal amor que me anima
Mas sem peso ou remissão
Nesta insensata lucidez
É teu o meu coração
Pleno na sua nudez
sábado, 23 de maio de 2020
Crónica de Maus Costumes 183
O ensino e os novos desafios
A escola está a passar por uma revolução e não falo
da pandemia que trouxe a horrível novidade do Ensino à Distância.
Evidentemente, foi a solução encontrada para minimizar os danos causados pelo
problema, mas julgo que a maioria dos professores preferirá a sala de aula e a
interação com os alunos. Se retirarmos o contacto direto no processo de ensino
e aprendizagem, estamos a desumanizá-lo. Os jovens precisam de ser estimulados
no que diz respeito ao relacionamento interpessoal, porque já usam os ecrãs
como uma extensão de si mesmos, preferindo a segurança de um diálogo por detrás
da tela ao risco de se verem olhos nos olhos com o interlocutor, reduzindo as
oportunidades para criarem empatia pelo seu semelhante.
Há documentos orientadores de uma nova prática, em
função do perfil que se pretende para o aluno do século XXI: a formação
holística de um cidadão, que revela competências em determinadas áreas do
saber, mas também competências sociais, emocionais, estéticas, comunicacionais,
entre outras, indo ao encontro do que vulgarmente os Projetos Educativos das
escolas apodam de formação integral do cidadão. Devo dizer que lido o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória, é impossível não se concordar com o que o documento preconiza.
A dificuldade reside na sua operacionalização, mas como sempre, as escolas vão
avançando um pouco às escuras e experimentando novas formas de atuação e novas estratégias.
Não é fácil, mas faz-se o caminho percorrendo-o. Obviamente, não se está livre
de tropeços e enganos, mas servem as dificuldades para ensinarem as melhores
opções. Os professores vão fazendo formações, que são orientações relativamente
ao que se pretende, mas cabe à escola pensar e decidir a direção a trilhar para
alcançar o objetivo estipulado.
Não se operacionaliza uma mudança dessas, que
pretende colocar a tónica mais na aprendizagem do que no ensino, tornando o
aluno mais autónomo, proativo e mais responsável, sem o envolvimento do corpo
docente. Acontece que a mudança é necessária, mas para que ela seja possível, é
imperioso haver uma sala de professores motivada em busca do mesmo objetivo.
Neste momento, temos um corpo docente envelhecido e cansado em virtude dos
constantes ataques à classe por parte de sucessivos governos, especialmente,
desde o ano 2005. A campanha vergonhosa e que atentou contra a dignidade
profissional dos professores deixou marcas. Atualmente, temos um corpo docente
mais envelhecido e mais sobrecarregado. Temos governantes que maltratam constantemente
a classe e, depois, esperam dela todos os sacrifícios e abnegações.
Surpreendentemente, conseguem-no! Se por um lado é manifestação inequívoca do
empenho e da dedicação destes profissionais, por outro lado, não deixa de ser
estrategicamente errado. Quem nos governa sabe à partida, que mesmo ofendidos,
os professores não se negam a cumprir o seu papel, deitando por terra qualquer
força ou estratégia negocial.
A Flexibilidade Curricular está em marcha e as
escolas mobilizam-se para responder ao desafio, no entanto, gostaria que o
Ministério compreendesse que não pode apenas exigir, mas que tem o dever de
fornecer as condições para que as instituições de ensino o possam fazer. Não é
obrigando os docentes a uma prática de tarefas burocráticas desnecessárias, nem
com a formação de turmas enormes ou o aumento das horas de trabalho, que se
consegue a mudança. O professor não é um mero técnico, mas antes uma espécie de
artista que precisa de se construir ao longo da vida. Para isso precisa de tempo!
Falo de tempo para si e para o seu crescimento. Não pode ficar de tal modo
assoberbado pelo trabalho que se esqueça de si. Não deveria ser possível um
professor dizer que não lê, por exemplo, por falta de tempo! Eu trabalho com
palavras e ideias. Devo lê-las e pensá-las o mais que puder, primeiro porque
gosto e faz parte do meu equilíbrio e só poderei ser boa profissional se
estiver equilibrada, depois, porque serei tão melhor professora quanto mais
conhecimento e competências adquirir. Quem entrar numa sala de aula e se
limitar a trabalhar tecnicamente o texto que os alunos devem estudar, cumpre cabalmente
com a sua função, mas não com excelência! O extra reside na capacidade de
estabelecer analogias e inferências, alargar leituras e citar outros contextos,
exemplificando-os. Só o poderá fazer com o conhecimento que vai sendo construído
ao longo dos anos com as leituras cruzadas que faz. O professor que deixa de se
construir passa a ser um técnico, não um instigador de reflexões e da busca de sentidos.
Também é este perfil que se pede aos professores, mas é necessário que se compreenda
que não lhes podem cercear a liberdade criativa. Quanto menos tempo lhes é dado
para investirem no seu desenvolvimento, menos capazes serão de responder adequadamente
às novas exigências.
Nina M.
sábado, 16 de maio de 2020
Crónica de Maus Costumes 182
Cobaias e experimentalismos
Um
destes dias, no fórum que a TSF costuma promover a propósito de temas da
atualidade, onde os cidadãos portugueses têm a oportunidade de exprimirem as
suas ideias e opiniões (a democracia é um sistema político formidável), ouvi
alguém irritadíssimo com os professores, a propósito do regresso às escolas na
próxima segunda-feira.
A
sanha contra o professorado é antiga e ainda um destes dias alertei para o
facto de a bonomia em relação à classe ser sol
de pouca dura, como diz o aforismo. Pois bem, o ilustre cidadão clamava por
uma decisão assertiva por parte dos professores: “Decidam-se – dizia ele – se
de facto querem regressar à sala de aula ou se pretendem ficar já de férias.”
Acontece
que me deslocava de carro e tive de sair no momento e, ainda bem que assim foi,
pois evitei grande parte do agastamento. Ainda não consigo controlar
completamente a minha ira, como gostaria de fazer, contra este tipo de
maledicência ignorante e de enxovalho. Já deveria ter aprendido, pois os
dichotes só nos atingem se o permitirmos. O raciocínio é lógico. Difícil é fazer
o exercício da racionalização, trabalhar racionalmente as emoções que se
apoderam do nosso íntimo e domesticá-las. Nunca é fácil, mas é possível.
Vejamos: só teria motivos para me inquietar se lhe reconhecesse razão nas
palavras, mas não. Nenhuma, logo, deveria ser-me indiferente. Queres regressar
à sala de aula, Sónia Moreira? Sim, quero. Queres ficar já de férias? Não,
apenas quando a elas tiver direito como qualquer profissional. Se assim é, a palavras loucas ouvidos moucos. Então,
porque me irritam profundamente? Essencialmente, pela injustiça que não tolero.
Meu
caro senhor, mesmo que os professores não regressassem à escola, não estariam
de férias! Aliás, muitos de entre nós não regressarão, mas continuam a
trabalhar. E trabalham muito! Todo o país percebeu que os professores continuam
a lecionar a partir de casa. Porquê a pergunta insidiosa?! Porquê este
desrespeito contínuo para com uma classe que protege os seus alunos mais do que
algumas famílias? Os cidadãos não sabem ou sequer imaginam a frequência com
isso acontece. Somos nós, professores, a linha da frente para esses miúdos.
Somos nós que lhes lemos a preocupação, descobrimos problemas e tentamos
resolver, ajudar, com apoio de outras entidades ou dentro da própria escola.
Somos tantas vezes pais, mães, amigos, psicólogos e também professores desses
meninos. Não sabe quem não quer ver, mas deixe que lhe esclareça a dúvida tão
pertinente quanto maldosa que o preocupa. Os professores querem regressar, sim,
mas em segurança (parece que se esquecem, mas muitos de nós também são pais) e
mesmo que o regresso presencial não fosse uma realidade, as aulas continuariam
a ser lecionadas. Se há aulas à distância que funcionam bem é com estes alunos
desta faixa etária e que têm objetivos a curto prazo para cumprir: a entrada na
universidade. Já agora, o cidadão que é tão sensível ao problema dos estudantes
e que deseja, certamente, o bem deles, perguntar-lhe-ia, se pudesse, o
seguinte: já imaginou o que acontece se um aluno de uma turma se vê infetado
com o coronavírus? Já pensou que esse jovem corre o risco, juntamente com toda
a turma, de nem sequer poder realizar o exame? Já pensou no absurdo da
situação? Obrigar o aluno e professores a um regresso extemporâneo com vista à
realização de um exame e ser essa mesma obrigatoriedade o impedimento da sua
realização? Não lhe parece kafkiano? Ou vai dizer que não lhe tinha ocorrido
tal? Naturalmente, só equaciona os mais diversos cenários quem conhece por
dentro a realidade das coisas, portanto, nitidamente, não sabe do que fala.
Todos nós preferíamos que nada disto tivesse acontecido. As escolas e os seus
professores foram capazes de implementar o Ensino à Distância sem qualquer
diretriz do Ministério. Quando essas chegaram, já os planos estavam em marcha!
É com muito orgulho que os professores podem afirmar terem feito um enorme
esforço, que representou muitos dias de 10 a 12 horas de trabalho, entre
reuniões, preparação de atividades, preparação dos equipamentos (bens pessoais
que os professores põem ao serviço dos seus alunos e da escola, como computadores,
telemóvel e Internet, mas que nenhum outro funcionário põe ao serviço da sua
empresa) com as aplicações necessárias, numa aprendizagem autodidata rápida,
para responder com celeridade e qualidade ao novo desafio que se impunha. Não é
o desejável, porque nada pode substituir a interação do professor com os seus
alunos e a empatia criada, nada substitui o contacto direto. Nenhuma máquina
pode substituir a pessoa, mas dadas as circunstâncias e apesar das dificuldades
que as escolas tiveram que superar, encontrou-se a solução. Agora, que o mais
complexo está conseguido e que a estrutura logística está funcional, o
(des)governo insiste em aulas presenciais, apenas para conseguir uma amostra de
um possível cenário epidemiológico em meio escolar! Para conseguir os seus
intentos, apercebendo-se de que os pais ficam obviamente preocupados com os
filhos, possibilitam a justificação de faltas, para se algo correr mal, poderem
lavar as mãos. Apesar de faltar a liturgia de Domingo de Ramos, a lição está
bem estudada! No entanto, alertam para o facto de as faltas poderem prejudicar
os alunos! Haja paciência! Nenhum professor digno desse nome penalizaria um
aluno por isso, porque sempre nos ensinaram que quando as causas são imputáveis
ao aluno ou em caso de dúvida, seja ele sempre beneficiado! Como mãe, nestas
circunstâncias não mandaria um filho para a escola, havendo a possibilidade de
continuar a aprender a partir de casa, sem necessidade de correr riscos, e,
principalmente, a um mês das aulas terminarem!
Quanto
a mim, regressarei ao exercício das minhas funções, apreensiva com a situação,
mas feliz, apesar de tudo. Regressarei com o profundo desejo de que nada aconteça aos meus finalistas de 12º ano para
conseguirem efetivamente realizar os exames de que necessitam e dar início a
uma nova etapa, que será tão importante para as suas vidas.
Porém,
lamento, porque realmente, como diria a famosa personagem do Herman José, o
Diácono Remédios, não havia necessidade…
Nina
M.
sábado, 9 de maio de 2020
Crónica de Maus Costumes 181
Amor, filhos e o trabalho
-
Mamã, mãe ! (Os meus filhos já
misturam as duas versões…)
-
Diz! (Sai-me com algum enfado, depois de já ter
respondido a alguns trezentos chamamentos, enquanto trabalho…)
Continuo a trabalhar sem erguer os olhos do
computador e ouço o Rodrigo, que de natureza mais reservada, é menos dado a
manifestações de afeto. Aceita as minhas e às vezes encosta a sua cabeça ao meu
braço, como o gato que se esfrega no dono, à espera do carinho.
- Sabes? Eu
amo-te muito e olha, quando fizeres anos, vou oferecer-te um livro, mas vou ser
mesmo eu, com o meu dinheiro.
Normalmente, não permito que gastem o dinheiro todo
que lhes oferecem pelas datas especiais. Às vezes, lá permito que comprem algo
que lhes possa ser útil. Quero que percebam que se comprarem tudo quanto veem,
não sobrará dinheiro para o que é verdadeiramente necessário. Não se deve
gastar só porque se tem em inutilidades, mas em coisas das quais se precise
verdadeiramente ou que contribuam para o nosso desenvolvimento.
- Obrigada,
filho. Também te amo muito. Mais do que possas sequer imaginar e acabaste de me
dar um presente. Não precisas de me comprar um livro.
- Pois… Às vezes
não vale a pena… Tu lês depressa e passado pouco tempo já acabaste e depois…
Olha, fica lido…
- Sim… Porém,
quando se gosta muito de um livro, ele fica sempre connosco, na nossa memória e
pode ser relido as vezes que quisermos e sempre que olhar para ele
lembrar-me-ei de ti…
Deixei-me ficar a
olhar para ele, embevecida e espantada do amor súbito tão espontaneamente
manifestado e sem pruridos.
Os portugueses têm algumas comichões para dizerem o
que sentem aos filhos. À medida que eles crescem, o amor não deixa de ser
sentido, mas deixa de ser divulgado, como que envolvido por uma capa de pudor. Há
um amor envergonhado que se sente e que se expressa nos comportamentos, mas que
não é dito com a palavra. Tornamo-nos adultos de amor envergonhado. Se não formos
nós, os progenitores, a afirmarmos sem hesitações o amor que lhes sentimos,
quando crescerem, sentirão esse entrave. Procuro combater esse amor calado.
Normalmente, o beijinho de boa-noite, é acompanhado da palavra amorosa. E sabe
tão bem ouvir! E dizê-la também! O dia foi salvo naquele instante. Um dia de
nervoso miudinho, fruto da chuva e do confinamento sem sol, que me enlouquece,
fez sentido naqueles segundos. O meu filho mais difícil, menos expansivo, mas
que me deixa orgulhosa também, salvou o dia. Deitei-me sorridente, a pensar que
mal ele sabe que o amor da mãe não tem medida ou se tem será a sua existência,
porque abdicaria dela todos os dias só para garantir que cresce bem e em
equilíbrio.
Naturalmente, a irmã, mais pequenita, mais
espevitada e mais desbragada, tratou de me fazer também a suas declarações
amorosas, normalmente, mais abundantes e constantes.
Os meus pequenos heróis que se mantêm em casa sem
reclamações. Têm a sorte de haver uma rua quase só para eles, onde podem
brincar ao sol e continuar a dar uso às bicicletas e trotinetas, no final das
suas atividades escolares. O Eduardo Sá escreveu um artigo, lembrando as
crianças que seguem as rotinas, dentro do possível, sem grandes reclamações e
acatando o que lhes é dito, tendo também que se adaptarem a uma nova realidade.
Sem qualquer sombra de dúvida e, mesmo tendo a mãe em teletrabalho, incapaz de
lhes dar todo o apoio de que necessitam, porque à mesma hora se encontra a
apoiar outros meninos, lá se vão fazendo gente, a ganharem cada vez mais a sua
autonomia e a promoverem o seu crescimento. Nem tudo é perfeito e, às vezes, já
aconteceu de ficarem umas tarefas por cumprir ora por esquecimento e falta de
organização ora por falta de destreza com as tecnologias. Nessas alturas, surge
sempre a professora zangada com a displicência. Depois de respirar fundo, lá
vou acalmando, mais furiosa comigo do que com os filhos, porque têm de se
orientar sozinhos e apoiarem um ao outro, nestes tempos estranhos, em que
chegamos a estar três, em simultâneo, em aulas síncronas. Obrigada a reconhecer
que se têm portado bem perante as exigências, lá vou alertando para o dever da
responsabilidade. A mãe não consegue gerir sozinha as tarefas escolares deles, as
suas e ainda a casa. Todos têm de ajudar. A eles compete-lhes saber o que devem
fazer em cada dia, sem que seja necessária a minha vigilância, apesar de estar atenta.
Ser filho de professor é algo triste. Há uma
exigência para com eles que os deve massacrar: o culto do brio, da
responsabilidade e do saber estar, onde não queremos que falhem… Porém… São
apenas crianças, com tanto direito a sê-lo como todos os outros.
Assim sendo, já tive que ouvir: “Ah! O teu aluno
não fez o trabalho, porque não te zangas tanto com ele como comigo? Porque não
o pões de castigo?”
Porque não é meu filho e não mora em minha casa e
esse pormenor faz toda a diferença. Para além de que mães exigentes preparam os
filhos para a vida. A mãe até pode ser rabugenta. São-no todas as boas mães.
Desde que vá ouvindo esses “sabes, mãe, amo-te
muito!”, a consciência sossega e penso que alguma coisa devo estar a fazer bem.
Nina M.
Aos meus amores
Quando a vida me secar
Mesmo se for outono
E a chuva não cessar
A vós, amores de todo o tempo,
O meu ser irá visitar
A cada traço de um olhar meu
Estará espelhado o teu
E o meu sorriso franco
(Porque sempre hei de sorrir)
Lembrará dos vossos lábios
Inocente flor a abrir
As minhas veias enxutas e rígidas
Preenchidas de sangue e de versos
Contarão histórias antigas
Guardadas nas memórias amigas
Nos meus pensamentos submersos
Interrogareis o meu olhar distante
Já despojado de vontade talvez
Iluminado por um rasgo de luz sadio
Ao som de algum fado vadio
Percorro, então, com as minhas mãos
Os vossos traços que as lembranças me dão
Sem aparente lucidez
Mais tarde... Muito tarde sabereis
Do vosso amor em mim guardado
No sarcófago que por herança habito
Sempre sempre sacralizado
Até eu ser esta rigidez
Sob a pedra de granito
Mesmo se for outono
E a chuva não cessar
A vós, amores de todo o tempo,
O meu ser irá visitar
A cada traço de um olhar meu
Estará espelhado o teu
E o meu sorriso franco
(Porque sempre hei de sorrir)
Lembrará dos vossos lábios
Inocente flor a abrir
As minhas veias enxutas e rígidas
Preenchidas de sangue e de versos
Contarão histórias antigas
Guardadas nas memórias amigas
Nos meus pensamentos submersos
Interrogareis o meu olhar distante
Já despojado de vontade talvez
Iluminado por um rasgo de luz sadio
Ao som de algum fado vadio
Percorro, então, com as minhas mãos
Os vossos traços que as lembranças me dão
Sem aparente lucidez
Mais tarde... Muito tarde sabereis
Do vosso amor em mim guardado
No sarcófago que por herança habito
Sempre sempre sacralizado
Até eu ser esta rigidez
Sob a pedra de granito
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Aqueles que não calam
Aqueles que não calam
Por dizer não à podridão
São as paredes caiadas
Dos versos de Sophia
Os que não sepultam a revolta
E desafiam
Abrem ingenuamente
O peito às sucessivas cobardias
Homens permanecem de pé
Intacta a dignidade
Mordiscada a alma
E revolto o ser
Contorcem-se as entranhas
Saberá o mundo
De que túmulos de vergonhosos silêncios
São feitos a hipocrisia?
Terra raivosa de nojo
As raízes profundas
Alimentam-se de ética
A sua seiva
Esperança da humanidade
Podre infecunda
Estéril nauseabunda
Urge um novo amanhã
O hoje já é morto
Cai a noite e nada seduz
É chegada a hora
De ver renascer o Homem
Iluminado pela luz
De cada nova aurora
Por dizer não à podridão
São as paredes caiadas
Dos versos de Sophia
Os que não sepultam a revolta
E desafiam
Abrem ingenuamente
O peito às sucessivas cobardias
Homens permanecem de pé
Intacta a dignidade
Mordiscada a alma
E revolto o ser
Contorcem-se as entranhas
Saberá o mundo
De que túmulos de vergonhosos silêncios
São feitos a hipocrisia?
Terra raivosa de nojo
As raízes profundas
Alimentam-se de ética
A sua seiva
Esperança da humanidade
Podre infecunda
Estéril nauseabunda
Urge um novo amanhã
O hoje já é morto
Cai a noite e nada seduz
É chegada a hora
De ver renascer o Homem
Iluminado pela luz
De cada nova aurora
sábado, 2 de maio de 2020
Crónica de Maus Costumes 180
Gente feliz com lágrimas (João de Melo)
Há títulos felizes e este que evoca
o romance de João de Melo (que por acaso ainda não li, mas lá chegarei, até
porque ele existe na minha estante) é com certeza um deles. Detesto ter de
fazê-los e hoje acordei com ele a bailar-me o espírito. Há gente assim, feliz,
mas estranha também e que acorda com títulos de romances e versos e pensamentos
emaranhados. Deu-se o caso de hoje acordar com isto e não terá sido à toa. Ora
cá está ele a ser-me útil, devidamente referenciado, como deve ser e com os
créditos a seu dono.
Antes de passarmos ao assunto da
crónica, deixar uma palavra de apreço e de agradecimento a todas as mães
(apenas àquelas que são dignas de usar o título) e, em particular à minha, que
tem uma qualidade única: ser a melhor mãe do mundo! Pensarão o mesmo da vossa e,
portanto, não valerá a pena travarmo-nos de razões sobre o assunto. Também já
há uma crónica dedicada às mães e não será desejável voltar aos mesmos temas
sob pena de repetir-me. Começa a ser difícil não o fazer, porque esta
brincadeira já vai longa…
Hoje, pretendo narrar uma estória
que comprova a dificuldade que o ser humano ainda sente para fazer prevalecer
os seus direitos, bem como a tirania e tiques de autoritarismo que ainda
persistem dentro de determinados organismos e de certas instituições públicas,
apesar da revolução de abril e da democracia instituída. Sou absolutamente
sensível e sinto-me profundamente ofendida na minha dignidade de cidadã e no
meu sentido de justiça quando os pressinto. Se sinto injustiça, tremem-me as
entranhas e todo o meu ser vibra de revolta (assim me senti na última grande
greve dos professores).
Há
um grupo de vinte e dois agentes da Unidade Especial da Polícia que sofreram um
processo disciplinar por se terem negado a cumprir ordens superiores. Dito
assim, parece haver motivo para punição, mas compreendamos os seus contornos. A
indisciplina prendeu-se com a recusa de entrar no recinto de jogo para o qual
estariam destacados. Pois bem, nos estatutos que regulamentam o Corpo de
Intervenção (CI), uma das valências da UEP (Unidade especial de Polícia), está
determinado que esta força seja o último patamar de intervenção, após
verificar-se que todos os outros mecanismos não conseguiram repor a ordem
pública. Ora, num jogo de futebol amigável e particular, sem a presença de um
número de adeptos que justificasse tais medidas, como comprova o facto de não
ter havido qualquer incidente e onde o policiamento existente era suficiente,
qual o motivo para fazerem entrar no recinto uma força que deve ser de
retaguarda? A revolta dos agentes prende-se com o facto de estas situações se
verificarem repetidamente ao longo dos anos. Para o poderem fazer, os homens
perdiam sucessivamente a suas folgas, que supostamente seriam repostas, mas
como o serviço a cumprir é sempre mais do que as folgas, as horas em excesso
entravam no banco de horas e assim permaneciam. Por outro lado, estavam a ser
usados serviços públicos num evento particular. Todos os agentes presentes no
interior do estádio, estariam a ser pagos pelo serviço de gratificado (horas
extraordinárias) pela entidade que promoveu o evento. No entanto, o Corpo de
Intervenção, estivessem os homens de folga ou não, se chamados, eram obrigados
a ir para o serviço, sem haver lugar a pagamento dos referidos gratificados
por, à data, não terem direito a ele. Sucede que ao cabo de anos, homens
feitos, quarentões e cinquentões, não estão para lidar com o absurdo e a
tirania sem reclamar. Antes de chegarem a este ponto, as reivindicações foram
muitas, mas bateram em ouvidos surdos. Acresce ainda que apesar de se terem
recusado a entrar, por não haver qualquer situação de desordem pública dentro do
estádio e tendo-se regido por aquilo que o próprio estatuto prevê, permaneceram
junto do recinto desportivo, caso fosse necessária a sua intervenção, o que não
veio a verificar-se. Ou seja, não entraram, por não haver claramente nada que
justificasse a sua entrada, mas permaneceram em prontidão.
Perante
a rebeldia, foram abertos os referidos processos disciplinares, analisados e
discutidos dentro da própria instituição. Cada um deles foi condenado a uma
pena suspensa de cinco meses! Significa cinco meses sem salário, porque
disseram não a uma ordem sem fundamento, na defesa e cumprimento do estatuto
que os regulamenta! Evidentemente, a procissão ainda vai no adro e o processo
seguirá para o MAI (Ministério de Administração Interna), de quem se espera
maior siso!
Curiosamente,
depois do sucedido, de cada vez que esta força é convocada para prestamento
desse serviço, em dias de folga, já há lugar a pagamento. Não posso deixar de
me interrogar sobre isto: se as entidades privadas são obrigadas a pagarem o
policiamento que solicitam e se naquela altura os agentes do CI não auferiam
qualquer gratificação, o que se passaria?! Estaria o serviço público a ser mobilizado
para prestar favores a entidades particulares? Se sim, trata-se de um claro
abuso. Se, eventualmente, as entidades particulares pagavam o serviço
solicitado, resta saber o que era feito ao dinheiro, já que não era para pagar
horas extraordinárias aos agentes!
No
entanto, quem analisou o processo deve ter considerado estas dúvidas questões
menores, pois o grave problema foi a desobediência, mais do que justificada
pelos próprios estatutos!
Terão
estes superiores a noção de que há famílias a dependerem exclusivamente do
salário destes agentes? De que há compromissos e filhos? De que comprometem o
equilíbrio de muitas vidas por se sentirem desautorizados, feridos no orgulho
e, coitadinhos de suas excelências, quais meninos birrentos e tiranos, fruto da
sua criação, não suportam ouvir um não, mesmo quando é justificado? Homens que
já deram mais de vinte anos à instituição, sempre com condutas exemplares. Não
será, no mínimo, aconselhável um exame de consciência? São punidos pelo orgulho
ferido de quem não sabe o que é a rua! Haja decência e honradez! As
instituições públicas deveriam ser as primeiras a zelar por esses princípios e são
as primeiras a claudicar.
A
todos os outros colegas de ofício, ocorre-me dizer-lhes que respeitem o lema
que trazem nos fatos que envergam, que manifestem a indignação perante o
sucedido, na defesa dos colegas. Contra a tirania, apenas a força de uma
multidão que não desmobiliza. Hoje, por eles; amanhã, por vós!
A todos os envolvidos no processo, sintam-se
orgulhosos. Não se sintam envergonhados pela desobediência em prol do que é
justo e honrado. Têm a convicção de terem a razão do vosso lado. Haja luta até ao
final! As árvores morrem de pé, só a fruta podre cai ao chão. Gente feliz, às vezes,
também chora.
Nina
M.
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