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domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 28



Aproxima-se mais um momento de avaliação e sinto-me em modo de desabafo. A Educação há muito anda doente e as prescrições para a cura têm sido sucessivamente inócuas, apesar de algumas estatísticas mostrarem o contrário. Os dados estatísticos, como se sabe, oferecem diversas leituras, consoante as variáveis dos óculos que temos postos, quando se interpretam os números.
Ninguém duvida que atualmente a taxa de analfabetismo é residual, mas se falarmos de iliteracia, o caso muda de figura, apesar do relatório PISA evidenciar grandes melhorias. Resta saber qual o perfil de aluno que integrou a avaliação!
Diz-me a minha perceção e a de muitos colegas que esta evolução é manifestamente insuficiente. Não fizemos nenhum estudo, mas trabalhamos diariamente no terreno e o que vemos, ouvimos e corrigimos é absolutamente desencorajador e frustrante.
Admito a minha extrema dificuldade em lidar com quem se recusa aprender, porque essa tarefa implica dedicação e esforço e atualmente a sociedade educa para o hedonismo fácil, o que não passa de uma falácia.
Devemos repensar seriamente se é este o caminho que queremos seguir. Construiu-se a tese (com a qual eu até concordo e compreendo em teoria) de que a retenção não é a chave para o sucesso. Só faz com que o aluno se desmotive e não acredite no seu potencial. Nos inícios do século passado talvez fosse assim, mas hoje, francamente, não me parece. Na realidade, a retenção não melhora rigorosamente nada, pois o aluno não vai conseguir superar as suas dificuldades só porque ficou retido. Verdade, porém, o problema é mais grave. Na maioria das vezes, o aluno não sabe, porque não quer fazer o esforço para aprender. A doença da geração que desponta é a da preguiça e a culpa é nossa (pais e professores), que lhes retiramos todas as pedras do caminho, para que os meninos não tenham que ultrapassar qualquer dificuldade. Criamos crianças indolentes, nada persistentes e quando isto se alia à pouca valorização do saber, o estrago é enorme! Esta geração não quer saber, porque o conhecimento dá trabalho e estes jovens nunca precisaram de trabalhar para conquistar o que tanto lhe apetecia, pois os seus progenitores e familiares, muito solicitamente, apressaram-se em suprir as suas carências. Resultado: alunos pouco aplicados e pouco disciplinados.
Os alunos que evidenciam dificuldades, mas demonstram querer superá-las, deveriam ter verdadeiros planos de recuperação: apoio nas disciplinas em que essa dificuldade se manifesta e uma hora por semana não é suficiente! Quanto aos que não fazem por inércia, há que sofrer as consequências! Ao invés, no sistema, facilita-se, colocando todos no mesmo plano. Perpetua-se a ideia de que se consegue alcançar os objetivos sem esforço, enquanto se contribui para o engrossar das estatísticas de sucesso de que os nossos governantes tanto gostam! Aluno que não evidencia saber porque não cumpre com as tarefas na sala de aula, porque se recusa a passar a matéria para o caderno, porque se alheia da aula, porque não cumpre com os critérios instituídos, porque não sistematiza devidamente as aprendizagens, tudo em nome da preguiça, deve ser, sim, penalizado com a retenção! Infelizmente, não é o que acontece. Devo confessar que me incomoda ouvir colegas dizerem: “Não posso ter menos de cinquenta por cento de negativas!”. Porquê?! Curioso, porque aos professores de Português e de Matemática acontece com frequência! Exijamos na medida do que trabalhamos!
O facilitismo gera incompetência e inaptidão. É triste ouvir professores universitários dizerem que nas teses dos seus mestrandos dedicam muito tempo à correção do português, porque os alunos não sabem escrever! Que geração se está a formar?
É este o estado deplorável da escola pública, em que quase basta que o aluno respire para ser bem-sucedido. Entretanto, quem nos governa e aqueles que podem têm os seus filhos nas privadas. O segredo destas escolas passa por vários fatores: a matéria-prima de que dispõem, o trabalho exigido e, em algumas, critérios de avaliação pouco ortodoxos. Eu, que já acompanhei alguns meninos que frequentam colégios privados, vejo a quantidade de trabalho de casa que lhes é exigido, em todas as disciplinas! Se os alunos das escolas públicas trabalhassem o mesmo, os resultados seriam menos díspares.
Depois, ouvimos aos miúdos os comentários: “Eu quero ir para CEF. Lá é que não vou fazer mesmo nada!” Como se fizessem muito! O pior é que têm razão! Se transitam sem esforço, vão trabalhar para quê?!
Sejamos sérios. Nem todos querem estudar ou se sentem motivados para tal, é um facto, no entanto, a solução não pode ser empurrá-los para CEF ou profissionais até aos dezoito e dotá-los de um diploma de nono ou décimo segundo anos, sem que eles se predisponham a adquirir o que deve ser apreendido. Já agora, valeria a pena mudar os programas e dotá-los de uma componente essencialmente prática, nestes cursos, porque se pretende criar bons executantes e não falsos doutos! Se calhar não precisam de ler os Lusíadas, poderiam ficar pelo João de Barros!
Nós, professores, devemos assumir sem medos a realidade das aprendizagens, contrariando os surpreendentes milagres que se operam nos finais de ano letivo, desde que tenhamos a consciência tranquila do dever cumprido, sempre com empenho. Sei que parece um ideal, mas eu sou da geração dos que gostam de ideais pelos quais vale a pena lutar! Se o resultado for uma taxa de insucesso superior ao que é aceitável, talvez os nossos governantes comecem a olhar para o ensino público com a seriedade que lhe é devida!
 Nina M.

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