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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Ricardo Reis Revisitado

Aceitemos, Lídia, a decisão das parcas
Do cansado Apolo o ocaso inadiável
Nas mãos tomemos, marcendas,
De Adónis as rosas do belo jardim

Fitemos enlaçados e serenos o sol
Dormente do fim do dia a pousar
Sobre os outeiros erguidos ao Olimpo
Não lamentemos as derrotas e as falhas

De que servem as vitórias
No final de um dia já passado?
Não nos perturbem as honras
Contemplemos o sol que se deita

Serenamente saibamos esperar
O momento de entrega do óbolo
Façamos naturalmente a travessia
Do rio que para o seu destino corre

Saboreemos a brevidade da vida
Bebamos o último cálice à sombra
Refugiados do Estio agressor
Calmamente, a olhar o sol, passemos



sábado, 25 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 349

 

Perigosos avanços técnicos

Olho para o número da crónica. Quase a chegar ao redondo. Gosto de números redondos e tenho uma certa obsessão comportamental em relação a eles. Se for correr ou caminhar, sou incapaz de fazer de sete quilómetros e setecentos, por exemplo, tem de ser os oito. Consideram-me um bocado doida, por causa disto… Penso que o número 350 é bom, mas ainda distante do 400, que, por sua vez, para ser mesmo redondo, teria de ser o 500… Vamos ver se me aguento até lá, penso, num compromisso para comigo…

Abandono, de seguida, este tergiversar que não me conduz ao assunto de hoje. Tenho sido bombardeada com notícias sobre a Inteligência Artificial (IA)… Eu já ficaria feliz se apenas trabalhasse com a natural… Bem… Certo é que aparecem ofertas de formação para professores em IA e pressuponho que servirão para capacitar para o uso de ferramentas que supostamente permitem facilitar a execução de determinadas tarefas. Mais tarde, surge outra publicação a anunciar um mestrado em IA, na área da saúde. Ao que parece, o diagnóstico da patologia passaria a ser feito pelo algoritmo… Se experimentarem, o Chat GPT faz, além de trabalhos académicos, poesia. Um dia destes teremos pintura também, música e outro tipo de arte. Já vi um programa em que o apresentador era substituído por um holograma, construído a partir dos seus movimentos e expressões… Enfim, o homem a ser facilmente substituído por maquinismos!

Talvez Álvaro de Campos ficasse em êxtase se soubesse ao que chegámos, num novo assomo de futurismo desvairado! É absolutamente assustador perceber a velocidade a que caminhamos sem dominarmos bem o processo.  Depois, a IA não está a ser pensada para fazer os trabalhos pesados e difíceis, como julgava o filósofo português, Agostinho da Silva, que acreditava que a evolução atingiria tal ponto que o homem não precisaria de trabalhar e, então, sobrar-lhe-ia tempo para criar. Curiosamente, está a acontecer o inverso… A IA está a ocupar o espaço da criatividade e da atividade intelectual e a deixar para o homem os trabalhos mais duros e pesados. O Chat GPT escreve um poema, se lho ordenar, mas não constrói a casa. Interrogo-me se a tecnologia serve para nos facilitar a vida ou se serve para ocupar o espaço que pertence ao homem real: a sua capacidade de ficcionar, de inventar, de criar e de comover.

Receio que estejamos a entrar por um caminho que dificulte a distinção entre o mundo verdadeiro e o mundo alternativo, liderado pelas tecnologias, numa espécie de Matrix, em que deixamos de saber qual deles é o mais válido. Nunca fui muito adepta da ficção científica, mas o mundo está a chegar a um ponto em que ultrapassa a própria ficção. Pegando no exemplo do apresentador substituído pelo holograma, podemos facilmente compreender as repercussões que tal ferramenta pode causar. Facilmente se pode colocar um dos líderes mundiais a tecer uma série de considerações sobre determinado assunto sem que, na verdade alguma vez o tenha feito. No entanto, nunca seremos capazes de distinguir o holograma da pessoa de carne e osso. Ou seja, a manipulação da realidade nunca foi tão fácil e tão bem feita! Estas ferramentas e a sua aplicação levantam uma série de questões éticas que não podem deixar de ser debatidas. O problema, pelo que me vou inteirando, é a celeridade com que os avanços tecnológicos se vão fazendo e que não permitem o acompanhamento de um quadro legal que regulamente eficazmente o seu uso. Se no futuro a Inteligência Artificial fugir do controlo humano e se tornar mais inteligente do que o próprio homem (neste momento, já estabelece conexões e mobiliza saber, não se limita a debitar um conjunto de informações armazenadas, por isso, é capaz de escrever texto), poderá, por si mesma, decidir o que fazer com o seu criador.

Urge o debate sério pelos especialistas em ética e o enquadramento legal de todos estes avanços, já que o movimento é imparável. A época a que pertenço não é, certamente, esta, por isso, não me deslumbro com estes avanços, antes me preocupo com a condição humana e para onde ela está a ser remetida…

Esperemos que a próxima guerra que a humanidade tenha de travar não seja contra o algoritmo. Há vinte anos, esta ideia nunca me passou pela cabeça…

 

Nina M.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Dia limpo

Quando vier o dia claro e limpo

A humanidade vestir-se-á
De justiça e de paz

No areal não haverá corpos estendidos
Esfriados pelo relento e pela maré

Todos terão um lar imenso
Coberto de azul sobre o doirado

E os apontamentos brancos, puros
E etéreos das nuvens
Abrir-se-ão em botões de algodão
Na claridade

sábado, 18 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 347

 

Sempre Porto

               A semana foi pródiga em acontecimentos e, pelos piores motivos, vi, tal como os restantes adeptos e sócios, a situação deplorável que aconteceu na Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto.

               Não sou sócia, sou apenas adepta, mas a violência gratuita a que assisti não me representa nem representa a grande maioria dos portistas, tal como se percebe pelos vários grupos que povoam as redes sociais afetos ao clube.

               O Futebol Clube do Porto é uma instituição que se sobrepõe a todo e qualquer adepto, sócio ou dirigente. O clube maior e que tantas vezes representa Portugal em competições europeias e que, não só marca presença como é o melhor clube português a fazê-lo, não pode nem deve abrigar acontecimentos destes. Espero que a SAD tome, efetivamente, as medidas necessárias e adequadas, no sentido de punir os prevaricadores.

               Sopram ventos de mudança na administração portista, com André Villas-Boas a assumir-se candidato. Há uma enorme franja de portistas que questionam a situação financeira do clube, acreditando que os dirigentes são os principais responsáveis pelas contas pouco recomendáveis que vão sendo apresentadas, apesar da contenção no investimento dos plantéis dos últimos anos e das participações sucessivas do Porto nas competições europeias, onde salvo raras exceções, consegue fazer bom encaixe financeiro, devido aos seus resultados. Os sócios querem compreender o que se passa e com toda a legitimidade para isso. Eu, que assisto apenas ao que vai sendo noticiado, parece-me evidente que o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa já não tem nem a força moral nem a força física para fazer face a determinadas situações. Não significa que o presidente não esteja lúcido como sempre foi, mas a idade avança e não perdoa. Creio que o mal na estrutura do Futebol Clube do Porto será mais dos que rodeiam o presidente e integram a SAD, talvez, mais dispostos a servirem-se do clube do que a servir a instituição. Ao que parece, segundo se fala nas redes sociais, uma das alterações aos estatutos previa a permissão de familiares que trabalham no clube poderem fazer negócios, o que à luz dos estatutos atuais não é permitido. Ora, os portistas sabem que, noutros tempos, Pinto da Costa e o filho Alexandre não se falavam. Andaram de costas voltadas imensos anos e, pelo que consta, estaria na origem da zanga a recusa de o presidente acolher negócios liderados pelo seu primogénito, colocando sempre os interesses do FCP à frente de qualquer outra coisa, inclusive dos interesses do filho. Consta que o problema será semelhante, mas ao que parece, desta vez, o presidente parece sucumbir perante tais pretensões. Obviamente, tudo é suposição, porque só quem está no convento sabe o que lá vai dentro.

               O facto de se propor as alterações não significa que elas fossem aprovadas. Seria necessário que a votação democrática dos sócios a validassem. É aqui que o caso se complica, envergonhando a maioria dos portistas. Quando um dos sócios do clube exprime a sua opinião e que é contrária à da estrutura, o líder dos Super Dragões, Fernando Madureira, decide agredir o associado, numa clara falta de respeito, quer pelo sócio que tem o pleno direito de se manifestar quer pela instituição FCP. Também há quem considere que o Madureira, vendo a aproximar-se o fim da era de Pinto da Costa tem medo de perder as suas regalias, optando pelo modus operandi que lhe é conhecido: a intimidação e a coação. Pelos vistos, tudo tem valido: mensagens de retaliação e ameaças. A casa de André Villas-Boas já foi visada. Sei que também já chegou a circular uma petição para destituir o Madureira da qualidade de sócio do clube, mas quem a lançou já a removeu, tal como alguém responsável por uma página de reflexões e afeto ao clube, já veio anunciar o fecho da mesma. Logicamente, só vejo uma explicação: receio de uma possível retaliação. Eu espero que, se efetivamente houver ameaças através de mensagens escritas, haja a coragem de denunciar os meliantes. Infelizmente, nesta situação, quando alguém se inscreve sócio, ninguém lhe pergunta pelo registo criminal, mas talvez devesse ser obrigatório.

               Acredito que este comportamento inaceitável do Madureira só ajudará a oposição à atual SAD, porque pelo que vou vendo e lendo, a maioria dos portistas pede a sua punição e a demissão dos administradores. O Macaco, como é conhecido, até pode conseguir intimidar, mas há algo que nunca conseguirá fazer: impedir que os portistas votem livremente no candidato da sua preferência, seja ele Pinto da Costa ou outro. Portanto, um energúmeno a ser energúmeno.

                Eu gostaria que o presidente mais titulado de sempre reconhecesse que talvez esteja na hora de ceder o lugar a outro, numa transição calma e sólida, a bem do seu amado clube e que sempre soube pôr acima de tudo o resto. Para os adeptos e sócios, o Pinto da Costa será sempre o presidente honorário do Futebol Clube do Porto, aquele que sempre teve e continua a ter o maior respeito e a gratidão de todos. O Presidente que pôs o FCP nos palcos internacionais, que fez do clube um dos melhores da Europa, que lhe retirou o epíteto de clube regional. Queremos (a nação portista) que o Presidente saiba sair em apoteose e aclamado por todos, fazendo-se ecoar o seu nome no estádio, como tantas outras vezes.

               Olho para o futebol e encontro semelhanças com a política. Quer num lado quer no outro são necessárias pessoas com certa estrutura ética. Não se pede seres perfeitos e irreais e que não falham, mas gente que não se deixe corromper, gente que acredite na função de servir o país ou a instituição e que zele por eles como se zela pela própria casa. Acredito que ainda haja gente desta, de verdade e que causa admiração, mas escondem-se e não se querem envolver nos meandros dos pequenos poderes. Nada há de mais detestável do que ver o abuso de pequenos poderes nos vários organismos. ver aquele que se acha superior e que pode agir como um déspota, apenas porque lhe é confiado determinado cargo. Aquele que manipula e mina o ambiente à sua volta para obter benefícios próprios, na mais pequena coisa, porque até acha que merece, afinal trabalha e exerce uma cargo de chefia e, como tal, merece mais do que os outros. O vaidoso que é tão pobre e tão vazio que só se pode valorizar pelo pequeníssimo poder que exerce e, então, oprime e humilha, para se sentir superior. Não passa de alguém detentor de uma fraquíssima autoestima que tenta, a todo o custo, ocultar. Esta suposta meritocracia subvertida enoja-me e voto aqueles que a praticam ao meu mais profundo desprezo. Infelizmente, estes seres povoam as instituições políticas, públicas e sociais. Se queremos perceber o caráter de alguém, basta atentar na atitude que manifesta com quem lhe é inferior e com quem não lhe pode ser uma mais-valia. Esclarece muita coisa.

A pessoa digna, competente e que tanta falta faz para o desempenho destas funções, muitas vezes, afasta-se destes meandros. Não tem qualquer sede de poder nem ambiciona nada, além da sua paz de espírito e espera que nunca se lembrem dela para tal ofício. Vive noutra esfera, num mundo que lhe é próprio e do qual lhe custa cada vez mais sair. Quem assim é precisa de se proteger para não correr o risco de ser conspurcado, por isso, afasta-se e recolhe-se. É a explicação que encontro para este fenómeno e não posso recriminar quem assim age.

Ocorre-me que, talvez, as melhores pessoas para exercerem certas funções serão, precisamente, aquelas que não as ambicionam. Quando o Papa Francisco soube que seria um dos elegíveis e que havia uma forte possibilidade de o seu nome ser escolhido, ele recusava, afirmando que nunca foi a sua ambição. Por isso mesmo, ter-lhe-ão dito, por nunca teres pensado em tal e por não o desejares, és a pessoa ideal para o lugar.

Quanto ao Futebol Clube do Porto, só posso esperar que se saiba renovar com a tranquilidade necessária para continuar a somar vitórias e dar alegrias aos seus adeptos.

Saudações portistas.

Nina M.

domingo, 12 de novembro de 2023

Corre o rio para o mar

Corre o rio para o mar
Na sua correnteza natural
Comprimido pelas margens
Que sustêm o seu leito


Passa por ele o inverno
A fazê-lo transbordar
Derrama as lágrimas excessivas
Inunda os campos férteis ao redor

Passa a primavera passa o verão
E o leito acomoda-se às margens
Estende-se ao sol enquanto corre
Ao mar! Ao mar! O seu destino final.

Inexorável como as estações
Como a vida
Corre

sábado, 11 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 346

 

Se não fosse trágico seria cómico

             Amanhã, tentarei não me esquecer de ver o Isto é gozar com quem trabalha. A semana foi quente e a equipa que escreve os guiões teve bom material para poder trabalhar. Começo a pensar que os política portuguesa e os seus meandros facilitam muito o trabalho dos humoristas. Quando não souberem que temas deverão tratar, basta estar atento às novidades do Governo e da Assembleia. Nunca falha!

            Apesar de ser crítica das muitas das posições deste Governo, especialmente, no que diz respeito à área da saúde e da educação, não fiquei radiante com os factos ocorridos. Compreendo que quem esteja cansado dos desmandos deste Governo tenha soltado uns foguetes e até brindado com espumante português (os salários não permitem beber Dom Pérignon. O Moët & Chandon é mais acessível, mas mesmo assim, o preço ainda arrepia a alma). No entanto, a situação não é para celebração. Mais uma vez se vê o país atolado no lamaçal que alguns membros deste Governo insistem em criar. Ter um primeiro-ministro, detentor de uma maioria absoluta, a pedir a demissão por força das trapalhadas e dos indícios de corrupção do seu Governo, para além de também ele estar sob suspeita, deve ser caso único na Europa! Os restantes países europeus devem rir-se tremendamente destas cenas políticas à portuguesa! Só podem ridicularizar-nos e achar que esta nação não tem solução. Só podem entender que está fadado ao fracasso pela sociedade medíocre, na sua generalidade, que permite que políticos sem estrutura moral alcancem o poder, se enredem e se ceguem nele. O problema é que quem conhece e lê os autores portugueses, ao longo dos séculos, percebe nitidamente que o diagnóstico se mantém desde sempre e que as críticas tecidas outrora podem ser feitas agora. Camões já denunciava a corrupção a que o vil metal sujeita. Eça já narrava jocosamente episódios inusitados dos políticos, da falta de competência destes e da sua falta de cultura. Desde a era Sócrates que nos habituamos aos espetáculos deploráveis com que o partido socialista, sem honra e sem pudor, decide presentear os portugueses. Os sucessivos escândalos de demissões motivadas por comportamentos que, se não são propriamente ilegais, são no mínimo vergonhosos e no máximo inaceitáveis a quem exerce cargos de responsabilidade pública, minam a democracia. Queira-se ou não e contribui para que as pessoas percam a confiança nas instituições. Não adianta entender que se deve olhar para o panorama e verificar que, apesar de tudo, a democracia está em funcionamento. Ainda vai funcionando, mas a cada corruptela, ela vai padecendo e adoecendo. A mixórdia foi tal e tanta que culminou na demissão de António Costa, por suspeição de poder estar envolvido em negociatas. No meio disto, o maior artista, o Galamba, depois do lítio, depois do computador que o levou a acionar o SIS e a demitir o funcionário, depois de o Presidente ter pedido a sua cabeça numa bandeja, permanece de pedra e cal: não se demite nem é demitido! O Galamba ainda corre o risco de ser o homem do ano! Aquele que vive em cima do arame, mas que se equilibra sempre bem. O senhor António Costa exonera (e bem) aquele que guardava o dinheiro no gabinete, demite-se, mas não demite o Galamba! Um Governo sem rei nem roque e que sem Costa rebenta pelas costuras. Não sobrou outra alternativa ao senhor presidente: dissolveu a assembleia e bem. No final, fica-se a saber que o Pedro Nuno Santos, esse mesmo, o da trapalhada da TAP, se apressou a anunciar que é candidato a secretário-geral do partido. Pois… A sua consciência de nada o acusa, a não ser de generosidade extrema, porque quem consente uma indemnização de quinhentos mil euros, que saem dos bolsos dos contribuintes, só pode ser muito generoso! Não percebo por que razão não arranjo chefias destas! Vá lá… Vais ser demitida, mas, pronto, para compensar os danos morais, toma lá quinhentos mil euros! Bem, acho que poderia pedir um milhão, devido ao tempo de serviço acumulado! Os deuses devem estar loucos! Porém, o senhor apenas se demitiu porque "face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso", entendeu, neste contexto, "assumir a responsabilidade política" e apresentar a sua demissão ao primeiro-ministro. Atenção! O indivíduo não cometeu qualquer insanidade! O problema está na perceção pública! Eu gostaria muito, para bem do partido socialista e para bem da democracia portuguesa, que este senhor não chegasse a líder ou adivinha-se a perpetuação do descalabro. Os nossos políticos têm uma habilidade especial: premiar a incompetência e ainda fazer disso gáudio.

            Certo é que, para bem da democracia portuguesa e do desenvolvimento do país, seria bom que os partidos fossem capazes de encontrar gente escorreita, competente e honesta. Portanto, não regozijo nada com a situação. Entendo que o país não precisa disto e espero que os partidos, todos eles, sejam mais criteriosos na seleção de pessoas. Ainda assim, se o escrutínio falhar, deveria ser o próprio partido a envergonhar-se dessa gente e a correr com eles de lá para fora. O serviço público deve ser exercido com sentido de Estado.

Padre António Vieira, no “Sermão de Santo António aos Peixes” questionava o que se deveria fazer ao sal que não salga ou ao pregador que não prega a boa doutrina e a resposta era clara: lançá-lo fora. Assim se deveria fazer aos que conspurcam a política.

Curiosamente, a vida tem destas ironias, a Geringonça, presa por arames, foi mais sólida do que uma maioria absoluta que apodreceu por dentro!

No dia dez de março, sem desculpas, cumpram o vosso dever cívico. Acorram às urnas e votem em consciência. Não olheis unicamente para o vosso quintal, para os que supostamente irão envergar o espírito messiânico e qual D. Sebastião descer à terra e salvar os professores, os médicos e enfermeiros. Tentai saber se a gente vos inspira confiança e se há uma linha de atuação para o país, se há um plano que ponha isto a funcionar dentro de uma normalidade que permita resolver os tantos problemas que afetam os cidadãos, com dignidade e respeito. O bodo aos pobres enfurece-me!

 

Nina M.

 

 

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Homem caído

Hoje, só hoje,
É preciso um poema
Palavras onde a violência
Não caiba nem a opressão
Se imponha

Hoje, só hoje,
É preciso fantasia
Abrigar-se no sonho 
Possibilidade de vida
Sadia

Esta noite
Fria e melancólica,
Só hoje,
É preciso que sirva
De abrigo

Esta noite
Desumana e cruel
Só hoje
É preciso que abandone
O fel

Hoje, só hoje,
É preciso um poema
Magia pura
Quem sabe ternura
Quem sabe veneno

Hoje, esta noite,
É preciso que
A vontade perdure
Que o sonho
Segure

O Homem caído



sábado, 4 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 345

 

Introspeções

               Deparei-me com um texto comovente do professor Frederico Lourenço, no qual ele recorda a falecida mãe com palavras elogiosas e sentidas. A mãe Manuela (curiosamente o meu segundo nome) era uma pessoa solar e a sua alma definhava um pouco com o surgimento do outono e do inverno.

Como me revejo nisso! Não que me sinta definhar, porque sou detentora de uma personalidade jovial e de uma certa alegria que existe, apenas porque sim, sem pedir licença para se instalar. No outro dia, ao entrar na sala de professores, dizia-me o colega Miranda: Andas sempre a sorrir! Pois… Acho que sim… Também penso que a vida não me corre nem melhor nem pior do que a dos outros, mas tal como um colega também já me disse: “és moça de poucos queixumes!” Aposto que o Hugo Novais já nem se lembra que me disse isto nem o contexto, mas eu sei-o muito bem.

A minha memória tem a particularidade de gravar certas palavras, que não se revestem de grande importância, mas que me ficam. Uma altura, noutra escola, uma colega chamada Isilda viu-me entrar e passado pouco tempo veio perguntar-me se estava tudo bem. Levantei o sobrolho para revelar a minha surpresa com a pergunta. Ela respondeu: “andas sempre a sorrir e hoje passaste, disseste bom dia, mas tão séria que achei que não estivesses bem… Nessa altura, sorri; e expliquei que vinha tão enredada e distraída nos meus pensamentos que o sorriso não aflorou os lábios…

Portanto, neste aspeto particular não serei como a mãe Manuela que inferi padecer de uma certa tendência depressiva. Quem conhece pessoas que padecem deste mal, sabe que essas vagas depressivas flutuam com a sazonalidade, isto é, no outono e na primavera, normalmente, os doentes precisam de um reajustamento na medicação. Felizmente, creio que a minha genética produz todas as hormonas necessárias para o sorriso: serotonina, responsável pela sensação de bem-estar; dopamina, que permite o cérebro completar tarefas, endorfina, que funciona como um analgésico em situações de dor e de angústia e a oxitocina, a hormona da empatia e do amor. Fui contemplada pela genética e nisso não tomo parte. Não obstante, não significa que não precise de estímulos externos para que a máquina funcione oleada: a vitamina sol, que me é essencial e noites bem dormidas. Sem estes dois agentes, torno-me irritadiça e o cansaço pode deixar-me, como me dizem os “aborrescentes” da casa, “irritadinha” ou numa expressão mais feia “com problemas de raiva”. Juro que não há ponta de canídeo em mim! O que eles querem dizer é que a mãe quando se sente cansada e assoberbada com o trabalho pode ficar impaciente e explodir mais facilmente com eles, respondendo-lhes ou advertindo-os num tom de voz pouco recomendável. Sei que não se deve fazer, mas é difícil controlar… Para além disso, afirmei que sou pouco dada à melancolia, mas não significa que nunca me irrite ou zangue. Na verdade, este tempo escuro, de chuva constante, por vezes, causa-me irritação interior.

No entanto, não era só por isto que o professor Frederico lembrava a sua mãe, mas antes pelo legado que lhe deixou: o saber e ser capaz de amar o outro. Afirmava ele que a mãe amava mais os outros e era capaz de ser mais generosa com os outros do que consigo mesma. Pessoas que conheceram a senhora corroboraram as palavras do filho.

Fiquei a pensar nas belas palavras e no quanto gostaria de ser lembrada pela minha prole dessa forma, a mãe que lhes ensinou a amar e a desprezar a mesquinhez, a intolerância e a crueldade. A mãe que lhes ensinou a ter empatia e respeito pelo próximo e a não tecer juízos de valor prematuros. Sei que a mensagem que transmito é esta, mas também sei que nem sempre acerto e que sou falha como todos os humanos. Temo que neste mundo absurdo de onde o sentido parece fugir, o apelo se perca ou eles se percam dele e o possam achar desajustado.

Liev Tolstói, em “Confissão”, afirma que "Só conseguimos viver enquanto estamos embriagados pela vida; mas, quando ficamos sóbrios, é impossível não ver que tudo isso é apenas ilusão, e uma ilusão tola. Na verdade, não há nada aqui de engraçado nem de espirituoso. É apenas cruel e absurdo."

               Não posso retirar-lhe a razão perante o que observamos no mundo: as guerras constantes, as desigualdades gritantes, a miséria e a fome. Tudo ação do ser humano! Tal como deixaria Thomas Hobbes registado, “o homem é o lobo do homem”.

Perante isto, ou nos rendemos ao cinismo e ao pessimismo e passamos a acreditar que, independentemente, do que possamos fazer, não mudaremos o mundo e, como tal, centramo-nos unicamente na nossa vida, tentando proteger-nos o melhor que soubermos, procurando esquecer a triste realidade. Creio que uma grande parte de nós vive assim, alheada, agarrada à leveza ou ao peso da sua vidinha, presa numa sensibilidade egoísta que se incomoda apenas com o que a afeta pessoalmente; ou então, tentamos individualmente fazer a nossa parte, através dos exemplos que damos, do legado que deixamos, tentando ser melhores a cada dia, espalhando o amor e o respeito, denunciando a crueldade, numa missão de “soldados do futuro”, da qual Antero de Quental incumbiu os poetas, em que as armas são as palavras. Em simultâneo, teremos de recolher-nos nas nossas “conchas puras” como refere o verso de Eugénio de Andrade, para não nos deixarmos contaminar pela sujeira do mundo e manter a integridade da alma (quem a tiver).

Eu escolho a segunda via, porque acredito que o único antídoto contra o absurdo é a concha pura do amor, porque o que nos mantém presos à vida é também a esperança e, apesar dos sinais contrários, deveremos esforçar-nos por crer que a nossa ação pode contribuir para a melhoria do mundo. Pelo menos, para a melhoria do mundo de alguém.

 

Nina M.

 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Terra Santa

Numa Terra Santa
Reino de Israel e de Judá
Chovem bombas e mísseis
Como se fosse Maná
O alimento milagroso
Libertador de povo escravo
Transformado em pão honroso
A limpar o desagravo

Povo tão massacrado
Heregemente perseguido
A ser também vilão
Ter exército destemido
Não há somente inocentes
Numa guerra sem razão
Há líderes dementes
E gente sem coração

Crianças que perecem
Sob o fogo de fúria vã
Lançam os olhos ao céu
Procuram o seu talismã
Quem as ouve e afaga
Sob os escombros áridos?
Quem as protege e salva
De loucos e sanguinários?

O absurdo do mundo
Diante dos olhos se impõe
Não se encontra um sentido
Para tanta destruição
O que sobra da humanidade?
Ruínas de um mundo a arder
Fere a sensibilidade
Ver a humanidade morrer.

Que legado deixamos
Ao filhos da nossa guerra?
Ensinamos-lhes a violência
E a destruição da Terra
Erga-se a voz da concórdia
Esqueçamos as diferenças
Hasteie-se a bandeira branca
A bem da sobrevivência