Confesso-me saudosista e, como tal,
absolutamente lusitana. A saudade, palavra que não é traduzível noutras
línguas, apenas a ideia que encerra em si, por aproximação, é um traço
indelével da personalidade portuguesa e que nos diferencia substancialmente dos
outros povos europeus.
Este sentimento tão português, associado
ao gosto pela boa e farta mesa, pelo futebol e pelo fado, acrescentando a
simpatia e generosidade constitui, em traços genéricos, a caracterização do
povo português. Se quisermos adicionar alguns defeitos, juntemos uma pitada de
inveja, o ser obrigado a viver constantemente em crise económica, a corrupção e
o tráfico de influências dos poderosos. Misture-se tudo muito bem, dê-se algum
tempo de maturação e daí resultará a verdadeira alma lusa.
A saudade é uma das características na
qual me revejo muito. É uma pieguice, eu sei, mas não consigo evitá-lo. Sinto
amiúde uma saudade infinita de algumas almas boas que fui colecionando ao longo
do tempo e com quem, por força da vida, deixei de me cruzar… Sinto saudade de
cheiros e lugares e até, pontualmente, de mim mesma, ao dobrar uma esquina
inesperada…
Viajo imensamente no tempo (a minha
imaginação sempre foi pródiga) e revisito lugares, pessoas e situações. Por
vezes, com o rigor que a memória me permite, recrio o que já vivi e, às vezes,
invento de outra maneira, da forma como deveria ter sido, mas não foi ou como não
foi, porque não deveria ter sido, mas eu insisto no erro. Porquanto na minha
imaginação mando eu, sigo por aí adentro, pouco me importando com convenções
que as meninas bonitas sempre devem seguir e, se me apetecer mandar alguém à bardamerda
(como diria a minha avó) ou aplicar-lhe um beijo repenicado cheio de tudo,
faço-o sem reserva nem pudor. Normalmente, no quotidiano, sou mais educada,
pelo que estas viagens interiores são um excelente recurso para expiar culpas,
remorsos ou libertar tensões, sem freio nem reservas.
Assim, nesses lugares recônditos,
encostadinhos ao coração ou ao cérebro (cada um escolha o que mais lhe
aprouver), não deixo que fique nada por dizer ou por fazer e gozo
profundamente, inexplicavelmente e incontrolavelmente de uma liberdade
selvagem, louca e feliz. Aquela liberdade da qual não podemos usar e abusar nas
nossas vidas pelas consequências que nos traria e também porque a nossa
liberdade termina, quando interfere com a do outro. Sabem como é?! Libertinagem,
talvez, que só obedece ao nosso umbigo e aos nossos caprichos, mesmo assim, sem
um pingo de escrúpulos nem de pruridos éticos. Sabe tão bem uma canalhice
esporádica e catártica aqui ou acolá, mesmo que imaginária!
Deambulo entre pensamentos e memórias
que me assaltam e aos quais dou continuidade, pergaminhos que me conduzem a uma
realidade paralela e imaginária, mas que vive dentro de mim e me pertence. É como
se escrevesse incessantemente e fosse uma das personagens que observo e
acompanho do exterior. Uma espécie de alter-ego mais inconsequente, desprendido
e desavergonhado. Um brincar constante a uma outra forma de vida parecida com a
que tenho, com algumas pinceladas que lhe dão outra cor, forma e conteúdo.
Invariavelmente, o mote dado para a
abstração parte de fragmentos vividos, uns já recessos, outros recentes e
frescos, ou então são comportamentos observados, provavelmente alguns já
adulterados por um novo olhar, mas que se embutiram em mim, de tanto me
acariciarem e namorarem a alma e de me quebrarem toda a resistência. De maneira
que os silêncios onde encontro as recordações são, para mim, imprescindíveis.
Constituem o oxigénio que filtro para me livrar das impurezas e extasio nas
divagações revisitadas, realmente vividas ou manipuladas.
Uma saudade quente e consoladora, muito
quietinha, enrosca-se em mim e aguarda tranquilamente até que eu seja capaz de
a enxotar.
Nina M
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