A minha tia partiu na segunda-feira. Demasiado
cedo, apesar dos seus oitenta e três anos, porque a sua vitalidade fazia-nos
esquecer a sua idade. Há um mês, não padecia de qualquer maleita e entretanto,
num ápice, a morte, que não poupa ninguém, a lembrar-nos que um dia chegará a
nossa vez, colheu-a.
A minha tia encarou-a de frente. Soube-o, quando
ela afirmou a familiares que estava em paz, permitindo-nos adivinhar que ela
aguardava serenamente a chegada do carrasco. Senti esta sua frase como uma
autorização tácita para que a morte a acolhesse. Assim partiu, com o seu
próprio consentimento.
A minha tia morreu como viveu: cheia de tudo e
independente. Nem sempre a vida lhe sorriu, mas soube ultrapassar as
dificuldades. Sempre que ouço ou leio a palavra resiliência, lembro-me dela.
Herdou este carisma de sua mãe, minha avó Matilde. A minha tia deu continuidade
ao legado de sua mãe. O papel de matriarca assentava-lhe tão bem que, por
vezes, ela não parecia real. Lembra-me algumas das personagens femininas dos
romances de Agustina. Sentiu o carinho de familiares, amigos e vizinhos, mas
recusou ser um estorvo para quem quer que fosse. Entre morrer rapidamente, com
pouco sofrimento ou ser obrigada a depender do cuidado de terceiros, por muito
que estes a amassem, se pudesse escolher, ela quereria a morte. Assim foi.
Seu estro foi depositado na cova escura num dia de
brilho e de sol reconfortante. Talvez seja um sinal divino de que a sua alma
foi bem recolhida e aconchegada pelos que lá a esperavam e receberam. Resta-nos
o consolo de não ficar só. Juntou-se aos pais, irmão e marido.
Agora, sob o espectro da sua luz, tentaremos
honrar o seu legado, que é especial. Recordaremos muitos episódios dos quais
ela é a protagonista, ensiná-la-emos aos mais pequeninos da família, para que
sempre a recordem com ternura. Quanto a nós, os adultos, resta-nos a saudade,
que segundo uma criança (e até hoje ainda não ouvi melhor definição) é o amor
que fica. Tão verdadeiro! A minha tia levou com ela o nosso amor e deixou-nos o
seu.
Paz à sua alma que, por certo, zela por nós como
sempre fez.
Nina M.
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