Seguidores

domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 10



A minha tia partiu na segunda-feira. Demasiado cedo, apesar dos seus oitenta e três anos, porque a sua vitalidade fazia-nos esquecer a sua idade. Há um mês, não padecia de qualquer maleita e entretanto, num ápice, a morte, que não poupa ninguém, a lembrar-nos que um dia chegará a nossa vez, colheu-a.
A minha tia encarou-a de frente. Soube-o, quando ela afirmou a familiares que estava em paz, permitindo-nos adivinhar que ela aguardava serenamente a chegada do carrasco. Senti esta sua frase como uma autorização tácita para que a morte a acolhesse. Assim partiu, com o seu próprio consentimento.
A minha tia morreu como viveu: cheia de tudo e independente. Nem sempre a vida lhe sorriu, mas soube ultrapassar as dificuldades. Sempre que ouço ou leio a palavra resiliência, lembro-me dela. Herdou este carisma de sua mãe, minha avó Matilde. A minha tia deu continuidade ao legado de sua mãe. O papel de matriarca assentava-lhe tão bem que, por vezes, ela não parecia real. Lembra-me algumas das personagens femininas dos romances de Agustina. Sentiu o carinho de familiares, amigos e vizinhos, mas recusou ser um estorvo para quem quer que fosse. Entre morrer rapidamente, com pouco sofrimento ou ser obrigada a depender do cuidado de terceiros, por muito que estes a amassem, se pudesse escolher, ela quereria a morte. Assim foi.
Seu estro foi depositado na cova escura num dia de brilho e de sol reconfortante. Talvez seja um sinal divino de que a sua alma foi bem recolhida e aconchegada pelos que lá a esperavam e receberam. Resta-nos o consolo de não ficar só. Juntou-se aos pais, irmão e marido.
Agora, sob o espectro da sua luz, tentaremos honrar o seu legado, que é especial. Recordaremos muitos episódios dos quais ela é a protagonista, ensiná-la-emos aos mais pequeninos da família, para que sempre a recordem com ternura. Quanto a nós, os adultos, resta-nos a saudade, que segundo uma criança (e até hoje ainda não ouvi melhor definição) é o amor que fica. Tão verdadeiro! A minha tia levou com ela o nosso amor e deixou-nos o seu.
Paz à sua alma que, por certo, zela por nós como sempre fez.
 Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário