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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 61



Queria trazer-vos uma crónica terna de Natal e, para isso, seria preciso recuar à minha infância em que, por esta altura, eu e os meus dois irmãos já tínhamos revirado as gavetas e os armários, umas vezes com o firme propósito de encontrar os presentes que iríamos receber e outras, bafejados pela sorte do acaso, encontrávamo-las sem querer…
Foi assim com os blusões que experimentámos e com os quais fizemos passagem de modelos ou com os matraquilhos que o mais novo encontrou, por mero acaso, em cima de uma prateleira onde se guardavam as batatas… O mesmo aconteceu com a nave e o He-man que ele tanto queria e que, depois, a nave chegou, mas em vez do herói, como os adultos não percebiam nada, recebeu o vilão da história e não pôde dissimular o desapontamento…
Geralmente, éramos bem-sucedidos e bons atores e, no dia da distribuição dos presentes, fingíamo-nos muito surpreendidos…
À medida que os anos vão passando, o Natal perde um pouco da sua magia, porque vamos ganhando consciência das injustiças e das incomensuráveis assimetrias económicas e sociais e que não permitem que muitos milhões de pessoas, entre elas, crianças, possam ter o Natal que merecem. Agora já não há a ansiedade pelos presentes de que não se precisa, apenas a alegria de ver a azáfama e nervosismo dos mais pequenitos…
Para mim, chega o aconchego da lareira e o copo de tinto quente e cheio de alma, em família, a acompanhar a mesa farta. Há histórias e risos e memórias que nos unem e cada vez mais estes momentos se revestem de uma importância inigualável…
A consciência de que se deve aproveitar esta frugalidade até ao tutano não me abandona, porque um dia nada será mais assim e essa inevitabilidade é pedra a cair na alma…
Só me lembro do Torga e da sua afeição telúrica, da sua revolta e também me questiono sobre a suposta liberdade humana, pois, se fosse verdadeiramente livre, escolhia permanecer por cá e manter os que mais quero por tempo indefinido, até me doerem os olhos de tanto ver e as pernas de tanto percorrerem e a alma de tanto sentir e todo o corpo, por não mais caberem em mim todas as emoções que este mundo me oferece, boas ou más!
Assim, se houvesse um milagre que me fosse concedido pelo génio da lamparina do Aladino ou pelo Menino Jesus, tanto me fazia, eu escolheria viver pelo menos duzentos anos na companhia dos meus e registaria uma cláusula em que ficasse registada a possibilidade de renovar por outros tantos, caso chegasse ao fim do contrato e constatasse que pretendia viver um pouco mais, por achar a morte uma maçada insustentável!
Eu espero mesmo que haja outra forma de vida mais além, noutra dimensão, caso contrário ficarei mesmo desiludida! É uma espécie de recompensa que sabe a pouco, porque se gosto de andar por cá, ainda que o mundo não seja nenhum paraíso, deveria poder fazê-lo até me fartar! Mesmo que as promessas do outro garantam conforto e regalia. Não, muito obrigada!
Por agora, é aqui onde eu gosto de estar e aborrece-me à brava começar a ter uma idade em que começo a assistir, mais do que o desejável, à partida de quem não queria que partisse, porque aqueles de quem canso pelo mal que me fazem, eu mesma os mato dentro de mim e vão-me morrendo aos poucos nos braços, até os deixar ir…
Nina M.
                                                     


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