Queria trazer-vos uma crónica terna de
Natal e, para isso, seria preciso recuar à minha infância em que, por esta
altura, eu e os meus dois irmãos já tínhamos revirado as gavetas e os armários,
umas vezes com o firme propósito de encontrar os presentes que iríamos receber
e outras, bafejados pela sorte do acaso, encontrávamo-las sem querer…
Foi assim com os blusões que
experimentámos e com os quais fizemos passagem de modelos ou com os
matraquilhos que o mais novo encontrou, por mero acaso, em cima de uma
prateleira onde se guardavam as batatas… O mesmo aconteceu com a nave e o He-man
que ele tanto queria e que, depois, a nave chegou, mas em vez do herói, como os
adultos não percebiam nada, recebeu o vilão da história e não pôde dissimular o
desapontamento…
Geralmente, éramos bem-sucedidos e bons
atores e, no dia da distribuição dos presentes, fingíamo-nos muito
surpreendidos…
À medida que os anos vão passando, o
Natal perde um pouco da sua magia, porque vamos ganhando consciência das
injustiças e das incomensuráveis assimetrias económicas e sociais e que não
permitem que muitos milhões de pessoas, entre elas, crianças, possam ter o
Natal que merecem. Agora já não há a ansiedade pelos presentes de que não se
precisa, apenas a alegria de ver a azáfama e nervosismo dos mais pequenitos…
Para mim, chega o aconchego da lareira e
o copo de tinto quente e cheio de alma, em família, a acompanhar a mesa farta.
Há histórias e risos e memórias que nos unem e cada vez mais estes momentos se
revestem de uma importância inigualável…
A consciência de que se deve aproveitar
esta frugalidade até ao tutano não me abandona, porque um dia nada será mais
assim e essa inevitabilidade é pedra a cair na alma…
Só me lembro do Torga e da sua afeição
telúrica, da sua revolta e também me questiono sobre a suposta liberdade
humana, pois, se fosse verdadeiramente livre, escolhia permanecer por cá e
manter os que mais quero por tempo indefinido, até me doerem os olhos de tanto
ver e as pernas de tanto percorrerem e a alma de tanto sentir e todo o corpo,
por não mais caberem em mim todas as emoções que este mundo me oferece, boas ou
más!
Assim, se houvesse um milagre que me
fosse concedido pelo génio da lamparina do Aladino ou pelo Menino Jesus, tanto
me fazia, eu escolheria viver pelo menos duzentos anos na companhia dos meus e
registaria uma cláusula em que ficasse registada a possibilidade de renovar por
outros tantos, caso chegasse ao fim do contrato e constatasse que pretendia
viver um pouco mais, por achar a morte uma maçada insustentável!
Eu espero mesmo que haja outra forma de
vida mais além, noutra dimensão, caso contrário ficarei mesmo desiludida! É uma
espécie de recompensa que sabe a pouco, porque se gosto de andar por cá, ainda
que o mundo não seja nenhum paraíso, deveria poder fazê-lo até me fartar! Mesmo
que as promessas do outro garantam conforto e regalia. Não, muito obrigada!
Por agora, é aqui onde eu gosto de estar
e aborrece-me à brava começar a ter uma idade em que começo a assistir, mais do
que o desejável, à partida de quem não queria que partisse, porque aqueles de
quem canso pelo mal que me fazem, eu mesma os mato dentro de mim e vão-me
morrendo aos poucos nos braços, até os deixar ir…
Nina M.
Sem comentários:
Enviar um comentário