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sábado, 30 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 217

 

Redes sociais, devassidão e falta de ética

                Tive a oportunidade de ver um documentário sobre o funcionamento das redes sociais, as suas implicações e os seus objetivos, produzido pela Netflix, intitulado The Social Dilemma, com a participação de pessoas que exerceram funções nessas mesmas redes, alguns deles, os próprios criadores dos produtos que consumimos.

                Temos a perceção e eu já afirmei que as redes sociais em si não são boas nem más, tudo depende do uso que se lhes dá, porém, há um lado muito perverso no meio de todo este sistema. Usamos um produto que é gratuito, mas tal como o David Lodge nos ensina no seu romance, intitulado exatamente assim, um almoço nunca é de graça. Se não custeamos o produto que usamos (e estamos habituados a fazê-lo: pagamos para ter internet, telefone, água, luz, gás…) significa que, na verdade, somos nós o produto. Nós, seres humanos dotados de individualidade, estamos a ser vendidos a retalho a empresas de publicidade. Certamente, já todos ouviram falar dos algoritmos, que analisam detalhadamente o que costumamos consumir no mundo virtual, o tempo que estamos ligados e as conexões que fazemos. Verdadeiras centrais de inteligência artificial que evoluem positivamente sozinhas, sem necessidade da mão humana, que foram criadas para nos fornecerem o que gostamos de consumir. Trata-se de verdadeira manipulação, sem que nos apercebamos, mexendo com a nossa biologia. Ao vermos o que nos interessa e os comentários dos que nos são próximos, o cérebro liberta doses de dopamina (o neurotransmissor do bem-estar). Qual o problema? Funcionar como uma droga. Significa que causa adição e que, sem nos darmos conta, ficamos reféns dessas empresas tecnológicas e dos seus produtos. Todos os utilizadores (eu incluída)  sabemos que se pesquisarmos por determinado produto, nos dias seguintes, no mural de cada um surgirá, como por magia, uma série de conteúdos relacionados com o que pesquisamos. Nada funciona por acaso. São os algoritmos os responsáveis por isso, em alimentar os nossos interesses. Onde entra o lucro no meio disto e por que razão estamos a ser vendidos? No meio dos vídeos a que assistimos, somos invadidos por publicidade que não desejamos ver e que, muitas vezes, não se pode “saltar”. Para o facebook, twitter, instagram, whatsapp, snapchat ou o que for pouco importa, porque a visualização da publicidade foi assegurada. Portanto, quanto mais tempo nos mantiverem presos às redes, mais lucros obtêm e esse é o principal objetivo das empresas. Fazer com que estejamos constantemente dependentes e ligados à rede, a consumir os conteúdos que sabem ser do nosso agrado. Desta forma, trata-se de uma forma desonesta de coação encapotada. Uma coisa é sabermos que têm acesso aos nossos dados, outra bem diferente é usá-los contra nós, sabendo como atacar as nossas debilidades. A lei não nos protege. Ao invés de protegerem os cidadãos (os utilizadores) estão a proteger aqueles que já ganharam milhões e a possibilitar que continuem a fazê-lo. Recentemente, surgiu a lei de proteção de dados, porém, já repararam que quando nos aparece um conteúdo que queiramos mesmo ver (e também surgem coisas positivas na rede, não são só parvoíces, para quem gostar de qualidade), lá surge a obrigatoriedade de aceitarmos as cookies implícitas, ou seja, de darmos o nosso aval para sermos rastreados no que concerne aquele tema. Ou isso ou não lemos, mas como o nosso cérebro se encontra condicionado, o mais frequente é aceitarmos. Evidentemente, se se tratar de uma qualquer notícia de revista cor-de-rosa, é muito fácil para mim resistir-lhe, porém, se me apresentam um conteúdo cultural relacionado com a atualidade ou literatura, por exemplo, eles (os algoritmos) sabem bem que o vou ler. É desta forma que fazem os seus estonteantes lucros.

Mais preocupante se torna quando percebemos que as crianças e os jovens ficam ainda mais vulneráveis a esta situação. Tem havido um aumento exponencial da doença mental como a depressão e até do suicídio entre os adolescentes e que está ligado ao consumo das redes sociais. Desde os desafios parvos e perigosos ao ciberbullying, tudo parece valer. Condenamos a crueldade que facilmente se usa num comentário feito num ecrã, de forma absolutamente cobarde e há situações grotescas e deploráveis, de uma agressividade inaceitável, mas e a responsabilização das empresas que não agem contra este tipo de comportamentos e que não os cerceiam, pelo contrário, muitas vezes até os promovem?! A liberdade tem de ser acompanhada com a responsabilidade e é por isso que as escolhas são difíceis. Mais grave é o facto de se assistir a comportamentos inescrupulosos pelo meio. Há notícias falsas plantadas para espoletar determinadas reações, controlar resultados eleitorais e conduzir certos líderes à ascensão política. Assim nasceram os fenómenos Trump, Bolsonaro e, mais recentemente, o sr. Ventura. Caso para dizer como Sophia: “Perdoai-lhes senhor, porque eles sabem o que fazem”. Compete-nos a nós, utilizadores, estarmos muito atentos ao que recebemos e não espalhar, tentar impedir que o fogo alastre. Posso apontar como exemplo duas situações que circularam nas redes para denegrir a imagem de Marisa Matias, por exemplo. Surgiu uma foto sua, na sua juventude, em que levantava a t-shirt e deixava os seios a descoberto, acompanhada de uma frase menos elegante e outra em que lhe atribuíam uma declaração elogiosa e disparatada sobre os regimes marxistas ainda vigentes. Ora, estou à vontade para o afirmar, porque não votei nesta candidata. Tratava-se de falsidades, até porque a fonte não era referenciada. Gente sem escrúpulos, que não olha a meios para atingir os seus fins. A nossa política está cheia destes pequenos dislates, em que há um aproveitamento, mesmo que às vezes possa ser verdadeiro, para se alcançar certos fins políticos, sem olhar ao incêndio que pode provocar. Fiquei a saber que há um número infindável de seres humanos que acreditam seriamente que a terra é plana. Como é possível? Será que essa gente não lê, não vê mais nada, outra informação contrária? Não, porque os algoritmos fazem questão de incentivar a crença, apresentando-lhes inúmeras opiniões semelhantes à sua, criando-lhes a falsa ilusão de estarem certos. Esta manipulação pode fazer perigar os sistemas democráticos e alastrar as teorias da conspiração. Um dos profissionais, no seu testemunho, dizia mesmo que o seu maior receio era poder haver uma guerra civil. Não foi há muito que a impensável invasão do Capitólio aconteceu…

O que fazer perante este cenário? Certamente, a maioria não quer abandonar as redes sociais. Tal como foi dito pelos criadores, no início ninguém pensou que se pudessem transformar em algo tão nefasto. Poder contactar tão facilmente com alguém à distância é fabuloso. Ter a informação à distância de um clique é espantoso. Programar uma viagem a um país estrangeiro e baixar a aplicação com o mapa da cidade e com as ligações ferroviárias, que nos indica que linhas seguir no metro é bestial! Então, como fazer para minimizar estas situações inaceitáveis? Colocar as pessoas a falarem sobre o assunto, nas próprias redes sociais. Sermos nós, os manipulados vendidos à publicidade, a reclamar, a controlar e a limitar o tempo que passamos nas redes sociais, a verificar a informação que nos chega e ter em atenção a sua fonte… Um deles já nem usava o Google, para quem trabalhou, como motor de busca, utilizava outro que não guardava o histórico. Por último, podemos sempre confundir os algoritmos e ler ou ver várias versões do mesmo facto, contraditórias entre si… Não deixar que nos moldem e subjuguem o nosso espírito crítico. Por fim, resta dizer que por tudo isto, não há murais iguais. Poderá haver semelhantes, mas nunca iguais, pois se há coisa que os algoritmos fazem é alimentar a individualidade do ser…

The social Dilemma… Ide ver…

 

Nina M.

 

Chocolate preto

Há um chocolate preto 

Guardado pelo tempo 

Vou mordiscando

Como quem poupa migalhas

Para que não se esgotem

São carícias a conta-gotas

Fragmentos de amor

Ingeridos com parcimónia

Sem perigo de indigestão

São pedaços de palavras

Que beijam e se desfazem na boca

A doçura exata que se derrete

E deixa desenhadas a castanho

as palavras contra a morte

Contra o absurdo

Num aviso indelével:

Amor... Precisa-se!




sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Retrato

 É um retrato antigo como 

As mãos encarquilhadas

E os olhos rasos de água

Que o olham...

Distante longínquo 

Um tempo que já foi

E não se tem...

Olha-se o velho retrato

Tem engelhas como o rosto já envelhecido

As pontas viradas do desgaste

A imagem de um tempo feliz

O riso fácil que se solta da folha a sépia

E bate áspero no rosto

A lembrar como dói

A lembrar que jamais voltará a ser como era

E esse fragmento de tempo o segundo do disparo

Eternizado num pedaço gasto de papel

Uma felicidade atrevida nos dias que passam hoje

E não é mais esse tempo da memória

Que se quer trazer agarrado à mão

Nem essa felicidade perdida de antes 

Impossível de resgatar

Nada disso se lamenta porque

Há a viagem da memória que recupera

Os fragmentos de vida intactos e redondos

É antes a ingenuidade perdida que agora nos escapa

É a alegria tonta solta e inconsciente

A encobrir as inquietações

Mas isso...

Isso não se resgata.

Nem mesmo se decrescêssemos na idade

A caminhar para a infância ao invés da velhice

É esse  o maior roubo de Cronos

Esse gatuno de beleza juventude e de pureza

Nada nunca será como foi

Nem vivido num eterno retorno

Nem nunca o maior encanto

Terá o brilho de outrora

Tudo será triste canto

Se vem de um coração que chora


sábado, 23 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 216

 Confinamento e bravatas de irmãos…

         Voltamos ao mesmo. O calendário parou e, de repente, parece que estamos novamente em março. Quase tudo encerrado e, naturalmente, as escolas também…

 Há quem conteste a medida inesperada do encerramento com pausa nas atividades letivas. Porém, sabemos que as condições para que ninguém ficasse sem equipamento não foram acauteladas atempadamente. Para evitar a crítica do fosso que novamente se criaria entre os que podem facilmente ter aulas online e os que não podem, o Governo decidiu não avançar. As escolas estavam preparadas e têm os seus planos de contingência há muito elaborados, mas os computadores ainda não chegaram a todos. Alguns já os receberam, mas outros permanecem à espera. Não discordo do Governo nesta matéria. Como professora, considero esta paragem horrível. Andamos um período para fazer com que os alunos voltassem a adquirir alguns hábitos de trabalho. Eles não estão habituados a ser autónomos. Mesmo dentro da sala de aula é uma luta para que cumpram com as tarefas que se solicitam. Fazem-no devagar, devagarinho, sempre na procrastinação. Dão-me cabo dos nervos, porque apesar de procrastinar algumas vezes, quando começo a trabalhar é para levar até ao fim o melhor que puder… É difícil gerir estas diferenças... Falo essencialmente do 3º ciclo, porque os alunos do secundário, normalmente, fazem-me mais feliz. Têm outras expetativas e começam a perceber que têm de trabalhar mais seriamente, para além de poder falar de outra forma de Literatura e de articular com a História e a Filosofia, que é o que verdadeiramente me dá prazer. No entanto, não havendo outra possibilidade, a escola fechou e o Governo entendeu que os alunos estão de férias. Naturalmente, estes dias serão compensados, portanto, efetivamente, os alunos estão de férias. Há quem conteste, porque os miúdos estarão novamente quinze dias à mercê das tecnologias. Compete aos progenitores assegurar que tal não aconteça. Para aqueles pais que estão também em casa será mais fácil, quanto aos outros, os que se ausentam para trabalhar deverão arranjar estratégias. Uma das razões pelas quais não gosto do ensino à distância é precisamente por me obrigar a passar o dia em frente a um ecrã e se não é nada bom em termos de saúde que os miúdos passem assim o dia a jogar, também não é melhor que o façam para estudar. Não acredito, mas quem me dera que no final destes quinze dias regressássemos ao presencial! Não será possível e creio que pelo menos outros quinze dias ou três semanas de ensino à distância, ninguém nos tira. O que fazer? Há que ter paciência e esperar que a população perceba que o não cumprimento dos cuidados dá nisto: escolas fechadas e miúdos em casa!

Não é fácil… Acabei de gerir conflitos…

- Deixa-me passar! – Grita a miúda.

- Diz a senha: o Rodrigo é lindo!

- Não digo. O Rodrigo é feio…

E é esta guinchadeira à qual se tenta pôr cobro, primeiramente, de forma racional, mas a partir de certa altura, não resultando a famosa pedagogia do diálogo compreensivo, passa-se à ameaça de colher de silicone em riste (a de pau parte facilmente… Já parti duas no balcão para não as partir no rabo de alguém) e a coisa ameniza, porque a mãe, apesar de carinhosa, fora de si, não é muito certa!...

Quinze dias disto, trancados em casa, sem terem como libertar as energias na rua, sem autorização para passarem demasiado tempo nos ecrãs e com a obrigação de continuarem a estudar alguma coisa, não vai ser fácil… O aspeto positivo é que passados quinze minutos são novamente os maiores amigos do mundo! É como se nunca se tivessem aborrecido um com o outro e a paz volta a reinar…

Irmãos são feitos destes desaguisados, mas também cheios de amor! Ser irmão é também sair da cama, já depois de estar deitado e quente, para se certificar de que a irmã não se esqueceu de desligar o cobertor elétrico para não morrer assada! É viver esta relação de amor-ódio, em que se aprende a defender a nossa posição, mas também a ceder e a partilhar e, por mais que o outro nos aborreça, ele é também um pedaço de nós a quem queremos bem.

Olho para os meus filhos e recuo no tempo… Vejo-me a mim e ao meu irmão mais velho, exatamente assim… Sempre pegados e sempre atrás um do outro… O mais novo não dava vida… Queria paz e sossego… Sempre acusado por nós de ser o menino… Logicamente, desde quando é que o sossego dá problemas? O problema era causado por nós, sempre a implicar, mas a ficar contrito quando se via o outro a apanhar uns tabefes…

O que dizer?! Há que respirar bem fundo, pausadamente, e comer quilos de paciência ao pequeno-almoço!

 

Nina M.

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Confinamento

Novo silêncio 

Novo vazio

O eco despido das vozes

O reverso seco das almas

Ao longe, o horizonte nebuloso...

Por entre as nuvens

O raio tímido de sol...

A luz que traz a esperança possível

À largura da solidão dos dias...

Dias feitos de silêncios noturnos

De ausências forçadas que queríamos

Presentes

Olhares ausentes que se adivinham

No interior dos seres

A monocórdica voz da tecnologia

A fazer companhia à desgraça dos sós

A mão estranha, o único conforto amigo,

Na hora da partida, longe dos seus...

As angústias que se enxotam para longe

Como fazemos às moscas

Para não perecermos sob o peso da dor

O sufoco diário de quem salva vidas

O egoísmo dos que não as veem partir

A indiferença aviltante dos dígitos sem rosto

O jogo permanente entre a vida e a morte

A ausência perene de muitos

No meio do caos 

Só a memória serve de consolo inglório

Faz emergir a voz distante

Traz o leve sorriso ao rosto

De quem vive na saudade

Do que na verdade não possui...

Falta o chão de muitos

O terreno pedregoso e concreto

A afirmar a existência das coisas

A ser harmonia no caos do mundo

A impossibilidade transformada realidade

Pela mão de um deus qualquer






sábado, 16 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 215

  As desventuras do André…

                Não publiquei qualquer foto de beiços vermelhos. Com máscara, não uso batom e quando uso, normalmente, não é vermelho… No entanto, não significa que concorde com as palavras de André Ventura, bem pelo contrário, o André representa o que eu não quero para o país.

            Considero indecente recorrer ao insulto pessoal para desprestigiar os adversários e o comentário sexista feito à candidata do Bloco de Esquerda, revela um machismo que deveria estar em desuso num candidato à Presidência do país. A Marisa e toda a mulher podem usar o batom da cor que quiserem e, pelo facto de o André não apreciar a cor (ainda que não compreenda, já que é a mesma do clube que cegamente defende), não lhe confere o direito de insinuar o que quer que seja. Debata ideias, André, não a cor do batom ou do traje. Posso concluir que o André é do tipo de homem que, aparentemente, não gosta da mulher que se faz salientar. Se a Marisa se salienta, certamente, não terá nada a ver com a cor do batom que usa. Já não estamos no tempo em que a mulher pode ser tudo, desde que não ultrapasse o homem em visibilidade. Depois, senhor Ventura, a mulher é esse ser extraordinário, que além de inteligente, ainda pode ser belo e, veja lá, pode inclusivamente gostar de valorizar os seus atributos, seja com batom, seja com roupas justas que lhe evidenciem a silhueta ou com o salto alto que lhe traz imponência. Ou o André é um heterossexual indiferente à beleza curvilínea da mulher (parece-me, francamente, improvável, pelo que vou conhecendo da natureza masculina e que toda a mulher poderá confirmar pelo que vai ouvindo dos seus amores e paixões) ou então é um fingido! Lembra-me aqueles homens que da esposa exigem o comportamento mais casto e depois procuram a luxúria que lhes interditam nos braços das devassas dos prostíbulos. Não precisa de ter medo de uma mulher bonita, apelativa e inteligente, caro André! Isso só revela a sua insegurança, o medo de que o ofusquem…

Pode haver quem diga que o André também tem sido vítima de insultos, principalmente, nas redes sociais. Acredito, porque quem as frequenta sabe que a elegância não é a principal virtude do povo português. As pessoas julgam-se no direito, em nome da liberdade, pois confundem o conceito com má-educação e má-formação, de dizerem o que lhes apetece por se encontrarem refugiadas atrás de um ecrã. Porém, dirigir-se de forma insultuosa aos seus adversários, num comício, insinuando má conduta por parte deles e tecendo juízos de valor, é inaceitável! Eu não gosto de si, André, pelos ideais que defende e pela sua hipocrisia. O Ventura vive da mesma hipocrisia de que acusa os outros e, para mim, isso é intolerável. O André quer-se fazer passar por suposto moralista, por defensor dos oprimidos e por defensor irrepreensível do que chamará de justiça social. Em primeiro lugar, não há maior pecador do que o moralista fanático. É preciso lembrar-lhe a existência da Inquisição e do Tribunal do Santo Ofício, André?! Tudo gente de bem, defensora da religião cristã e tão moralista, que na prática, fez o contrário da moral apregoada.

            O André fala das aprovações do Parlamento, mas falta constantemente às votações de projetos de lei. O André fala da falta de ética existente na acumulação de funções, tendo defendido acerrimamente o regime de exclusividade, mas faz trabalho de consultoria, onde explica a gente séria como fugir aos impostos e colocar dinheiro em offshores. O André fala da pedofilia (crime que eu abomino e me revolve as entranhas e também considero que a justiça deveria ter mão bem mais pesada), mas defende a sua descriminalização a partir dos catorze anos. O André finge-se preocupado com as forças de segurança e com os professores, mas lendo o seu programa político, percebe-se que nem uma nem outra classe teriam muita sorte, caso governasse este país. O André vive da polarização da sociedade e do seu estudo sociológico. O André compreende os principais receios do povo português e joga com eles. O seu eleitorado, sedento de ver a sua perceção confirmada, ou finge não saber desta hipocrisia ou escolhe memorizar apenas os discursos de Ventura, esquecendo os seus comportamentos. Qualquer português quer um combate sério à corrupção (mas não é um candidato incapaz de admitir as estranhezas que ocorrem nos meandros do clube que apoia, bem como o envolvimento do seu presidente, que estará nas melhores condições para o fazer). Os que não se apercebem disto são, porém, os mesmos que aplaudiam o Rui Rio, quando ele decidiu separar totalmente o exercício político do meio futebolístico, virando as Costas a Pinto da Costa e ao Futebol Clube do Porto… Eu penso que o Rio esteve bem, nesta matéria, embora pecasse por exagero. Para manter a distância não havia necessidade de fechar a Câmara aos festejos do clube que também é baluarte da cidade e que lhe leva o nome lá fora. Todavia, nada disto servirá para combater o André Ventura, porque ele conhece os discursos que mobilizam a população e usa-os a seu favor. Fomenta a ira contra as minorias. Todos nós, meros plebeus, conhecemos os discursos contra os que não querem trabalhar, porque preferem estar em casa a usufruir dos apoios sociais a terem que se pôr a pé cedo para ir trabalhar e, ao final do mês, trazer um salário mínimo vergonhoso para casa… Há esta perceção e o Ventura, sem qualquer estudo, que o comprove, atira a pérola do “ser metade do país a trabalhar para outra metade”. Pelo meio, esquece-se de que, independentemente de poder haver alguma razão, há muitas vezes crianças que não podem padecer pelos erros dos progenitores. Se uma sociedade perde a capacidade de fornecer proteção social aos seus cidadãos, então, desumaniza-se. O que é preciso é haver um acompanhamento e uma fiscalização séria, mas isso é o mais difícil e o André também não sabe como fazer, portanto, é mais fácil cortar a eito, sem condescendência nem ponderação.

Os outros candidatos e os outros partidos têm de mudar de estratégia. Devem começar por combater a hipocrisia e a corrupção internas, ter uma postura responsável e de diálogo sério e honesto com as diferentes classes profissionais. Têm de ser mais transparentes nos seus propósitos e mais zeladores do Estado.

 O André é um pirómano social e os seus adversários não estão a ser capazes de lhe retirar a tocha da mão.

 Nina M.

             

           

 

sábado, 9 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 214

 

Haja esperança !

- Mamã, quando é que a COVID vai embora? Vamos ter que andar sempre de máscaras, a partir de agora?

- Não, filha. Há de passar, mas este ano será ainda muito difícil e precisaremos das máscaras durante mais tempo.

- Mas quando é que vai acabar? Daqui a quatro anos?

- Não sei. Também gostaria de poder responder a isso… Não vai durar tanto… Talvez mais este ano…

- Ah! Ufa! É que eu não quero viver assim desta maneira!

Este é o testemunho da minha pequena de nove anos que começa a sentir falta de poder brincar à vontade com os primos, de poder visitar os avós e de se lambuzar com a comidinha da avó feita em fogão a lenha…

Perante a possibilidade de se fechar tudo, a impossibilidade de sair para onde quer que seja, a escola física é ainda o que confere a ideia de alguma normalidade nas nossas vidas. Prefiro continuar por lá. Leio comentários de colegas, nas redes sociais, que estão assustadíssimos. Alguns são doentes de risco e esses, sim, deveriam poder estar em casa sem perdas salariais, mas em relação aos restantes, grupo no qual me incluo, não vejo motivos para tal… A escola pode, eventualmente, potenciar os contágios, mas não é ela a sua principal fonte. Pelo que vou observando, a verdade é que os surtos de COVID em meio escolar tiveram a sua origem nas famílias ou locais de trabalho dos pais dos alunos. Gostaria mesmo que houvesse um estudo com o número de professores infetados desde o início das aulas, para se perceber a sua origem. Talvez desta forma as pessoas pudessem ficar mais tranquilas! O certo é que desejo o ensino presencial, pelo menos enquanto não sentir que a modalidade à distância seria mais vantajosa para a população. O confinamento que tivemos, perante uma situação pandémica inusitada e que ninguém sabia bem como controlar, por desconhecimento, justificou-o e o país respondeu bem. No entanto, neste momento, não me parece que seja justificável. Naturalmente, teremos de conseguir achatar a curva para não sobrecarregar os serviços de saúde, mas esse é um esforço que terá de ser de todos os cidadãos. A pandemia continua por cá e este aumento de casos deve-se ao desconfinamento natalício e celebrações do novo ano. É importante que as pessoas se mentalizem de que não podem descurar os cuidados durante o ano de 2021. 

Quando uma criança já se lamenta e maldiz a COVID, porque não a “deixa fazer nada”, a escola é a última sensação de liberdade que lhe sobra. Também o é para mim. Não saio para qualquer outro lugar que não seja a escola ou compras, por isso, o trabalho presencial minimiza a visão agónica que a falta de movimentos comporta. Salvam-me as corridinhas que vou fazendo para tentar manter o equilíbrio.

 Espero que as vacinas sejam disponibilizadas rapidamente, na maior quantidade possível. Espero que no final de 2021 possa abraçar e beijar aqueles de quem gosto sem constrangimentos. Gosto tanto de abraçar as pessoas de quem gosto! Não por elas. Por mim. Sentir o concreto calor da amizade. As mãos que afagam a alma num abraço apertado e silencioso, mas que diz: “gosto de ti!”

Nina M.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Desejo

Saboreio o hálito quente

Sobre a pele a desvendar-lhe

Os segredos intocáveis 

Um lento estertor explode

A pôr fim à agonia do desejo adiado

Corpos entrelaçados molhados

No desespero do prazer que se arranca

À alma solitária em dádiva plena

Olhares caídos encontrados no revés do ser

Fruto maduro colhido ao entardecer

Feliz entrega a hora tardia

Sublime a paixão de uma mão vazia

 







sábado, 2 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 213

 Novo ano e a vida de sempre

            Não sou fã entusiasta dos novos anos que se anunciam a cada primeiro de janeiro. Aprecio o convívio com aqueles de quem gosto seja no primeiro de janeiro ou no trinta e um de agosto. O ano será o que cada um de nós for capaz de fazer com ele, com todas aquelas circunstâncias que nos limitam e com todas as outras que nos catapultam. Por isso gosto tanto do poema do Drummond de Andrade, que explica isso mesmo: Para ganhar um Ano Novo / que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, / mas tente, experimente, consciente. / É dentro de você que o Ano Novo / cochila e espera desde sempre.

            Seja como for, nunca fiz ou farei qualquer lista de intenções e quanto à revisão do que fui fazendo no tempo vivenciado, faço-o amiúde, como se me visse presa numa espécie de eterno retorno nietzschiano. Raramente desejo que o tempo passe. Não é necessário. Somos nós quem passa muito rapidamente por ele. Ansiar avidamente pelo fim do ano, mesmo que seja este de 2020, é querer abreviar o nosso fim e o dos que nos são próximos. Não tenho vontade nenhuma de viver essas experiências. Virão. Eu sei. Essa consciência está sempre latente em mim, à espreita para se poder enroscar na minha nostalgia, se me apanha distraída. Porém, vou olhando a finitude nos olhos, como posso, mas no final será ela a vencedora. Afastá-la-ei e aviso-a para não me importunar antes dos noventa nem me estragar a alegria de viver e ela, às vezes, faz-me a vontade e esquece-se de me rondar, porém, se me vê demasiado distraída, arranja forma de me lembrar que anda por aí… De modo que não tenho por hábito ingerir as doze passas e formular desejos… Se o fizesse, pediria que o coronavírus nos deixasse de importunar definitivamente, porque sinto falta da liberdade de movimentos, de poder fazer certas banalidades à hora que me apetece e até sinto falta do que não fazia antes da covid-19. É certo que a pandemia não alterou substancialmente os meus hábitos, mas quando me vejo impedida de fazer certas coisas que normalmente já não fazia fico irritada, porque é a janela da oportunidade que se fecha, alheia à nossa vontade. Depois, seguindo a magistrada Maria José Morgado, pediria uma vacina tríplice contra a pobreza, a violência e a corrupção. Depois de a ouvir, no Governo Sombra, lamentei que esta senhora não seja candidata à Presidência da República, porque estaria escolhida a minha candidata… Assim… Penúria e aflição! Sei que desejaria uma maior participação feminina na sociedade, um maior reconhecimento do potencial da mulher. Para isso, a mulher tem de o querer… Mais vozes femininas na literatura são absolutamente necessárias e dou por mim a pensar que leio maioritariamente homens… Congratulo-me com as vitórias de Ana Rita Rocha, com o seu Listen

            Rio-me com a imprensa portuguesa e com a cobertura televisiva dada ao transporte das vacinas sob forte escolta policial (caíram no ridículo os comandos da PSP e da GNR ao disputarem serviço de tamanha importância!). Se tivessem usado tantos meios humanos no caso do Pedro Dias, o homicida teria sido apanhado mais depressa, talvez…

 As vacinas são importantes, entenda-se. Já o circo à volta delas seria dispensável… Porém… Pensando bem, neste país tudo é possível, se desapareceram armas de Tancos, também seria possível desaparecerem vacinas!

Rio-me com a indignação do Sérgio Conceição, o treinador do meu FCP, perante a afirmação do Guardiola que terá alegadamente afirmado que os portugueses são um “Pueblo de mierda”. Ora… Dito assim, por um espanhol (se é que o senhor se considera espanhol e não catalão, porque com aquelas pessoas nunca se sabe… São galegos, bascos, catalães, enfim, espanhóis é que não) não me parece bem. Qualquer português poderia afirmá-lo e nós bateríamos palmas à autocrítica tão necessária. Um povo que aceita placidamente os maiores crimes de corrupção neste país sem se manifestar, que acata os sucessivos abusos de poder sem barafustar, não sei bem o que diga… No entanto, não há de ser um “nuestro hermano ronhoso” a lembrá-lo! Homessa! Saia uma batalha de S. Mamede e uma padeira de Aljubarrota, se faz favor! E para sobremesa, um tratado de Tordesilhas! Incha, Guardiola! Sobre Olivença, é melhor nem falarmos!

Para terminar o ano em graça, prefiro lembrar o incómodo da minha pequenina de nove anos, que assistiu a um documentário comigo sobre o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde pereceu Anne Frank, figura que ela conhece do Diário que vai lendo, e abre os seus imensos olhos de espanto e me pergunta, com toda a sua inocência e a sua pureza, o motivo de os homens serem tão maus. Garante-me que se tivesse um avô que fosse sobrevivente de Auschwitz ou de Bergen-Belsen, sentir-se-ia muito orgulhosa. Também sente orgulho dos seus avós, afiança, que passaram por muitas dificuldades, mas que se fossem um daqueles senhores que viu no documentário, a admiração talvez fosse maior. Disse-lhe que se pode sentir orgulhosa de qualquer forma, porque aqueles seres humanos são extraordinários. Apesar da experiência horrível a que foram subjugados, decidiram viver e denunciar o genocídio ao mundo para que nunca caia no esquecimento. Expliquei-lhe que é bom que não compreenda a maldade, que nunca a deve compreender nem aceitar, porque de cada vez que um ser humano for capaz de a rejeitar, estará a proteger a sua humanidade, que acaba quando transforma o mal (seja ele grande ou pequeno) numa banalidade.

Bom ano para todos!

 

Nina M.