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sábado, 30 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 354

 

O amor materno ou paterno não deve ser cego

               Eu tenho conhecido alguns miúdos fantásticos no que às aprendizagens diz respeito. Alguns são filhos de colegas. Empenhados, gostam da escola e gostam de estudar. Os filhos são dóceis e seguem as orientações dos pais.

            Eu tenho dois  e ambos afirmam que a escola é um aborrecimento. Um trabalhava enquanto era mais novo e a mãe se sentava com ele para o fazer estudar. Depois de deixar de o fazer, a motivação, se era pouca, eclipsou-se e cumpre os mínimos. A mais nova, apesar de jurar não gostar da escola, é autónoma, tem brio e não se permite falhar. Um peca por defeito e o outro por excesso. Não há meio termo. Para o mais velho, decidi pedir ajuda de um profissional, para ver se me curo a mim e se não ensandeço por causa da sua preguiça. Não consigo curar-lhe a imaturidade e a extrema leveza da procrastinação que revela. Padece do síndroma do primeiro filho e quase primeiro neto, mais protegido do que deveria. Era mais quieto e mais reservado, em criança, e ainda hoje é. A mais nova precisa de um ansiolítico natural antes das provas (é mais placebo do que outra coisa), mas desde que resulte é o que importa.

            Quando eram pequenos, ao mais velho, com nove meses, dizia-lhe que não podia ir para as escadas porque podia cair e magoar-se. Ele acatava. Sempre cauteloso e mais amedrontado. Dizia o mesmo à irmã, mas quando desse por isso, já as tinha subido a gatinhar e ia encontrá-la aos pinotes em cima da cama. A adolescência veio desengonçar isto tudo, porque deveria dizer ao mais velho para ele ir estudar e ele cumprir religiosamente o que lhe é dito, mas não. Tornou-se um rebelde por inação. Posso estar a dar-lhe o pior raspanete do mundo e, às vezes, de forma pouco agradável, mas ele nunca me responde. Nem uma palavra em sua defesa! Porém, no final, só faz como quer…

O mais velho ri-se da tolice da irmã, do estado de ansiedade em que ela fica e diz-lhe que ele nunca morrerá de ataque cardíaco, já ela tem de ter cuidado, porque na sua perspetiva, a mana “sofre com alguns ataques de raiva” e toda a gente sabe que isso é péssimo para o coração, na idade adulta. Sabendo disso, gosta de a irritar propositadamente, pois claro.

A mãe tem de acolher estas diferenças, aceitá-las e saber respeitá-las, ainda que tenha de fazer algumas exigências e impor limites. A minha primeira preocupação, na qualidade de encarregada de educação, é saber do comportamento deles. A má-educação é-lhes interdita. Dentro da sala de aula, têm a obrigação de respeitar o professor; nos corredores, os funcionários e os colegas; e cá fora, todos os outros, desde logo, os mais velhos. Sempre lhes disse que não podiam deixar que fizessem deles bombos da festa, que tinham de se defender, mas estavam proibidos de serem os primeiros a agredir. Tudo o resto vai-se gerindo, por mais preocupações que possam existir. Quando os resultados ficam aquém do que poderia e deveria fazer, dadas as condições que lhe são dadas e sabendo das suas capacidades, é a ele, no caso do mais velho, a quem são imputadas as responsabilidades e administrados os castigos, se for o caso. Por outro lado, é importante que tenhamos a real consciência das capacidades dos miúdos e da exigência que lhes é pedida. Não é justo nem será benéfico que vivam com a pressão de terem, obrigatoriamente, classificações de dezoito ou dezanove. Têm, sim, o dever moral, em primeira instância para com eles mesmos e depois para com quem lhes proporciona a qualidade de vida que têm (aqueles que a têm) de fazerem o melhor que puderem. Se esse melhor só der para o catorze, quinze ou até o dez, a mais não são obrigados. A mim, soube-me tão bem o meu dez a latim quanto o quinze de literatura portuguesa, na faculdade. O primeiro foi bem mais suado do que o segundo.

Quando me irrito com o meu rapaz, é mais pela sua falta de trabalho e de comprometimento do que pelas classificações. Já lhe disse várias vezes: no dia em que a mãe te vir a fazer o trabalho como deve ser feito, um estudo regular e sistemático, não ouvirás de mim uma crítica. Ou te felicito ou te dou apoio moral, conforme o caso.

Não tendo os filhos mais perfeitos do mundo, tenho os filhos que gerei, acolhi no ventre e pari. Para mim, são perfeitos e especiais. Só para mim, porque lá fora, na vida real, são como todos os outros, porque assim deve ser. Até agora, têm sido adolescentes agradáveis com os outros e miúdos educados e com valores, que tento sempre incutir-lhes.

No outro dia, o mais velho dizia-me que acha que tem um certo jeito para a manipulação, mas que não o fazia porque era boa pessoa. Ri-me e disse-lhe que para ser boa pessoa não basta achar que se é. É preciso sê-lo, efetivamente. Acrescentei que assim esperava, que os educava para serem boas pessoas antes de tudo o resto e que ficaria muito desgostosa se soubesse que tinham tido uma conduta que me possa repugnar. A mais pequena quis, de imediato, um exemplo concreto:

- Assim como daquela vez que apanhámos uns brinqueditos abertos no Continente e trouxemos para casa nos bolsos e quando deste conta, obrigaste-nos a ir lá contigo, mostrar os brinquedos e a pagá-los com o dinheiro do nosso mealheiro?! A senhora ainda nos deu outros!

- Pois deu - respondi. Quantas vezes mais pegaram em coisas que não eram vossas?

- Nenhuma.

- Aí está. Aprenderam a lição. Não se pega no que não nos pertence.

- Ainda bem que éramos pequenos! Que vergonha, ó mãe!

- Vergonha passei eu! E nesse dia levaram umas palmadas no rabo.

Riam-se com esta história e discutiam para ver se se lembravam qual deles tinha instigado o outro a fazer asneiras. Obviamente, o autor moral do crime tinha sido o mais velho e a pequenita acatava tudo quanto o irmão lhe dissesse para fazer.

- Ó mãe, o rodrigo estava sempre a dizer-me coisas para eu fazer asneiras e tu ralhares comigo. Houve uma vez que ele me disse:

- Ó Matilde! Mexe ali, nos medicamentos! E eu fui e quando tu viste, começaste a ralhar comigo. E de outra vez, mandou-me abrir a torneira do bidé, com a tampa por cima e quando a água começou a escorrer foi chamar-te para veres o que eu tinha feito!

Eram os ciúmes da irmã, obviamente.

Os filhos são como são e devem ser amados exatamente assim. Eles não vieram a este mundo para satisfazer a vã vaidade dos seus progenitores ou realizar os sonhos que os próprios pais não foram capazes de concretizar. Cada um deles vale mais do que uma classificação, apesar da importância que elas têm e cada um deles tem o seu próprio ritmo de crescimento e de desenvolvimento. Não será à toa que os especialistas adiantam que nem sempre os alunos de topo são os mais bem-sucedidos. A par das classificações, há uma série de outras competências cada vez mais exigidas pelo mercado: a capacidade de bem comunicar e de bem argumentar, a capacidade de inovar, a resiliência, a responsabilidade, a proatividade, a capacidade de resolver problemas inesperados, a capacidade de trabalhar em equipa e em prol dela, entre outras…

A nós, compete-nos educá-los e orientá-los com equilíbrio (sempre o mais difícil de conseguir), respeitando-os sempre na sua individualidade.

Votos de um bom ano para todos, pleno de sucesso (seja lá o que isso for).

 

Nina M.

 

 

 

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Viagem

Quando a inquietude chega
E sabe fazer-se esperar
É o vazio velho amigo
A querer fazer-se notar

Chega tão docemente
Chega tão devagarinho
Não é áspero nem dolente 
Apenas chega de mansinho

Uma melancolia incerta
Para a qual há um só remédio 
Era uma praia deserta
E um mar para eremitério

Ver raiar o sol dourado
Nesse meu mar de azul
Onde se espelha o céu 
Segue em direção ao sul

Só de o evocar 
O mar numa tarde calma
Sossega a minha angústia 
Tranquiliza a minha alma

Nele quero mergulhar
Nas águas tépidas de que é feito
Sentir o seu embalar
Aqui dentro do meu peito

Nessa canastra singela
Que a tecedeira embala
Embarca na barca bela
A alma que em silêncio fala

E viaja, viaja... Por outros
Mundos mais além
Sabe ser filha do sonho
Sempre desfeito e aquém 

Nesta vida imperfeita
Salva pela imaginação 
Há uma essência rarefeita 
Que viaja em contra-mão 



 




quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Rosas brancas

 Um dia falarei de rosas brancas

Que guardarei no meu regaço 

Quem sabe em janeiro

No mês frio e sem rosas

Quem sabe em janeiro

No inverno da vida

Num tempo futuro de velhice

Segurá-las-ei nas mãos 

Ósseas e descarnadas

Despidas já de beleza

Quem sabe 

No olhar o verde se esmaeça

Por saber que se despede do mundo

E se nesse tempo vindouro

Ainda houver lembrança do que já foi

E no fundo do meus olhos 

Ainda vires a beleza de sempre

Poderás, sem medo, falar-me de amor






domingo, 17 de dezembro de 2023

Se a alma é esquiva

Se a alma é esquiva
E a poucos se quer dar
Aprendeu a exigir
E sabe selecionar

Não lhe serve de companhia
Quem nas estrelas não sabe ler
Nem quem na poesia
Julga nada aprender

Quase tudo se torna baço
Sem brilho e sem sabor
Só outra alma fugidia
Lhe poderá trazer amor

Outra que saiba bem
O valor que a beleza tem
Espelhada na natureza
Nas obras humanas também

Outra que saiba amar
A palavra que o livro traz
Outra que saiba pensar
Em como a vida é fugaz

E foge por entre os dedos
O nosso tempo sem medida
Tempo que nada ou tudo vale
Conforme a vida é vivida

Para ser válida e perene
É preciso saber ser
A existência por si não comporta
Há que saber crescer

Nesta missão tão difícil
Desafio dado ao nascer
Há quem passe pela vida
Sem saber como viver





Crónica de Maus Costumes 352

 Natal

O Natal é a minha festa preferida. Gosto do espírito e do advento. A espera é importante para que se valorize o que se anseia. Anseia-se a chegada do Redentor, na figura do Deus-Menino, mas é preciso preparar a alma durante quatro semanas para que aconteça com magia. O amor é mágico e tudo o que é especial faz-se demora para que todos os instantes sejam apreciados. 

Nesta época, é impossível não me lembrar do conto de Sophia: "O Cavaleiro da Dinamarca" para quem a noite de Natal era a festa mais importante do ano, cheia de preparativos e de boa comida. Tal como para nós. O bacalhau substitui a carne assada e o vinho, a cerveja quente com mel, mas há igualmente as conversas à lareira, enquanto o lume crepita.

Até lá, devagarinho, o espírito natalício vai-se instalando. Apreciam-se as luzes multicolores que enfeitam as cidades, pensa-se nos presentes para oferta. Os mais pequenos são os que rejubilam com os prendas. Para os mais velhos, o melhor presente é feito de companhia e de histórias partilhadas. 

O Natal sabe a noites gélidas aquecidas pelo calor humano. Se lá fora há gelo, dentro das casas, há risos e alegria. O Natal sabe a tronchuda cozida com batata e bacalhau, a vinho tinto encorpado, a polvo e, para outros, peru. O Natal sabe, essencialmente, a harmonia e a tréguas. Porém, lá longe, há quem não possa ter batatas nem bacalhau e nem sequer harmonia. A guerra ocupa todo o espaço e a vida é substituída pela morte... Para os que não podem ouvir ou contar as histórias à lareira, o Natal é uma miragem, um possível distante, mas nunca esqueçamos quem o procura e nunca o encontra.


Nina M.

sábado, 9 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 351

 

Presunção e água benta, cada um toma a que quer

A Joana Marques diz que lhe dá especial prazer brincar com as pessoas de egos inflados, que se levam tão a sério e se acham tão perfeitas e tão especiais que caem no ridículo. Aliás, apenas caem no ridículo por não perceberem a dimensão da ignorância humana! Ora, todos somos ridículos de vez em quando, ainda que em mim o receio do ridículo seja avassalador e impeditivo de algumas coisas, pois é um barómetro castrador. Certo é que todos temos sempre muito a aprender e é precisamente a consciência de que sabemos pouco (mesmo quando se sabe alguma coisa) que nos conduz à aprendizagem, que naturalmente não se esgota na escola nem na relação com os outros. Quem gosta de aprender fá-lo-á ao longo da vida, através de leituras, de filmes e de documentários que vai vendo, dos outros que vai ouvindo e, depois, naturalmente, fará uma depuração cuidada da informação.

Muitas das personalidades com quem a Joana brinca não têm qualquer relevância para a sociedade. Qualquer ser humano é um ponto na imensidão do Universo e como escreveu Caeiro, “Quando vier a Primavera, /Se eu já estiver morto, /As flores florirão da mesma maneira”. Por outras palavras, nenhum ser humano fica para a semente e o desaparecimento ou o nascimento de um de nós não tem qualquer importância para as leis que regem o Universo. Sou, agora, obrigada a citar Sebastião da Gama: “Quando eu nasci, /Ficou tudo como estava/Nem homens cortaram veias, /nem o Sol escureceu, /nem houve Estrelas a mais... / Somente, / esquecida das dores, /a minha Mãe sorriu e agradeceu”. Parece-me que os poetas esclareceram tudo de forma simples. Sempre eles, a avançar o óbvio com beleza! Basta haver esta consciência para que qualquer um de nós, por mais instruído e culto que possa ser, por mais rico e poderoso, por mais famoso ou influente, compreenda o seu verdadeiro lugar no Universo: condenado a tornar-se pó até ser reduzido a átomos invisíveis.

Genericamente e de forma abstrata, esta ideia é verdadeira. Particularmente, entendo haver pessoas mais indispensáveis do que outras e, normalmente, nesta categoria, não há lugar para os indivíduos com quem a Joana Marques brinca. Portanto, quando esta gente se vê ridicularizada e confrontada com o seu real valor entra em colapso. Paciência… Até pode doer, mas nem todos podem ser um Einstein, um Mandela, uma Marie Curie, um Pessoa, um Saramago, um Beethoven, um Mozart, uma Sophia ou uma Natália, uma Lispector ou Cecília Meireles… É a vida… Isto só para citar meia-dúzia de exemplos. Se recorresse a todos os prémio Nobel, nas mais diversas áreas ou até cientistas e outros trabalhadores anónimos que tanto contribuem para a sociedade, a lista seria interminável! Assim, quando algumas personalidades se sentem ofendidas por serem vítimas das piadas da Joana, deveriam ver-se um bocadinho ao espelho e pensar-se. Deixaram-nos alguma sinfonia? Deixaram-nos alguma obra arquitetónica que nos arrebata? Deixaram um legado pelo exemplo que foram ou uma obra literária? Deixaram-nos conhecimentos que permitem a evolução da tecnologia e um avanço na compreensão do Universo? Deixaram a cura para alguma doença? Não! Têm seguidores e são reconhecidos por um público que consome certos programas e vídeos! Só o nome seguidores me arrepia, porque parece estarmos perante uma espécie de uma qualquer seita! Imagino alguém sempre a seguir-nos os passos e a observar os nossos movimentos numa voracidade execrável! Que horror!

 Dispam a vaidade para que a verdade crua possa aparecer e depressa perceberão que o ser humano, na generalidade, não é muito apreciável e que todos nós somos feitos mais de misérias do que de achados…

A Joana, simpaticamente, referiu-se a essa gente como pessoas dotadas de uma autoestima inabalável e que ela, Joana, não tinha essa segurança toda e, como tal, era inevitável brincar um pouco.

Ó Joana! Autoestima?! Não me parece. Pura vaidade e ego agigantado sem matéria sólida que o possa preencher e, depois, quando analisas as pérolas, a jactância torna-se numa massa mole que se liquefaz…

Como diz o povo, “presunção e água benta, cada um toma a que quer”. Não há limite para a soberba, mas deveria haver (digo eu) …

Nina M.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Biografia

Molho-me de vez em quando
Em terra abençoada 
É a chuva que penetra
Em solo fértil que é nada

Nas poças de água sem fundo
Mexidas do gotejar
Vejo-me distante do mundo 
Sou só a alma a latejar

Nesta vida tão terrena
Tão concreta e definida
Perco-me nos charcos de água 
Poças a que chamam vida

E de tanto me perder
Em abismos sepulcrais
Deixo de saber viver
Assim como os demais

Num ato de fé convicto
Guiado pelo instinto
Faço do Amor um rito
Creio só no que eu sinto






sábado, 2 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 350

 

Conversas…

Os miúdos são imprevisíveis. Quando julgamos que a curiosidade inata deles parece estar comprometida, alguns ainda nos vão surpreendendo.

Tenho um caso desses em sala de aula, numa turma de sétimo ano, que a propósito de “O Cavaleiro de Dinamarca”, já me fez perguntas surpreendentes sobre religião. A algumas pude responder, mas a uma delas, especificamente, tive de lhe dizer que não sabia, porque ainda não tinha morrido e nenhum dos meus mortos, até ao momento, se deu ao trabalho de me vir dizer o que quer que fosse sobre o mistério. Ele interrogava-se sobre como seria e estava a partir do princípio de que não haveria exatamente um fim, mas também não sabe bem o que sobeja… Pudera! Nem ele nem ninguém!

O miúdo é distraído e não se concentra. O seu pensamento viaja para todo o lado, mas não está na sala de aula e só por lá permanece se surgir algo que chame a sua atenção e que foge, normalmente, ao que é a aula em si. Tento sempre satisfazer a sua curiosidade, na medida do possível…

Também os meus descendentes me conseguem surpreender… Por estes dias, a minha pequena Matilde, enquanto almoçávamos, atira-me com esta:

- Ó mãe! Eu quero saber o que é o nada.

- Ah?!

- Preciso de saber como é o nada! Não entendo.

- Bem… Pressuponho que o nada seja a ausência de matéria e de pensamento… Ausência… No entanto, olha, havia um médico muito famoso, o pai do escritor Lobo Antunes que, quando o filho lhe perguntou se ele acreditava haver vida para além de morte, lhe respondeu que em biologia o “nada” não existe…

O mais velho, entretanto, junta-se à conversa…

- O nada é o vácuo. Se fores ao espaço, podes falar, mas não te consegues ouvir, porque o som não se propaga no vácuo, só no meio físico. Lá, é o nada.

- Então o nada é um lugar? Perguntei.

- Oh! Não percebes! É o vácuo. Não há nada lá.

- E quando morrermos, ficamos reduzidos a nada? – Perguntei-lhe.

- Olha, não! Há sempre átomos.

- Pois há. Ficamos em pó e mesmo que esse se disperse ficam átomos… Então, repara, há matéria, sempre, mas haverá ser? Há ser sem consciência?

- Ó mãe… Olha, não sei. Tudo quanto existe são átomos.

Estive para lhe perguntar se havia átomos na consciência… No cérebro, sim, mas a consciência é outra coisa… mais imaterial …

Vem a pequena, novamente…

- Ó mãe, e o infinito? O Universo é infinito…

- Então, o infinito é sem medida. Há já cientistas que acreditam que o Universo não tem princípio nem fim e que não surgiu com o Big-Bang, pois sempre existiu alguma coisa antes, os conjuntos causais e que o Big-Bang foi um evento na formação do Universo.

Tenho de pesquisar enquanto se conversa sobre estes assuntos, naturalmente…

- O universo é tão estranho! Eu não percebo…

- Nem eu… É misterioso, queres dizer…

Depois, fiz uma pequena pesquisa e fiquei a saber que não há região no Universo que apresente vácuo perfeito, porque há sempre átomos e outras partículas, pelo que o vácuo é parcial. Pensei no mais velho. Vou dizer-lhe isto. Faço um print e envio por WhatsApp. Às vezes comunico-me desta forma com o “aborrescente” maior. Quando lhe quero dizer certas coisas, mostro-lhe ou envio-lhe vídeos. Funciona melhor do que se ouvir de mim… Teimam em ouvir as mães tardiamente!

Mais tarde, por gosto, fui atrás da origem da palavra átomo. Vem do grego (a=não; tomo=divisão) e significa algo que não pode ser dividido, pois acreditavam que os átomos eram indivisíveis e eternos e que a matéria era composta por eles. Hoje, sabe-se que eles são divisíveis e que podem ser rompidos ou destruídos por fissão nuclear (quebra do núcleo de um átomo), processo usado nas bombas atómicas, mas é extraordinário que Leucipo e Demócrito há 2400 anos tenham lançado a primeira pedra e adiantado a existência de átomos! Estes gregos eram fantásticos!

Quanto a mim, estou como a minha Matilde, o Universo é demasiado complexo para que possa ser cabalmente compreendido… A sua existência continua envolta em mistério e a nossa também!

Tal como escreveu José Gomes ferreira, nas “Aventuras de João Sem medo”, “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir!”

 

Nina M.

 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Não me apetece a morte

Temo a dor
Mais do que a morte
A que nos transforma
Em cinza desfeita
Até sermos só átomos
Invisíveis

De invisíveis esperanças
De invisíveis dores
De invisíveis existências

De invisível nada
Que não pode nada ser
Porque é átomo

Átomo findo
Talvez regenerado

Não me apetece a morte


Não sei de felicidade

Não sei de felicidade...

Esse conceito vago e largo
Sempre escorrega por entre os dedos
Num fio líquido e lasso, massa mole
Indefinida

Sei de momentos 
Sei de instantes eternos
Fazem a minha duração
E a minha memória poética
Sublime

Salvam a alma
Salvam o ser
A transcendência
Que sobrevive
À espuma dos dias