Seguidores

domingo, 1 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 53



            Sinto-me lisonjeada com as palavras de Valter Hugo Mãe. Todos os professores que leram o seu último texto, onde ele se refere ao papel importante destes na construção de um país, não podem ficar indiferentes. Dizia também das marcas que um professor pode deixar nos alunos, avaliando a sua própria experiência, recordando alguns dos que passaram pela sua vida. Senti-me comovida. Não só pelas palavras, mas também pela ingenuidade surpreendente, pela pureza absolutamente imaculada da sua boa vontade. Na verdade, o autor, ao recuar no tempo, reconheceu-se como um adolescente diferente. Tornou-se também um adulto diferente e a prova está no profundo respeito com que trata e se dirige aos professores e na estupefação que revela ao constatar os maus tratos sucessivos de vários governos à classe, levando-o a dizer que um país que maltrata os professores “odeia e odeia-se”.
Francamente, hoje, já não sei se conseguimos tocar assim tão plenamente os alunos. É verdade que nunca chegamos a todos, mas é difícil passar o legado do conhecimento a quem se recusa aprender, fechando-se numa ignorância absurdamente orgulhosa. Quem pisa diariamente uma sala de aula, sabe ao que me refiro. Muitos, mas mesmo muitos alunos, mais do que aqueles de que um país precisa, ostentam ufanos a bandeira do desconhecimento, esfregando-nos a sua indiferença pelas matérias, não sei se numa atitude de desprezo pelo que somos e representamos, se numa tentativa infrutífera de nos ofender. Como se lhes fôssemos completamente alheios e tudo o que lhes dizemos ou queremos para eles não faça a mínima diferença. Se nalguns é uma carapaça que usam para esconder ilusões frustradas, noutros é mesmo assim e a esses, por muito esforço que façamos, não os conseguimos alcançar.
A mim, começa a aborrecer-me a incapacidade deles e dos pais em reconhecerem a importância da instrução nas suas vidas, porém, cega-me ainda mais o comportamento maquiavélico de sucessivos governos contra o ensino, os professores e, por consequência, os alunos. No passado dia cinco de outubro, fomos brindados com mais uma pérola! Após análise cuidada dos resultados das provas de aferição, eis que se constata que os resultados são uma catástrofe e a brilhante solução encontrada passa pela formação contínua dos professores. A sério?!
Curiosamente, os relatórios internacionais (PISA e OCDE) relatam uma melhoria muito significativa nas disciplinas de Português e Matemática, colocando-nos à frente de muitos outros países com tradição de bons resultados. De que servem os resultados de umas provas que os alunos sabiam não contar para nada?! Para chegarmos à conclusão de que os professores precisam de mais formação? É o mesmo que começar a construir uma casa pelo telhado! Comece-se, antes de tudo, a resolver os problemas da sociedade, nas famílias desestruturadas e disfuncionais, façam-nas entender o valor da educação para que esse princípio também chegue aos filhos. Valorize-se a figura do professor e da escola, local de culto, porquanto nos dá o bem mais precioso: o conhecimento. Deixemo-nos de experimentalismos a cada novo governo, ao sabor de novas sentenças; Faça-se uma revisão curricular séria, que seja para manter. Pense-se numa via verdadeiramente profissionalizante e exigente, de qualidade, para os alunos que não querem prosseguir estudos universitários; reduza-se o número de alunos por turma, entre tantas outras coisas. Estabeleça-se um pacto de regime em matéria de educação, após debate sério com todos os partidos. Encontre-se um consenso, porque os grandes temas nacionais exigem concordância e não a defesa de interesses partidários e, por fim, sim, podem pensar na formação de professores, porque estamos sempre dispostos a aprender!
O que mais me aborrece e me esmorece o viço de início de carreira é a plena consciência de que os ataques à classe e à escola nunca são inocentes. Parafraseando Sophia de Mello Breyner Andresen: “Perdoai-lhes, Senhor, porque eles sabem o que fazem!”
Perdoai-lhes, Senhor, porque eles não leem Valter Hugo Mãe e porque eu não sou capaz!
Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário