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sábado, 7 de abril de 2018

Crónica de Maus Costumes 77




A amizade é uma forma sublime de amor. Os amigos são a segunda família escolhida por nós, como dizem os ímanes que pomos no frigorífico com o objetivo de colarmos a papelada e recados importantes à frente dos nossos olhos.

Assim como há amores maiores, também há amizades dessa estirpe. Atrevo-me inclusivamente a opinar que se a amizade não for maior, então terá qualquer outra definição. Poderá ser companheirismo, empatia, simpatia, como lhe quisermos chamar… O certo é que todos nós classificamos e hierarquizamos as nossas amizades. Usamos expressões como “amigo de infância”, amigo, “amigo dos tempos da faculdade”, colega e até “amigo de Peniche”, quando pretendemos demonstrar exatamente o inverso.

Esta última expressão é até muito injusta. Na realidade, os “amigos de Peniche” referem-se às tropas inglesas que teriam desembarcado em Peniche (a mando da rainha inglesa D. Isabel I) para ajudar o seu primo D. António, o Prior do Crato, a libertar Portugal do domínio espanhol, liderado por Filipe I de Portugal e II de Espanha. O que aconteceu é que os nossos eternos aliados, estando já em Lisboa com tudo a postos para atacar, decidiram regressar à base. Prior do Crato morreu na penúria, no exílio, em Paris, e nós tivemos que restaurar a independência por nossa conta e risco, sob a alçada de “Os Quarenta Conjurados”, em 1640. O Prior do Crato, coitado, morreu em 1595, não chegando a ver o seu país livre do jugo espanhol. Assim ficou a expressão para classificarmos alguém que, tal como os ingleses desembarcados em Peniche, finge-se de amigo, mas depois sabota-nos os planos! Cuidado, porque há alguns por aí!...

O que importa refletir é sobre o motivo pelo qual hierarquizamos as amizades. Há as que são circunstanciais, mas que com o passar do tempo esmorecem. O carinho permanece, mas como se perdeu o contacto, o sentimento vai perdendo um pouco a sua força. Há também aquelas com que a vida nos vai presenteando de forma aleatória e até sem esperarmos. Às vezes, julgamos que o círculo das nossas verdadeiras amizades está fechado e surge alguém que irrompe vida dentro e a quem somos incapazes de fechar a porta, porque não o merecem e talvez porque nós mereçamos a sua presença na nossa vida. Depois, há as amizades especiais, que tal como o amor são pérolas raras e definitivas. É muito bom ter amizades assim.

O que as distingue de todos os outros tipos? No meu caso, o passado. Guardo e cuido de uma amizade que tem mais de vinte anos e o oceano de permeio. Vemo-nos, quando muito, duas vezes por ano. Muitas vezes, uma vez apenas e por meia dúzia de horas. No entanto, o reencontro é sempre saboroso, celebrado com um abraço muito apertado, que diz tudo naquele instante. Apesar da distância e até da falta de comunicação, apesar da era tecnológica, por culpa de uma vida corrida, o tempo do abraço devolve todo o tempo perdido e sinto como se nunca tivesse existido a ausência.

Pela voz, sei ler todos os sinais de alegria, de tristeza ou de comoção, porque os aprendi num passado feito de trabalho, de ajuda mútua, de partilha de casa, de brincadeira, de diversão, de alegria, também de tristeza e de dor, quando assim teve que ser. É o tipo de amizade em quem sabemos que podemos depositar a nossa vida nas suas mãos, porque saberá cuidar dela como se da sua se tratasse. Podemos confiar os segredos mais belos ou mais sórdidos na certeza de serem guardados. Sabemos poder falar e obter compreensão e tolerância, mesmo que esteja em desacordo. Trata-se de uma amizade de mais de vinte anos, em que não houve qualquer reparo a fazer de parte a parte.

Não te vou referenciar, porque sei que sabes quem és e que vais ler e rever-te nestas linhas. Deixo apenas o meu enorme: OBRIGADA. Eternamente grata por fazeres parte da minha vida. Sempre.

 Não há distância que possa afastar quem está ligado pelo coração.

Nina M.



































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