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terça-feira, 30 de novembro de 2021

Dúvida metafísica

Pergunto-me
Se sou o que precisas
(Diz a borboleta à flor)
Eu assim... Tão fugaz
Tão livre e tão solta
Que pousa ao de leve
Nesta vida tão breve...

Pergunto-me
Se sou o que precisas
(Responde a flor à borboleta)
Eu assim... Tão firme
Tão terrena e tão plantada
Nesta dor angustiada
No chão do amor...


sábado, 27 de novembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 256

 

Leon Trotsky

            Acabou esta terça-feira a excelente série da RTP2, que me acompanhou ao longo de sete semanas e que retratou a vida do revolucionário judeu Liev Davidovich Bronstein, mais conhecido por Leon Trotsky, nome adotado do seu carcereiro.

            Como um bom livro, o final da série deixa um misto de satisfação e de lamento. O fim da série seria tão inevitável quanto o fim do homem, mas a excelente performance dos atores, a sua excelente caracterização e os diálogos improváveis e brilhantes fazem com que sinta pena pelo término. Espantou-me sobremaneira a semelhança física com os atores da vida real, conferindo verosimilhança à ficção.

            Conheci um Trotsky inteligentíssimo, manipulador, narcisista e absolutamente cruel e tirano. Um Lenine estratega, polido, igualmente inteligente, mas que cedeu à violência e a adotou em nome da vaidade, da vitória pessoal e de um partido. Um Estaline paciente, tirano, matreiro e assassino, capaz de aprender a crueldade e de a praticar avulso em nome do poder. Vi um politburo hipócrita, manipulador, apenas interessado no poder a qualquer preço e três homens capazes de se atraiçoarem mutuamente em nome da vaidade pessoal (todos sem exceção), do poder e, no caso de Trotsky, em nome do que ele consideraria um mundo ideal. Vi uns bastidores políticos sujos e sem moral, onde todos os meios usados são aceitáveis para se alcançar o que se pretende: a mentira, o domínio da imprensa e a imposição pelo terror. A crueldade absoluta e a indiferença pelo sangue dos compatriotas e dos próprios familiares, considerados meros danos colaterais em busca de um ideal maior. Porém, esse ideal revelou-se bem pequeno, porquanto impôs a violência inaceitável, a miséria e a fome em nome de uma igualdade que nunca existiu. Como dizia o professor universitário e filósofo, Illyin, a revolução bolchevique revelou-se a catástrofe mais terrível da história da Rússia, o colapso de todo o estado. E se o mundo anterior não era de todo perfeito, o novo mundo, criação trotskyana, impôs-se pelo medo e pelo terror, à custa de uma sangria desenfreada da população, votando o povo à miséria, onde sempre esteve mergulhado. Se o mundo velho não era perfeito, o novo mundo era bem pior e mais cruel. Como afirmava Gorki, o monstro estava criado e alimentava-se do sangue dos russos. A batalha estava ganha, mas a besta continuava a necessitar de sangue. São presos poetas, escritores e filósofos e, mais tarde deportados. Foi-lhes poupada a vida, apesar da revolução cortar muito facilmente gargantas. Senhores que dispunham da vida dos compatriotas como o jogador de xadrez dos seus peões. Sem clemência e sem humanidade, porque acreditava o mentor sanguinário da revolução, Leon Trotsky, que a nova ordem só poderia ser imposta pela força e que a grande vantagem em relação ao adversário seria a ausência completa de complacência e a crueldade total, de forma a subjugar toda a oposição, através do pânico. Estaline foi um bom aprendiz e continuou a obra de Leon, ainda que o mentor considerasse que ele era um monstro, porque não lhe interessava o ideal, mas apenas o seu poder, julgando-se diferente de Estaline. A verdade é que fosse em nome de um ideal ou de uma vaidade pessoal, o resultado foi semelhante: carnificina e miséria. O revoltado judeu, que queria transformar o mundo, conseguiu-o: mudou-o para pior. Quem com ferros mata com ferros morre. Depois da morte de Lenine (a quem puxou o tapete por diversas vezes), Leon Trotsky perde o apoio do politburo. São usados contra ele os seus métodos e, depois de uma campanha insidiosa e difamatória, hoje, vugo fake news, é julgado por traição à pátria e condenado ao exílio. Termina os seus dias no México, mas sabia que Estaline preparava o seu desaparecimento, como fez com tantos outros. É assassinado à picareta, em 1940, pelo espanhol Ramon Mercader, provavelmente contratado por Estaline. O espanhol nunca o confirmou, mas após cumprir a pena de 20 anos de prisão, foi recebido na Rússia com honras de estado.

            Revolveu-se o meu estômago várias vezes. Tremeram as entranhas perante a monstruosidade e a ideia de se querer uma nova ordem imposta pelo terror. Um novo mundo criado à medida de um lunático narcisista que se comportava como se fosse o deus Júpiter, senhor do destino dos seus súbditos. Se a História da Rússia, no tempo do czar é de pobreza, de injustiça e de desigualdade, a Rússia da revolução é um país chacinado, mortificado, miserável, absolutamente tirano e cruel. Não vi qualquer melhoria. Esta é a história da esquerda radical, do socialismo marxista, vulgo comunismo, que se queria impor ao mundo, quer este quisesse ou não esse ideal. Vende a ideia de que pretende a justiça e a igualdade e é gerador de morte, de tortura e de miséria.

Não reconhecer a génese destas ditaduras (algumas ainda vigoram como bem sabemos) é branquear a História e comprometer os regimes democráticos. São regimes tão perniciosos quanto os regimes fascistas de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar.

Ouçamos Aristóteles, já que é na temperança que reside a virtude e o bem e, sobretudo, fujamos de falsos profetas. Ninguém tem o direito de julgar saber o que cabe melhor a todos os outros e de querer moldar o mundo à nossa imagem, principalmente, se ela for desprezível. De boas intenções anda o inferno cheio.

 

Nina M.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 255

 

Absurdos...

Nada me parece tão absurdo quanto as cerimoniosas instruções fornecidas pelos assistentes de bordo. 

Penso sempre o mesmo, quando entro num avião. Não sinto medo de voar, mas há cada vez mais um ligeiro incómodo... Certo é que os funcionários, sempre atenciosos e simpáticos, desfazem-se em gestos a indicar as portas de emergência, duas à frente e duas atrás... Se houvesse problemas, no ar, elas não dariam jeito nenhum... É vê-los a apertar cintos e puxar das máscaras de oxigénio e a informar que em caso de despressurização, primeiro colocam os adultos as máscaras e só depois as crianças. Tem lógica, obviamente... Com as máscaras posso eu bem, mas quando chega o colete, não evito um sorriso sardónico e só me lembro da pergunta do Rodrigo, em certo voo:

-  ó mãe, então, não era melhor haver um paraquedas do que um colete? O colete só dá para o caso do avião cair no mar... Respondo-lhe que não se preocupe, que vai tudo correr bem. Ele olha-me sério.

-  E se não correr? - pergunta.

Não  minto e calmamente respondo que provavelmente  morreríamos todos, mas que não pense nisso...

E cismo que, de facto, todas aquelas instruções serviriam de pouco e que gosto da ideia do paraquedas, ainda que não soubesse utilizá-lo. Enfio os olhos e a mente no Saramago, que me desvenda segredos do Luís Vaz, o nosso Camões, e também eu o vejo a acrescentar a dedicatória aos Lusíadas, a escrever na sua casa de Lisboa, enquanto aguarda o reconhecimento e o beneplácito régio. Tudo política e equilíbrio de forças, como lhe explica Damião de Góis, para granjear a simpatia de el-rei e o assentimento da Inquisição. Um país que apodrece no desgoverno e que não reconhece a genialidade do poeta. O Saramago sentiria o mesmo, séculos mais tarde, e sem Inquisição. 

Serve a viagem a leitura e o conhecimento. Decorre tranquilamente, tal como é necessário. Volta-se à terra e de pés bem assentes no chão,  inicia-se a descoberta.


Nina M.

Às Parcas

 Saber que se amacia o fracasso
A ilusão desiludida fora de mão
Saber que o segredo é um só regaço
O regresso ao pulsar do coração

O caminho feito entre a circunstância
Entre a escolha mais cobarde e sadia
Não limpa essa pesada consciência
Nem o desejo pleno de alegria

É feita disto toda a vida humana
Em equilíbrio oscilante entre a barca
Se o mar se agita e se perde a cana

Espera-se o auxílio das Parcas
A sua vontade o destino engana
Guardiãs das nossas terrenas marcas






segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Onde está a vida está a morte

Onde está a vida está a morte
A par e passo de mãos dadas
Se viver requer a sorte
De ver a morte adiada

É destino derradeiro
Depois de cansada vida
De ver o fracasso inteiro
Da humanidade perdida

Como se sobrevive
Ao pesadelo real
Da crueldade que vive
No homem tão natural

Só o refúgio nos mundos
Privados do seu amor
Lavam a alma bem fundo
Dão a vida ao perdedor

E o bem que um beijo traz
É a vida que desponta
É morte deixada atrás
Na vida de faz de conta









sábado, 13 de novembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 254

 

O marialva

Em jeito de brincadeira, por estes dias, usei o adjetivo marialva, bem português, aliás, com o sentido pejorativo que lhe é associado. Dito assim, é referente ao homem sedutor, aquele que gosta de namoriscar com mais do que uma mulher (não vou ser politicamente correta nem inclusiva. Essa novilíngua deixa-me louca!) O epíteto marialva refere-se ao homem (ser que exibe protuberância genital externa) que gosta de mulheres e que por ter um coração gigantesco, gosta de várias em simultâneo.

Ora, eis que me pus a cismar na palavra, que é usada em múltiplos contextos. Desde logo, Marialva é uma das aldeias históricas de Portugal, localizada, no concelho de Mêda. Foi habitada por romanos e árabes. Há quem diga que o seu nome remonta à época da Reconquista Cristã, em que Fernando Magno a toma aos Mouros e, em honra a Nossa senhora, (Maria Alba), batiza-a assim. Mais tarde, D. Afonso Henriques incentivará o seu repovoamento, concedendo-lhe Carta de Foral, D. Sancho I reabilita-lhe o castelo e D. Afonso II confirma-lhe o Foral. Ao longo dos séculos, do alto do seu castelo altaneiro, Marialva contempla os diversos tempos difíceis. Toma partido do Mestre de Avis, na crise de 1383-85, mas é na Guerra da Restauração, após a Batalha da Linha de Elvas, que o nome da povoação passa a ser carregado por D. António Luís de Meneses, conde de Cantanhede, agraciado mais tarde, como Marquês da Vila de Marialva, pelos préstimos nesta batalha. O Marquês tinha tido também participação ativa no movimento dos quarenta conjurados, que conduziria à Restauração da Independência Portuguesa. Mais tarde, venceria a Batalha de Montes Claros. Desta forma, o título passa a ser associado ao nobre cavaleiro, figura da mais ilustre nobreza portuguesa, com um papel decisivo na arte equestre, em Portugal, apelidada de arte de Marialva.

Hoje, no dicionário Priberam, encontramos a definição de marialva como: relativo às regras de cavalgar à gineta; feito segundo o modo de trajar do marquês de Marialva; Sedutor; conquistador de mulheres; aquele que, sendo de boa família, só convivia com fadistas e outra gente considerada desprezível.

            Não sei se os Marqueses de Marialva faziam jus à fama de sedutores, mas que deixaram o epíteto aos vindouros, isso é inegável. O que não falta por aí são marialvas de pé de chinelo, sem aristocracia nem ginete, mas que gostam de pendurar o cântaro em tudo quanto é galho a ver se alguém os recolhe. Não os censuro, se a dona do cântaro o decidir recolher é porque assim quis, mas talvez valesse a pena clarificar se o cântaro é apenas um empréstimo ou uma dádiva… Poupar-se-iam alguns desgostos e aborrecimentos. No mínimo, ó marialvas contemporâneos, se não sois absolutamente esclarecedores nas vossas reais intenções, sob pena do cântaro se partir, fazei uma coisa: antes de vos acomodardes em leito alheio, como viestes ao mundo, não vos esqueçais da meiazita… Um marialva de meia… Huuuumm… É algo que me custa a imaginar… Brancas e puxadas até ao meio da perna, conforme se veem nos jovens, muito menos!

Que os deuses poupem as mulheres sedentas de água dessa visão!

Nina M.

 

sábado, 6 de novembro de 2021

Crónica de Maus Costumes 253

 A perda da inocência

         Não sei se é possível a alguém fixar o momento concreto da perda da inocência. Não me refiro ao início da atividade sexual. O que não faltarão no mundo são jovens inocentes com vida sexual ativa.

Falo da queda do anjo, da perceção espantada e dolorosa de que afinal o mundo dói e que nós mesmos, enquanto realidade dele, somos sempre algures a mágoa e a lâmina. Falo das angústias menores que não retiram o sono a ninguém. As maiores, as que preocupam genuinamente são, não raras vezes, longínquas: a fome, a injustiça, a corrupção, a discriminação, as meninas mutiladas e de seios espalmados à força para não serem as culpadas de erguer a besta do homem que as tomam à força como objetos ou seres menores sem direito a decisão… Tudo isto acontece ainda no mundo evoluído do século XXI e parece não gerar espanto. Nem poderia, pois se a humanidade é um contínuo derramamento de sangue… As agruras do mundo e o seu pessimismo são-nos ensinados desde os cueiros…

                - Come, Sónia! Não vês tantos meninos em África a passarem tanta fome e tu nunca queres comer?!

            - Podes dar-lhes a minha comida, então. Eu não me importo. – respondia invariavelmente, muito séria, como se enviar um prato de batata cozida esmagada com ovo e peixe (que ainda hoje não aprecio e nem doente confeciono) fosse simples de enviar para os meninos esfomeados… Porém, talvez acreditasse que fosse mesmo possível fazê-lo. Enquanto não comia, a minha avó Matilde subornava-me com o copo de refresco de vinho (água pintalgada de vinho branco e açúcar) que só obtinha autorização para beber no fim de engolir a pasta amarelada disposta nos prato dos leõezinhos, aquele que levava água quente no depósito para evitar que a comida arrefecesse com a espera… E vejo-te, Glória, com esse mesmo prato na mão, na bouça em frente da minha casa, no penedo grande, junto à poça, onde sempre havia girinos, pacientemente, a dizer-me:

            - Anda, Sonita, abre lá a boca, mais uma colher…

E o mesmo argumento te saía, o dos meninos que querem e não têm comida… E eu abria lentamente (dentro de uma saia de peito, de bombazina azul marinho com dois patinhos brancos a segurar as alças…) devagar, como quem gosta de mastigar bem, mas afinal era só falta de apetite. Nunca sentia fome, na minha infância, e também não recordo o momento em que o prazer do alimento surgiu…

Certo é que a fome do mundo e as guerras nos são ensinadas cedo. Talvez, por isso, a sua existência não espante. Não. Queria lembrar o momento exato em que pela primeira vez nos quebram o coração, a nós, seres amados e protegidos pelos pais e pela família, que desconhecem a dor! Só assim perdemos o olhar virginal e vamos aprendendo a dor de viver. Não me lembro das maldadezitas de catraios. Julgo terem sido insignificantes, dado o apurado sentido de justiça que sempre tive. Nem lembro do momento exato em que a inocência se perdeu e alguns outros passaram a ser desilusão. Não que fossem eles os responsáveis, porque os iludidos somos sempre nós. Os outros não podem nem devem moldar-se às nossas necessidades. Devem ser quem são. É o que se lhes exige, portanto, o erro é nosso. Porém, é nessa dialética difícil com o outro que aprendemos a mágoa e o pessimismo. A alegria também, é certo. Talvez tenha sido um processo progressivo, misturado de saber empírico e do saber dos livros que narram outras vidas. Estes deixam tudo a nu: as pequenas misérias morais pessoais e também as grandes misérias do mundo. Queria lembrar e não sou capaz. Sei, porém, que aos vinte e cinco apanhei a síndrome de desencanto do meu aniversário, por culpa do Mário Sá-Carneiro e, por ironia, celebro-o por arrastamento do meu pequeno. É sempre dele, nunca meu. Especialmente, se a festividade é desfasada da verdadeira data de nascimento…

Tenho a mania de que até o meu nascimento só a mim diz respeito. Prefiro as saudações à distância, do que a exaltação próxima. Há um pudor inexplicável incomodativo, como se a idade já não o justificasse. Sei o momento deste desencanto, mas não sei precisar a da perda da inocência, mas sei que com ela, de algum modo, nasceu em mim a poesia.

 

Nina M.