O amor materno ou paterno não deve ser cego
Eu tenho conhecido alguns miúdos fantásticos no que às
aprendizagens diz respeito. Alguns são filhos de colegas. Empenhados, gostam da
escola e gostam de estudar. Os filhos são dóceis e seguem as orientações dos
pais.
Eu tenho
dois e ambos afirmam que a escola é um
aborrecimento. Um trabalhava enquanto era mais novo e a mãe se sentava com ele
para o fazer estudar. Depois de deixar de o fazer, a motivação, se era pouca,
eclipsou-se e cumpre os mínimos. A mais nova, apesar de jurar não gostar da
escola, é autónoma, tem brio e não se permite falhar. Um peca por defeito e o
outro por excesso. Não há meio termo. Para o mais velho, decidi pedir ajuda de
um profissional, para ver se me curo a mim e se não ensandeço por causa da sua
preguiça. Não consigo curar-lhe a imaturidade e a extrema leveza da
procrastinação que revela. Padece do síndroma do primeiro filho e quase
primeiro neto, mais protegido do que deveria. Era mais quieto e mais reservado,
em criança, e ainda hoje é. A mais nova precisa de um ansiolítico natural antes
das provas (é mais placebo do que outra coisa), mas desde que resulte é o que
importa.
Quando eram
pequenos, ao mais velho, com nove meses, dizia-lhe que não podia ir para as
escadas porque podia cair e magoar-se. Ele acatava. Sempre cauteloso e mais
amedrontado. Dizia o mesmo à irmã, mas quando desse por isso, já as tinha
subido a gatinhar e ia encontrá-la aos pinotes em cima da cama. A adolescência
veio desengonçar isto tudo, porque deveria dizer ao mais velho para ele ir
estudar e ele cumprir religiosamente o que lhe é dito, mas não. Tornou-se um
rebelde por inação. Posso estar a dar-lhe o pior raspanete do mundo e, às
vezes, de forma pouco agradável, mas ele nunca me responde. Nem uma palavra em
sua defesa! Porém, no final, só faz como quer…
O mais velho ri-se da tolice da irmã,
do estado de ansiedade em que ela fica e diz-lhe que ele nunca morrerá de
ataque cardíaco, já ela tem de ter cuidado, porque na sua perspetiva, a mana “sofre
com alguns ataques de raiva” e toda a gente sabe que isso é péssimo para o
coração, na idade adulta. Sabendo disso, gosta de a irritar propositadamente,
pois claro.
A mãe tem de acolher estas diferenças,
aceitá-las e saber respeitá-las, ainda que tenha de fazer algumas exigências e
impor limites. A minha primeira preocupação, na qualidade de encarregada de
educação, é saber do comportamento deles. A má-educação é-lhes interdita. Dentro
da sala de aula, têm a obrigação de respeitar o professor; nos corredores, os
funcionários e os colegas; e cá fora, todos os outros, desde logo, os mais
velhos. Sempre lhes disse que não podiam deixar que fizessem deles bombos da
festa, que tinham de se defender, mas estavam proibidos de serem os primeiros a
agredir. Tudo o resto vai-se gerindo, por mais preocupações que possam existir.
Quando os resultados ficam aquém do que poderia e deveria fazer, dadas as
condições que lhe são dadas e sabendo das suas capacidades, é a ele, no caso do
mais velho, a quem são imputadas as responsabilidades e administrados os castigos,
se for o caso. Por outro lado, é importante que tenhamos a real consciência das
capacidades dos miúdos e da exigência que lhes é pedida. Não é justo nem será
benéfico que vivam com a pressão de terem, obrigatoriamente, classificações de
dezoito ou dezanove. Têm, sim, o dever moral, em primeira instância para com
eles mesmos e depois para com quem lhes proporciona a qualidade de vida que têm
(aqueles que a têm) de fazerem o melhor que puderem. Se esse melhor só der para
o catorze, quinze ou até o dez, a mais não são obrigados. A mim, soube-me tão
bem o meu dez a latim quanto o quinze de literatura portuguesa, na faculdade. O
primeiro foi bem mais suado do que o segundo.
Quando me irrito com o meu rapaz, é mais
pela sua falta de trabalho e de comprometimento do que pelas classificações. Já
lhe disse várias vezes: no dia em que a mãe te vir a fazer o trabalho como deve
ser feito, um estudo regular e sistemático, não ouvirás de mim uma crítica. Ou
te felicito ou te dou apoio moral, conforme o caso.
Não tendo os filhos mais perfeitos do
mundo, tenho os filhos que gerei, acolhi no ventre e pari. Para mim, são
perfeitos e especiais. Só para mim, porque lá fora, na vida real, são como todos
os outros, porque assim deve ser. Até agora, têm sido adolescentes agradáveis
com os outros e miúdos educados e com valores, que tento sempre incutir-lhes.
No outro dia, o mais velho dizia-me
que acha que tem um certo jeito para a manipulação, mas que não o fazia porque
era boa pessoa. Ri-me e disse-lhe que para ser boa pessoa não basta achar que
se é. É preciso sê-lo, efetivamente. Acrescentei que assim esperava, que os
educava para serem boas pessoas antes de tudo o resto e que ficaria muito
desgostosa se soubesse que tinham tido uma conduta que me possa repugnar. A mais
pequena quis, de imediato, um exemplo concreto:
- Assim como daquela vez que apanhámos
uns brinqueditos abertos no Continente e trouxemos para casa nos bolsos e
quando deste conta, obrigaste-nos a ir lá contigo, mostrar os brinquedos e a
pagá-los com o dinheiro do nosso mealheiro?! A senhora ainda nos deu outros!
- Pois deu - respondi. Quantas vezes
mais pegaram em coisas que não eram vossas?
- Nenhuma.
- Aí está. Aprenderam a lição. Não se
pega no que não nos pertence.
- Ainda bem que éramos pequenos! Que vergonha,
ó mãe!
- Vergonha passei eu! E nesse dia
levaram umas palmadas no rabo.
Riam-se com esta história e discutiam
para ver se se lembravam qual deles tinha instigado o outro a fazer asneiras.
Obviamente, o autor moral do crime tinha sido o mais velho e a pequenita
acatava tudo quanto o irmão lhe dissesse para fazer.
- Ó mãe, o rodrigo estava sempre a
dizer-me coisas para eu fazer asneiras e tu ralhares comigo. Houve uma vez que
ele me disse:
- Ó Matilde! Mexe ali, nos
medicamentos! E eu fui e quando tu viste, começaste a ralhar comigo. E de outra
vez, mandou-me abrir a torneira do bidé, com a tampa por cima e quando a água começou
a escorrer foi chamar-te para veres o que eu tinha feito!
Eram os ciúmes da irmã, obviamente.
Os filhos são como são e devem ser
amados exatamente assim. Eles não vieram a este mundo para satisfazer a vã
vaidade dos seus progenitores ou realizar os sonhos que os próprios pais não
foram capazes de concretizar. Cada um deles vale mais do que uma classificação,
apesar da importância que elas têm e cada um deles tem o seu próprio ritmo de
crescimento e de desenvolvimento. Não será à toa que os especialistas adiantam
que nem sempre os alunos de topo são os mais bem-sucedidos. A par das
classificações, há uma série de outras competências cada vez mais exigidas pelo
mercado: a capacidade de bem comunicar e de bem argumentar, a capacidade de
inovar, a resiliência, a responsabilidade, a proatividade, a capacidade de
resolver problemas inesperados, a capacidade de trabalhar em equipa e em prol
dela, entre outras…
A nós, compete-nos educá-los e
orientá-los com equilíbrio (sempre o mais difícil de conseguir), respeitando-os
sempre na sua individualidade.
Votos de um bom ano para todos, pleno
de sucesso (seja lá o que isso for).
Nina M.
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