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sábado, 2 de dezembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 350

 

Conversas…

Os miúdos são imprevisíveis. Quando julgamos que a curiosidade inata deles parece estar comprometida, alguns ainda nos vão surpreendendo.

Tenho um caso desses em sala de aula, numa turma de sétimo ano, que a propósito de “O Cavaleiro de Dinamarca”, já me fez perguntas surpreendentes sobre religião. A algumas pude responder, mas a uma delas, especificamente, tive de lhe dizer que não sabia, porque ainda não tinha morrido e nenhum dos meus mortos, até ao momento, se deu ao trabalho de me vir dizer o que quer que fosse sobre o mistério. Ele interrogava-se sobre como seria e estava a partir do princípio de que não haveria exatamente um fim, mas também não sabe bem o que sobeja… Pudera! Nem ele nem ninguém!

O miúdo é distraído e não se concentra. O seu pensamento viaja para todo o lado, mas não está na sala de aula e só por lá permanece se surgir algo que chame a sua atenção e que foge, normalmente, ao que é a aula em si. Tento sempre satisfazer a sua curiosidade, na medida do possível…

Também os meus descendentes me conseguem surpreender… Por estes dias, a minha pequena Matilde, enquanto almoçávamos, atira-me com esta:

- Ó mãe! Eu quero saber o que é o nada.

- Ah?!

- Preciso de saber como é o nada! Não entendo.

- Bem… Pressuponho que o nada seja a ausência de matéria e de pensamento… Ausência… No entanto, olha, havia um médico muito famoso, o pai do escritor Lobo Antunes que, quando o filho lhe perguntou se ele acreditava haver vida para além de morte, lhe respondeu que em biologia o “nada” não existe…

O mais velho, entretanto, junta-se à conversa…

- O nada é o vácuo. Se fores ao espaço, podes falar, mas não te consegues ouvir, porque o som não se propaga no vácuo, só no meio físico. Lá, é o nada.

- Então o nada é um lugar? Perguntei.

- Oh! Não percebes! É o vácuo. Não há nada lá.

- E quando morrermos, ficamos reduzidos a nada? – Perguntei-lhe.

- Olha, não! Há sempre átomos.

- Pois há. Ficamos em pó e mesmo que esse se disperse ficam átomos… Então, repara, há matéria, sempre, mas haverá ser? Há ser sem consciência?

- Ó mãe… Olha, não sei. Tudo quanto existe são átomos.

Estive para lhe perguntar se havia átomos na consciência… No cérebro, sim, mas a consciência é outra coisa… mais imaterial …

Vem a pequena, novamente…

- Ó mãe, e o infinito? O Universo é infinito…

- Então, o infinito é sem medida. Há já cientistas que acreditam que o Universo não tem princípio nem fim e que não surgiu com o Big-Bang, pois sempre existiu alguma coisa antes, os conjuntos causais e que o Big-Bang foi um evento na formação do Universo.

Tenho de pesquisar enquanto se conversa sobre estes assuntos, naturalmente…

- O universo é tão estranho! Eu não percebo…

- Nem eu… É misterioso, queres dizer…

Depois, fiz uma pequena pesquisa e fiquei a saber que não há região no Universo que apresente vácuo perfeito, porque há sempre átomos e outras partículas, pelo que o vácuo é parcial. Pensei no mais velho. Vou dizer-lhe isto. Faço um print e envio por WhatsApp. Às vezes comunico-me desta forma com o “aborrescente” maior. Quando lhe quero dizer certas coisas, mostro-lhe ou envio-lhe vídeos. Funciona melhor do que se ouvir de mim… Teimam em ouvir as mães tardiamente!

Mais tarde, por gosto, fui atrás da origem da palavra átomo. Vem do grego (a=não; tomo=divisão) e significa algo que não pode ser dividido, pois acreditavam que os átomos eram indivisíveis e eternos e que a matéria era composta por eles. Hoje, sabe-se que eles são divisíveis e que podem ser rompidos ou destruídos por fissão nuclear (quebra do núcleo de um átomo), processo usado nas bombas atómicas, mas é extraordinário que Leucipo e Demócrito há 2400 anos tenham lançado a primeira pedra e adiantado a existência de átomos! Estes gregos eram fantásticos!

Quanto a mim, estou como a minha Matilde, o Universo é demasiado complexo para que possa ser cabalmente compreendido… A sua existência continua envolta em mistério e a nossa também!

Tal como escreveu José Gomes ferreira, nas “Aventuras de João Sem medo”, “É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir!”

 

Nina M.

 

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