Perigosos avanços técnicos
Olho para o número da crónica. Quase
a chegar ao redondo. Gosto de números redondos e tenho uma certa obsessão
comportamental em relação a eles. Se for correr ou caminhar, sou incapaz de
fazer de sete quilómetros e setecentos, por exemplo, tem de ser os oito. Consideram-me
um bocado doida, por causa disto… Penso que o número 350 é bom, mas ainda
distante do 400, que, por sua vez, para ser mesmo redondo, teria de ser o 500…
Vamos ver se me aguento até lá, penso, num compromisso para comigo…
Abandono, de seguida, este
tergiversar que não me conduz ao assunto de hoje. Tenho sido bombardeada com
notícias sobre a Inteligência Artificial (IA)… Eu já ficaria feliz se apenas
trabalhasse com a natural… Bem… Certo é que aparecem ofertas de formação para professores
em IA e pressuponho que servirão para capacitar para o uso de ferramentas que supostamente
permitem facilitar a execução de determinadas tarefas. Mais tarde, surge outra
publicação a anunciar um mestrado em IA, na área da saúde. Ao que parece, o
diagnóstico da patologia passaria a ser feito pelo algoritmo… Se experimentarem,
o Chat GPT faz, além de trabalhos académicos, poesia. Um dia destes teremos
pintura também, música e outro tipo de arte. Já vi um programa em que o
apresentador era substituído por um holograma, construído a partir dos seus
movimentos e expressões… Enfim, o homem a ser facilmente substituído por
maquinismos!
Talvez Álvaro de Campos ficasse em
êxtase se soubesse ao que chegámos, num novo assomo de futurismo desvairado! É
absolutamente assustador perceber a velocidade a que caminhamos sem dominarmos
bem o processo. Depois, a IA não está a
ser pensada para fazer os trabalhos pesados e difíceis, como julgava o filósofo
português, Agostinho da Silva, que acreditava que a evolução atingiria tal
ponto que o homem não precisaria de trabalhar e, então, sobrar-lhe-ia tempo
para criar. Curiosamente, está a acontecer o inverso… A IA está a ocupar o
espaço da criatividade e da atividade intelectual e a deixar para o homem os
trabalhos mais duros e pesados. O Chat GPT escreve um poema, se lho ordenar,
mas não constrói a casa. Interrogo-me se a tecnologia serve para nos facilitar
a vida ou se serve para ocupar o espaço que pertence ao homem real: a sua
capacidade de ficcionar, de inventar, de criar e de comover.
Receio que estejamos a entrar por um
caminho que dificulte a distinção entre o mundo verdadeiro e o mundo
alternativo, liderado pelas tecnologias, numa espécie de Matrix, em que deixamos
de saber qual deles é o mais válido. Nunca fui muito adepta da ficção
científica, mas o mundo está a chegar a um ponto em que ultrapassa a própria
ficção. Pegando no exemplo do apresentador substituído pelo holograma, podemos
facilmente compreender as repercussões que tal ferramenta pode causar. Facilmente
se pode colocar um dos líderes mundiais a tecer uma série de considerações
sobre determinado assunto sem que, na verdade alguma vez o tenha feito. No
entanto, nunca seremos capazes de distinguir o holograma da pessoa de carne e
osso. Ou seja, a manipulação da realidade nunca foi tão fácil e tão bem feita!
Estas ferramentas e a sua aplicação levantam uma série de questões éticas que
não podem deixar de ser debatidas. O problema, pelo que me vou inteirando, é a
celeridade com que os avanços tecnológicos se vão fazendo e que não permitem o
acompanhamento de um quadro legal que regulamente eficazmente o seu uso. Se no futuro
a Inteligência Artificial fugir do controlo humano e se tornar mais inteligente
do que o próprio homem (neste momento, já estabelece conexões e mobiliza saber,
não se limita a debitar um conjunto de informações armazenadas, por isso, é
capaz de escrever texto), poderá, por si mesma, decidir o que fazer com o seu
criador.
Urge o debate sério pelos
especialistas em ética e o enquadramento legal de todos estes avanços, já que o
movimento é imparável. A época a que pertenço não é, certamente, esta, por isso,
não me deslumbro com estes avanços, antes me preocupo com a condição humana e
para onde ela está a ser remetida…
Esperemos que a próxima guerra que a
humanidade tenha de travar não seja contra o algoritmo. Há vinte anos, esta
ideia nunca me passou pela cabeça…
Nina M.
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