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sábado, 4 de novembro de 2023

Crónica de Maus Costumes 345

 

Introspeções

               Deparei-me com um texto comovente do professor Frederico Lourenço, no qual ele recorda a falecida mãe com palavras elogiosas e sentidas. A mãe Manuela (curiosamente o meu segundo nome) era uma pessoa solar e a sua alma definhava um pouco com o surgimento do outono e do inverno.

Como me revejo nisso! Não que me sinta definhar, porque sou detentora de uma personalidade jovial e de uma certa alegria que existe, apenas porque sim, sem pedir licença para se instalar. No outro dia, ao entrar na sala de professores, dizia-me o colega Miranda: Andas sempre a sorrir! Pois… Acho que sim… Também penso que a vida não me corre nem melhor nem pior do que a dos outros, mas tal como um colega também já me disse: “és moça de poucos queixumes!” Aposto que o Hugo Novais já nem se lembra que me disse isto nem o contexto, mas eu sei-o muito bem.

A minha memória tem a particularidade de gravar certas palavras, que não se revestem de grande importância, mas que me ficam. Uma altura, noutra escola, uma colega chamada Isilda viu-me entrar e passado pouco tempo veio perguntar-me se estava tudo bem. Levantei o sobrolho para revelar a minha surpresa com a pergunta. Ela respondeu: “andas sempre a sorrir e hoje passaste, disseste bom dia, mas tão séria que achei que não estivesses bem… Nessa altura, sorri; e expliquei que vinha tão enredada e distraída nos meus pensamentos que o sorriso não aflorou os lábios…

Portanto, neste aspeto particular não serei como a mãe Manuela que inferi padecer de uma certa tendência depressiva. Quem conhece pessoas que padecem deste mal, sabe que essas vagas depressivas flutuam com a sazonalidade, isto é, no outono e na primavera, normalmente, os doentes precisam de um reajustamento na medicação. Felizmente, creio que a minha genética produz todas as hormonas necessárias para o sorriso: serotonina, responsável pela sensação de bem-estar; dopamina, que permite o cérebro completar tarefas, endorfina, que funciona como um analgésico em situações de dor e de angústia e a oxitocina, a hormona da empatia e do amor. Fui contemplada pela genética e nisso não tomo parte. Não obstante, não significa que não precise de estímulos externos para que a máquina funcione oleada: a vitamina sol, que me é essencial e noites bem dormidas. Sem estes dois agentes, torno-me irritadiça e o cansaço pode deixar-me, como me dizem os “aborrescentes” da casa, “irritadinha” ou numa expressão mais feia “com problemas de raiva”. Juro que não há ponta de canídeo em mim! O que eles querem dizer é que a mãe quando se sente cansada e assoberbada com o trabalho pode ficar impaciente e explodir mais facilmente com eles, respondendo-lhes ou advertindo-os num tom de voz pouco recomendável. Sei que não se deve fazer, mas é difícil controlar… Para além disso, afirmei que sou pouco dada à melancolia, mas não significa que nunca me irrite ou zangue. Na verdade, este tempo escuro, de chuva constante, por vezes, causa-me irritação interior.

No entanto, não era só por isto que o professor Frederico lembrava a sua mãe, mas antes pelo legado que lhe deixou: o saber e ser capaz de amar o outro. Afirmava ele que a mãe amava mais os outros e era capaz de ser mais generosa com os outros do que consigo mesma. Pessoas que conheceram a senhora corroboraram as palavras do filho.

Fiquei a pensar nas belas palavras e no quanto gostaria de ser lembrada pela minha prole dessa forma, a mãe que lhes ensinou a amar e a desprezar a mesquinhez, a intolerância e a crueldade. A mãe que lhes ensinou a ter empatia e respeito pelo próximo e a não tecer juízos de valor prematuros. Sei que a mensagem que transmito é esta, mas também sei que nem sempre acerto e que sou falha como todos os humanos. Temo que neste mundo absurdo de onde o sentido parece fugir, o apelo se perca ou eles se percam dele e o possam achar desajustado.

Liev Tolstói, em “Confissão”, afirma que "Só conseguimos viver enquanto estamos embriagados pela vida; mas, quando ficamos sóbrios, é impossível não ver que tudo isso é apenas ilusão, e uma ilusão tola. Na verdade, não há nada aqui de engraçado nem de espirituoso. É apenas cruel e absurdo."

               Não posso retirar-lhe a razão perante o que observamos no mundo: as guerras constantes, as desigualdades gritantes, a miséria e a fome. Tudo ação do ser humano! Tal como deixaria Thomas Hobbes registado, “o homem é o lobo do homem”.

Perante isto, ou nos rendemos ao cinismo e ao pessimismo e passamos a acreditar que, independentemente, do que possamos fazer, não mudaremos o mundo e, como tal, centramo-nos unicamente na nossa vida, tentando proteger-nos o melhor que soubermos, procurando esquecer a triste realidade. Creio que uma grande parte de nós vive assim, alheada, agarrada à leveza ou ao peso da sua vidinha, presa numa sensibilidade egoísta que se incomoda apenas com o que a afeta pessoalmente; ou então, tentamos individualmente fazer a nossa parte, através dos exemplos que damos, do legado que deixamos, tentando ser melhores a cada dia, espalhando o amor e o respeito, denunciando a crueldade, numa missão de “soldados do futuro”, da qual Antero de Quental incumbiu os poetas, em que as armas são as palavras. Em simultâneo, teremos de recolher-nos nas nossas “conchas puras” como refere o verso de Eugénio de Andrade, para não nos deixarmos contaminar pela sujeira do mundo e manter a integridade da alma (quem a tiver).

Eu escolho a segunda via, porque acredito que o único antídoto contra o absurdo é a concha pura do amor, porque o que nos mantém presos à vida é também a esperança e, apesar dos sinais contrários, deveremos esforçar-nos por crer que a nossa ação pode contribuir para a melhoria do mundo. Pelo menos, para a melhoria do mundo de alguém.

 

Nina M.

 

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