Introspeções
Deparei-me com
um texto comovente do professor Frederico Lourenço, no qual ele recorda a
falecida mãe com palavras elogiosas e sentidas. A mãe Manuela (curiosamente o
meu segundo nome) era uma pessoa solar e a sua alma definhava um pouco com o
surgimento do outono e do inverno.
Como me revejo
nisso! Não que me sinta definhar, porque sou detentora de uma personalidade
jovial e de uma certa alegria que existe, apenas porque sim, sem pedir licença
para se instalar. No outro dia, ao entrar na sala de professores, dizia-me o
colega Miranda: Andas sempre a sorrir! Pois… Acho que sim… Também penso que a
vida não me corre nem melhor nem pior do que a dos outros, mas tal como um
colega também já me disse: “és moça de poucos queixumes!” Aposto que o Hugo
Novais já nem se lembra que me disse isto nem o contexto, mas eu sei-o muito
bem.
A minha memória
tem a particularidade de gravar certas palavras, que não se revestem de grande
importância, mas que me ficam. Uma altura, noutra escola, uma colega chamada
Isilda viu-me entrar e passado pouco tempo veio perguntar-me se estava tudo
bem. Levantei o sobrolho para revelar a minha surpresa com a pergunta. Ela
respondeu: “andas sempre a sorrir e hoje passaste, disseste bom dia, mas tão
séria que achei que não estivesses bem… Nessa altura, sorri; e expliquei que
vinha tão enredada e distraída nos meus pensamentos que o sorriso não aflorou
os lábios…
Portanto, neste
aspeto particular não serei como a mãe Manuela que inferi padecer de uma certa
tendência depressiva. Quem conhece pessoas que padecem deste mal, sabe que
essas vagas depressivas flutuam com a sazonalidade, isto é, no outono e na
primavera, normalmente, os doentes precisam de um reajustamento na medicação. Felizmente,
creio que a minha genética produz todas as hormonas necessárias para o sorriso:
serotonina, responsável pela sensação de bem-estar; dopamina, que permite o
cérebro completar tarefas, endorfina, que funciona como um analgésico em
situações de dor e de angústia e a oxitocina, a hormona da empatia e do amor.
Fui contemplada pela genética e nisso não tomo parte. Não obstante, não
significa que não precise de estímulos externos para que a máquina funcione
oleada: a vitamina sol, que me é essencial e noites bem dormidas. Sem estes
dois agentes, torno-me irritadiça e o cansaço pode deixar-me, como me dizem os “aborrescentes”
da casa, “irritadinha” ou numa expressão mais feia “com problemas de raiva”.
Juro que não há ponta de canídeo em mim! O que eles querem dizer é que a mãe
quando se sente cansada e assoberbada com o trabalho pode ficar impaciente e
explodir mais facilmente com eles, respondendo-lhes ou advertindo-os num tom de
voz pouco recomendável. Sei que não se deve fazer, mas é difícil controlar…
Para além disso, afirmei que sou pouco dada à melancolia, mas não significa que
nunca me irrite ou zangue. Na verdade, este tempo escuro, de chuva constante,
por vezes, causa-me irritação interior.
No entanto, não
era só por isto que o professor Frederico lembrava a sua mãe, mas antes pelo
legado que lhe deixou: o saber e ser capaz de amar o outro. Afirmava ele que a
mãe amava mais os outros e era capaz de ser mais generosa com os outros do que
consigo mesma. Pessoas que conheceram a senhora corroboraram as palavras do
filho.
Fiquei a pensar
nas belas palavras e no quanto gostaria de ser lembrada pela minha prole dessa
forma, a mãe que lhes ensinou a amar e a desprezar a mesquinhez, a intolerância
e a crueldade. A mãe que lhes ensinou a ter empatia e respeito pelo próximo e a
não tecer juízos de valor prematuros. Sei que a mensagem que transmito é esta,
mas também sei que nem sempre acerto e que sou falha como todos os humanos. Temo
que neste mundo absurdo de onde o sentido parece fugir, o apelo se perca ou
eles se percam dele e o possam achar desajustado.
Liev Tolstói,
em “Confissão”, afirma que "Só conseguimos viver enquanto estamos
embriagados pela vida; mas, quando ficamos sóbrios, é impossível não ver que
tudo isso é apenas ilusão, e uma ilusão tola. Na verdade, não há nada aqui de
engraçado nem de espirituoso. É apenas cruel e absurdo."
Não
posso retirar-lhe a razão perante o que observamos no mundo: as guerras
constantes, as desigualdades gritantes, a miséria e a fome. Tudo ação do ser
humano! Tal como deixaria Thomas Hobbes registado, “o homem é o lobo do homem”.
Perante isto,
ou nos rendemos ao cinismo e ao pessimismo e passamos a acreditar que,
independentemente, do que possamos fazer, não mudaremos o mundo e, como tal,
centramo-nos unicamente na nossa vida, tentando proteger-nos o melhor que
soubermos, procurando esquecer a triste realidade. Creio que uma grande parte
de nós vive assim, alheada, agarrada à leveza ou ao peso da sua vidinha, presa numa
sensibilidade egoísta que se incomoda apenas com o que a afeta pessoalmente; ou
então, tentamos individualmente fazer a nossa parte, através dos exemplos que
damos, do legado que deixamos, tentando ser melhores a cada dia, espalhando o amor
e o respeito, denunciando a crueldade, numa missão de “soldados do futuro”, da
qual Antero de Quental incumbiu os poetas, em que as armas são as palavras. Em
simultâneo, teremos de recolher-nos nas nossas “conchas puras” como refere o
verso de Eugénio de Andrade, para não nos deixarmos contaminar pela sujeira do
mundo e manter a integridade da alma (quem a tiver).
Eu escolho a
segunda via, porque acredito que o único antídoto contra o absurdo é a concha
pura do amor, porque o que nos mantém presos à vida é também a esperança e,
apesar dos sinais contrários, deveremos esforçar-nos por crer que a nossa ação
pode contribuir para a melhoria do mundo. Pelo menos, para a melhoria do mundo
de alguém.
Nina M.
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