Escola pública
Li, por estes
dias, uma publicação de uma colega que garantia haver, numa escola em Lisboa,
um pseudoprofessor com o décimo primeiro ou décimo segundo ano, já nem sei bem.
A colega não adiantava quaisquer outros detalhes para não expor a sua fonte.
A veracidade da situação foi posta em
causa, mas inúmeros professores saíram em sua defesa, alegando a postura sempre
correta da colega, o seu espírito de entreajuda e de cooperação, bem como nunca
lançar falsidades com o objetivo de criar polémicas. Reconhecem-lhe, portanto,
idoneidade e caráter.
Já não bastava a quantidade de alunos
sem professor a certas disciplinas (a minha filha ainda não tem professor de Educação
Visual nem de História), mas a ser verdade, não me surpreende. Já o tinha
escrito há tempos, nesta rubrica, que iríamos voltar aos anos oitenta, em que
qualquer bicho careto servia para ser professor. Não deixa de ser irónico que
há alguns anos tivessem desejado impor uma prova que confirmasse e atestasse a
aptidão e a competência dos professores contratados com menos tempo de serviço
e de experiência, colocando em causa as instituições universitárias,
responsáveis pela sua formação, pois depreende-se que se era necessário a prova
de confirmação de qualidade, os docentes que as instituições punham cá fora,
não exerceram o seu papel com a competência e a responsabilidade devidas. Ora,
neste momento, esse problema não se coloca, pois pelos vistos, basta que se
tenha o ensino secundário para se poder lecionar. Enquanto isso, gente licenciada
(pré-Bolonha e pós-Bolonha), com pós-graduações e mestrados continuam obrigados
ao ano probatório, não vá o diabo tecê-las e estes colegas serem incompetentes,
mau grado os muitos anos de serviço (nalguns casos)! A situação é surreal!
Kafkiana! Configura o absurdo dos absurdos!
É verdade que esta diferença na
postura e de atuação diz respeito a tempos diferentes. O ministro da famosa PAC
era o Crato, no tempo em que foi preciso diminuir a contratação dos professores,
por meras razões económicas. Pela primeira vez, ao cabo de dezasseis anos de
ofício, na altura, fiquei com um horário incompleto. Outro ano se seguiria.
Atualmente, o responsável é o João Costa, que sabe há muito do problema da
falta de professores e que desde o tempo do seu antecessor era anunciado. Continua
a Fazer-se de cego e de surdo e anda a empurrar o problema com a barriga,
resolvendo-o de forma sórdida e irresponsável. Já era mau que para se lecionar,
se exigisse apenas um número reduzido de créditos em determinadas disciplinas,
obtidos nas universidades (a lembrar os inícios dos miniconcursos), mas
permitir que alguém que apenas possui a escolaridade obrigatória (atualmente é
o décimo segundo ano) entre numa sala de aula como professor é deplorável!
Revela a importância que o Governo dá ao pilar estruturante da sociedade e a
uma das maiores conquistas de abril, que foi a escola pública para todos! Já
envelheceram muito ou morreram aqueles que se bateram por esse valor e que
acreditavam na escola pública como elevador social e redutor das assimetrias.
A boca dessa gente, quando enche o
peito para discursar, nas cerimónias de abril, de que tanto gostam e das quais
se sentem os donos e os arautos da liberdade, deveria encher-se de moscas, de
tão fétida hipocrisia que propalam… Não passam de uma fraude.
Para eles, a situação não é problemática.
Os seus filhos frequentam os colégios privados das elites. Tudo gente formada
com enorme meritocracia e empenho! São os jotinhas do presente ou de um futuro
próximo e os (des)governantes de um futuro um pouco mais distante. Na verdade,
temos um republicanismo impregnado de velhos hábitos monárquicos. Filho de
peixe sabe nadar e, por isso, filho, sobrinho, enteado de político, político
será… Também não há que admirar, basta
procurar nos compêndios da História para perceber que o monárquico de hoje
seria o republicano de amanhã e vice-versa. A desfaçatez e a ignomínia não têm
limites.
Sei bem que os filhos só são
especiais para os seus pais. Para os outros, são mais uns seres que povoam a
Terra e que na imensidão do universo lhes coube a mesma sorte que a todos:
serem nada! Não obstante, convinha a quem governa não esquecer da sua condição
humana e deixarem de se sentir semideuses que dispõem as peças no tabuleiro de
xadrez, porque acima deles também está o fatum, que os conduzirá,
inevitavelmente, ao seu ocaso.
Uma sociedade instruída e dotada de
espírito crítico não interessa a quem governa, porque se rebela e põe em causa
a ordem social instituída e os princípios éticos em que ela assenta. A coletividade
continua a precisar de gente que execute sem pensar nem questionar, que passe
pela vida como um sopro leve de uma existência vã, enredada no trabalho e perdida
nos prazeres. A melhor forma de o conseguir é assassinar a escola pública, esvaziá-la
sub-repticiamente da sua função, enquanto esta, aparentemente, continua a cumprir
com efeito para que foi criada.
Escabrosamente, estas decisões
políticas (é disto que se trata) têm sido tomadas repetida e maioritariamente
por governos socialistas (são estes que mais vezes têm exercido funções
governativas, facto que é incontornável) e que neste assunto em particular, não
têm revelado qualquer preocupação social para com os cidadãos que não podem
pagar uma escola privada, mas que, ainda assim, deveriam ter direito a uma
educação de qualidade. Não basta ter escola pública. É preciso que ela seja
boa.
Urge o abandono da política da esmola,
do assistencialismo e da caridadezinha enganadora para uma política de
verdadeira ação de melhoria das condições de vida dos portugueses, de
investimento na investigação, na escola pública, na saúde pública e na
economia, nos projetos que possam trazer valor acrescentado ao país. Sem
economia forte não há boas condições de vida.
Não me questionem como fazer, não
estudei economia. Se o soubesse, estaria na política. Sou produto da escola
pública, talvez das últimas gerações anteriores à sua decadência. Em prol dela
e dos alunos continuo a trabalhar, apesar dos sucessivos golpes que lhe
desferem.
É preciso que a sociedade acorde para
o problema que já se faz sentir, porém, entre guerras, inflação, falta de
habitação e carteiras vazias, a educação em Portugal não passa de um detalhe.
Nina M.
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