Era poeta. Escreveu-lhe poemas, porque sabia que ela gostava.
Estratégia de quem espera alcançar a glória e repousar longamente no seu corpo.
Ofereceu-lhe outros escritos por outrem, mas que diziam o que ele não fora
capaz de pôr por palavras.
Trinta anos depois, esporadicamente, ainda os reliam. Quando
a saudade trazida pela lembrança ainda fazia nó no coração e pregas na alma.
Então, sentiam-se um trapo. As memórias do que tinha sido não eram cristalinas
e apareciam envoltas numa névoa de dúvida.
Questionavam-se se também o outro
ainda era assaltado por si nos seus pensamentos, mesmo que raramente. Se
efetivamente sentiu o que escreveu e o que mostrou em ciúme travesso e pueril.
Não tinham direito a nada, mas queriam tudo.
“Deixa que corra paralelamente à
tua/ A minha vida, vivida assim, dá-me a mão”. Terminava assim um dos seus
poemas e paralelas se tornaram a vida de ambos. As linhas paralelas não se
cruzam, todos o sabem.
Como eles se atreveram a
entrelaçá-las e a desordenar o concerto do mundo, foram punidos pelo crime. Foi
longo e doloroso o castigo imposto a quem se atreve a quebrar regras que regem
o universo. Supõe-se que tem de ser, para andar tudo concertado. E no meio de
tanta ordem, viravam costas dois corações quebrados, usados pela vida como
trapos esfrangalhados para limpar o chão.
Depois da vida, a morte, e na
ressurreição subsequente, há que saber renascer sob nova forma e aparato mais
alinhado, não vá Clio aborrecer-se por lhe abalarem a ordenação dos
acontecimentos e lembrar-se de nova punição…
De modo que se perderam um do outro sem
saberem se efetivamente foi assim, por ausência de despedida. Esporadicamente,
cada um, na sua realidade, perguntava-se pelo outro. No entanto, nenhum se
atrevia a pontapear o alinhamento da existência e assim, mornamente passavam
pelos pingos da chuva que lhes traziam saudade.
Há quem diga que esta é o amor que
fica…
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