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domingo, 8 de julho de 2018

Crónica de Maus Costumes 89


Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Quiseram alguns amigos que a minha rubrica semanal encarnasse a forma de carta, endereçada a Vossa Excelência. Confiaram-me a sua voz e as suas inquietações. Oxalá possa estar à altura do desafio.
Somos professores em luta. Lutamos pelo tempo de serviço efetivamente prestado e que nos foi espoliado. Na altura, o argumento que garantia a constitucionalidade da medida era o facto de esta ser temporária. Pois bem, querem eternizá-la, apagar os nove anos, quatro meses e dois dias. Há muitos seres que foram crescendo, evoluindo, ao longo desse tempo que nos querem sonegar. Como se pudéssemos dizer aos jovens que ajudámos a formar até então que suspendam o crescimento! O trabalho realizado está à vista de todos, Sr. Presidente… Alguns já acabaram a sua formação superior e outros preparam-se para lá chegar! A verdade é que sem os professores, estes jovens não teriam concluído o seu percurso.
Não podemos apagar o que foi feito nem tão pouco fazer de conta que ele não existiu, porque se trata de trabalho acumulado, cansaços e anos letivos planificados e realizados!
O segredo que explica a união de uma classe em torno do mesmo propósito é simples: a justiça. Repare que nos anos agudos da crise, os professores não se subtraíram ao sacrifício nem me lembro de manifestações grandiosas. A classe soube compreender o contexto socioeconómico peculiar que se vivia e soube ser abnegada.
A luta dos professores, neste momento, ganha outros contornos. A progressão nas carreiras é vital, pois apesar das falsas informações veiculadas, os professores não são principescamente pagos, bem pelo contrário. Se acrescermos ao baixo salário as deslocações ou arrendamento de casa (quando deslocados) e combustível, haverá situações em que os professores quase pagam para trabalhar.
Como vê, a questão salarial é importante, mas o que move esta luta vai muito mais além e se o Governo deste país não o souber interpretar, então, não terá a sensibilidade nem a sabedoria necessárias a quem dirige. Trata-se de uma luta pela dignidade, pela justiça e pelo exemplo de cidadania que se quer transmitir.
Um Governo que não compreende que investir na educação também é investir nos professores, não quer um país letrado e informado. Nós, cidadãos e particularmente professores, estamos cansados de ver desperdício e dinheiro desbaratado. Façamos assim, Sr. Presidente, quando os senhores deputados da nação que deveriam saber representar os seus cidadãos forem capazes de trabalhar e de viver apenas do seu salário (por sinal bem mais elevado do que o da generalidade dos professores), sem ajudas de custo para domicílio, viagens e outras mordomias, os professores poderão equacionar esquecer o que o Estado lhes deve. Como é possível, num Estado de direito, não cumprir com o que está estipulado no Orçamento de Estado? A casa da democracia está severamente doente, Senhor Presidente!
O exemplo deve vir sempre de cima. Como professora, não posso impor aos meus alunos o que eu mesma não cumprir, pois bem, a classe política também deveria ter vergonha de decretar o que não determina para si mesma!
Os professores leem jornais e acompanham as notícias! Veem os aumentos aos amigos, as negociatas mal explicadas, a corrupção que grassa no setor financeiro e conluio entre este e a classe política! Muitas vezes, Senhor Presidente, não é a questão da legalidade que se coloca, mas antes a da imoralidade!
Esta união representa a repulsa por este estado de coisas. Nós, Senhor Presidente, também temos um sonho: o de fecundar a semente do conhecimento, a formação integral do indivíduo, capaz de uma cidadania ativa e exigente! A Iniciativa Legislativa de Cidadãos veio para ficar. A Assembleia da República não pode ficar refém de deputados que não pugnam pelos seus cidadãos!
A luta é também uma lição de cidadania plena. Será receio do que a atividade docente pode conseguir? É na escola que se plantam as sementes da mudança. Leva anos, gerações, mas a semente vai frutificando e haverá o dia em que veremos cidadãos livres e honrados a exigir transparência e justiça aos que nos governam!
Termino, Senhor Presidente, apelando ao bom senso de Vossa Excelência, fazendo votos para que, como representante máximo de todos os portugueses, possa ter uma palavra de apoio aos professores, lembrando ao Senhor Primeiro-ministro que um país deseducado será sempre um país atrasado.
Bem-Haja!

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