Seguidores

sábado, 29 de maio de 2021

Crónica de Maus Costumes 234

 

O inesperado acontece

 

            Quem se lembra da publicidade: “E se de repente um desconhecido lhe oferecer flores, isso é impulse”? O “impulse” era um desodorizante ou algo similar. O trocadilho com o nome sugere o impulso que o odor do produto despertaria no homem mais próximo para oferecer flores à dama.

            Publicidade enganosa. Nem os conhecidos, quanto mais os que nos desconhecem! O mais próximo que já estive disso foi terem-me deixado, efetivamente, um ramo à porta de casa, mas seco e morto, em sinal de desprezo pela minha indiferença. Foi merecido e granjeou uma ponta de simpatia pela imaginação e pelo trabalho de o comprar e de o deixar secar para me ser ofertado. Arrancou-me uma boa gargalhada e, claro, o trabalho de o colocar no lixo. Também é o que dá não saberem que prefiro livros a flores, porém, ainda bem, caso contrário, ainda me deixavam à porta um dos escritos do Paulo Coelho ou coisa que o valha! Obviamente, tal acontecimento remonta à minha época insana de juventude. Coleciono alguns pequenos remorsos, mas também há homens que não facilitam… Faço o mea culpa por ter sido um bocadinho inconsequente e brincalhona, mas sob uma ténue nesga de possibilidade de ir tomar um café, foi um choque quando confirmei que disse que iria, mas que não tinha referido nem o mês nem o ano… Eu sei… Não me porto sempre bem. Hoje, mais madura, não faria tal… Um “não” seco chegaria. Eis o motivo do presente mais original que alguém já me ofertou.

            No entanto, deixa a pensar sobre a psicologia masculina e a manifesta incapacidade de alguns em lidarem com a rejeição, como se as mulheres, objeto do seu desejo, fossem obrigadas a ceder aos encantos dos conquistadores. Ora, nunca fui propriamente mulher para ser conquistada como troféu que se ergue alto, ganho em qualquer competição. Por outro lado, os machos com a mania de D. Juan de trazer por casa, nunca me seduziram, para além de me conseguirem irritar e dar vontade de os expor ao ridículo. A propensão masculina para a posse de forma animalesca é absurda. Já deveriam ter aprendido que a expressão “ a minha mulher” não significa que ela lhes pertença como qualquer outro bem. Na verdade, significa: a mulher que ainda desejo, com quem estabeleci um contrato e que se mantém válido, enquanto ambas as partes o desejarem. A mulher não é um bem material, sem vontade própria, que possa ser entendida como propriedade privada de alguém. É um ser dotado de livre arbítrio, de inteligência e de emoções, capaz de fazer as suas escolhas, em plena posse de suas capacidades, não alguém para subjugar ou agrilhoar. Valido o discurso para os homens, também. O verdadeiro companheiro caminha ao lado, não à frente nem atrás, satisfeito pelo encontro que a vida lhe proporcionou e orgulhoso do trajeto. Menos do que isto é nada. Poderá não ser mais, mas isto é o mínimo exigível num relacionamento que se quer saudável.

Gostaria que muitas mulheres tivessem esta consciência para não se deixarem subestimar nem desprezar. A humilhação do outro é a arma dos incapazes.

 

Nina M.

Sem comentários:

Enviar um comentário