Para ti. O mimo que me pediste.
A vida do ser humano não é linear nem
pré-determinada. Está sujeita às circunstâncias, é certo, mas o caminho somos
nós que o construímos à medida que avançamos e a isto chama-se livre arbítrio,
a possibilidade da escolha, que tem tanto de bom quanto de terrível.
Essa liberdade de poder escolher é
um poder assombroso. Obviamente, essa liberdade é sempre condicionada às
circunstâncias que se nos deparam, pelo que, muitas vezes, a escolha é coragem,
dor, o mal menor e outras tantas vezes a leveza e o sorriso. Seja como for, a
boa vida não exclui os sofrimentos nem as angústias, mas certamente incorpora a
forma como lidamos com elas. Há uma máxima de que gosto: não sofrer por
antecipação. A dor antecipada não acrescenta, não resolve a angústia e se o
sofrimento se vier a justificar estamos a ser duplamente penalizados, se não
for o caso, então, estivemos a sofrer à toa.
Para
ti, só para ti, hoje, não sofras à toa, porque tudo vai correr bem. Prometo.
Juro, como pediste. Como sei? Talvez tenha aprendido com a Blimunda a recolher
vontades e a saber o que sei sem saber como, um legado muito antigo de caráter
sibilino com que as mulheres foram dotadas, por culpa da Sibila de Cumas, a
sábia. Todas nós sabemos muitas coisas antes de elas acontecerem, se as
soubermos escutar. E eu escuto que vai correr bem. O percurso de quem já passou
pela pior dor que consigo imaginar (e apenas imagino) e se mantém corajosamente
no trajeto da vida, só pode correr bem. A vida é feita de derrotas (muitas) e
que o digam os anti-heróis dos livros que leio e que literalmente amo e de
parcas vitórias que servem apenas para nos amaciar o ego. Há até quem julgue
que a vida é uma piada charmosa. Eu costumo dizer mais que a vida é cínica,
porque quando parece maravilhosa, tira-nos o tapete e leva-nos ao chão. Porém,
há uma pulsão chamada amor que nos agarra a ela e que faz com que seja a única
opção possível, por mais duro que o trajeto seja. Às vezes, há desistências,
pensarás. Certo. Há. Por vezes, não é mau desistir. Pode ser sinal de
inteligência. Não se aplica aqui. Mesmo que o pior cenário se confirmasse.
Bastaria um momento para respirar longamente, recuperar força e voltar ao
ringue, porque a vida ainda mal começou!
A
Helena Sacadura Cabral costuma dizer que a vida dela começou aos cinquenta. Até
lá, foi uma excelente mãe. Cumpriu o seu papel de criar e de encaminhar os
filhos. Depois, foi fazer o que verdadeiramente gostava, sem a preocupação de
ter alguém a seu cargo. E eu gosto dessa ideia. Torna o envelhecimento quase
desejável, na perspetiva de poder viver os melhores anos da vida. Eu não os quererei desperdiçar. Tu
também não. A sacana da vida pode ser bastarda, mas eu gosto dela. Vibra e
borbulha dentro das veias. Exige que lhe preste atenção e que estejamos à
altura do desafio. É forçoso que assim seja. Às vezes, o coração rasga-se e
chora e parece desfalecer. Há momentos duros que quase nos impedem a
respiração, mas numa nesga de alma, sem se saber bem como, a resiliência e a vontade
de existir sobrepõem-se. A recusa do nada e do tempo sem fim. É uma luta inglória
e, um dia, será mesmo perdida, mas não por enquanto. Demasiado cedo. Demasiada vida
para se viver com o que ela trouxer. Disto não abdico. E antes dos noventa com saúde
e destreza mental que ninguém me fale da ceifeira! E, como me dizem os meus filhos,
“ talvez até já possa viver até aos 150, porque a ciência é espantosa”. Resta-me
saber se é puro amor ou interesse no abrigo da asa. Para ti não será diferente.
Prometo.
Nina
M.
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