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sábado, 22 de maio de 2021

Crónica de Maus Costumes 233

 

Para ti. O mimo que me pediste.

                A vida do ser humano não é linear nem pré-determinada. Está sujeita às circunstâncias, é certo, mas o caminho somos nós que o construímos à medida que avançamos e a isto chama-se livre arbítrio, a possibilidade da escolha, que tem tanto de bom quanto de terrível.

            Essa liberdade de poder escolher é um poder assombroso. Obviamente, essa liberdade é sempre condicionada às circunstâncias que se nos deparam, pelo que, muitas vezes, a escolha é coragem, dor, o mal menor e outras tantas vezes a leveza e o sorriso. Seja como for, a boa vida não exclui os sofrimentos nem as angústias, mas certamente incorpora a forma como lidamos com elas. Há uma máxima de que gosto: não sofrer por antecipação. A dor antecipada não acrescenta, não resolve a angústia e se o sofrimento se vier a justificar estamos a ser duplamente penalizados, se não for o caso, então, estivemos a sofrer à toa.

Para ti, só para ti, hoje, não sofras à toa, porque tudo vai correr bem. Prometo. Juro, como pediste. Como sei? Talvez tenha aprendido com a Blimunda a recolher vontades e a saber o que sei sem saber como, um legado muito antigo de caráter sibilino com que as mulheres foram dotadas, por culpa da Sibila de Cumas, a sábia. Todas nós sabemos muitas coisas antes de elas acontecerem, se as soubermos escutar. E eu escuto que vai correr bem. O percurso de quem já passou pela pior dor que consigo imaginar (e apenas imagino) e se mantém corajosamente no trajeto da vida, só pode correr bem. A vida é feita de derrotas (muitas) e que o digam os anti-heróis dos livros que leio e que literalmente amo e de parcas vitórias que servem apenas para nos amaciar o ego. Há até quem julgue que a vida é uma piada charmosa. Eu costumo dizer mais que a vida é cínica, porque quando parece maravilhosa, tira-nos o tapete e leva-nos ao chão. Porém, há uma pulsão chamada amor que nos agarra a ela e que faz com que seja a única opção possível, por mais duro que o trajeto seja. Às vezes, há desistências, pensarás. Certo. Há. Por vezes, não é mau desistir. Pode ser sinal de inteligência. Não se aplica aqui. Mesmo que o pior cenário se confirmasse. Bastaria um momento para respirar longamente, recuperar força e voltar ao ringue, porque a vida ainda mal começou!

A Helena Sacadura Cabral costuma dizer que a vida dela começou aos cinquenta. Até lá, foi uma excelente mãe. Cumpriu o seu papel de criar e de encaminhar os filhos. Depois, foi fazer o que verdadeiramente gostava, sem a preocupação de ter alguém a seu cargo. E eu gosto dessa ideia. Torna o envelhecimento quase desejável, na perspetiva de poder viver os melhores anos da  vida. Eu não os quererei desperdiçar. Tu também não. A sacana da vida pode ser bastarda, mas eu gosto dela. Vibra e borbulha dentro das veias. Exige que lhe preste atenção e que estejamos à altura do desafio. É forçoso que assim seja. Às vezes, o coração rasga-se e chora e parece desfalecer. Há momentos duros que quase nos impedem a respiração, mas numa nesga de alma, sem se saber bem como, a resiliência e a vontade de existir sobrepõem-se. A recusa do nada e do tempo sem fim. É uma luta inglória e, um dia, será mesmo perdida, mas não por enquanto. Demasiado cedo. Demasiada vida para se viver com o que ela trouxer. Disto não abdico. E antes dos noventa com saúde e destreza mental que ninguém me fale da ceifeira! E, como me dizem os meus filhos, “ talvez até já possa viver até aos 150, porque a ciência é espantosa”. Resta-me saber se é puro amor ou interesse no abrigo da asa. Para ti não será diferente.

Prometo.

 

Nina M.

 

 

 

 

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