Até sempre !
Até
sempre, Maria João, é o que urge dizer. Mesmo que não te conheça, porque
conhecer a artista não é de todo conhecer a pessoa, porque cada ser humano é um
poço sem fundo e desconfio sempre do muito que se pode conhecer alguém, se
duvidar até da possibilidade de nos conhecermos a nós mesmos… Nunca saberemos
como reagiríamos perante certas circunstâncias. Podemos pressentir como seria,
mas sempre sem certezas absolutas.
A
única certeza é a de ter sido inesperadamente e demasiado cedo. Multiplicam-se
as homenagens e palavras de dor, mas nada disso faz diferença para quem partiu.
Talvez possa ser um lenitivo para os que deixas. Lamento a dor de todos, mas
especialmente a dor dos filhos.
Sabes,
João, não gosto da morte. E a tua foi um sobressalto. Podia ter sido a minha ou
a de qualquer outro. Assim. Cirúrgica e sem aviso. Sabemos que ela faz parte da
vida, no entanto, é algo que se quer longínqua. A tua foi tão perto! Lembra-me
que poderia ter sido a minha! Encarar a morte é responsabilizar-nos pela vida,
o que não é menos assustador. Alguém a definiu (a vida) como uma “charming
joke”. Isto, nas melhores das hipóteses, porque a safada pode ser cínica mesmo.
Eu não quero que a minha seja uma piada glamorosa nem cínica. Quero apenas que
faça sentido e que não seja desperdício. Ninguém deveria morrer sem sentir que
valeu a pena viver. Sabes, João, Torga disse, certa vez, que a vida é um
absurdo delicioso e eu inclino-me a sentir como ele. A vida, com todos os seus
problemas tem que valer a pena. Em cada verso que me ocorra, em cada abraço
apertado que gosto de dar e de receber, em cada carinho, em cada gesto e em
cada palavra amorosa que tenha e receba, cada olhar de regresso a casa, tem de
fazer a diferença. Agarro-me a esta ideia com todas as minhas forças e
esperanças e a minha alegria, que me faz querer viver até aos noventa, mesmo
não sendo desavergonhadamente feliz todos os dias e todos os instantes… Já o fui,
sabes, e lembro-me tão bem dessa sensação maravilhosa de uma inocência pueril despudoradamente
feliz, de quem abarca o mundo sem nada querer! Mas se puder sê-lo aos
bocadinhos aqui e além e reter em mim todos esses retalhos, sinto que serei
mais rica. Não quero a sensação do vazio ou de um niilismo antecipado que rejeito,
porque isso é já não viver de verdade. Nem o ventre sadio de uma mãe que acolheu
vida e a gerou pode resignar-se, porque viu o milagre a acontecer dentro de si.
Carne da minha carne, carne que se alimentou de mim e em mim se gerou. Amor eterno
que não se larga. Nem que seja este o último argumento válido.
Responder
à pergunta da filha de dez anos se pode acontecer comigo também e ver o rosto
incrédulo de quem não supõe ainda a existência sem mãe é desolador. A única
resposta viável é a verdadeira: pode. E explica-se o aneurisma, de forma
simples e ouve-se como resposta: “Mas eu não quero que morras!”
Nem
os teus, João, não queriam que tivesses morrido… Nem tu, João, os querias ter deixado…
Voltarás
a ser pó de estrelas, fruto de explosão brilhante e luminosa, talvez energia que
se renova. Certamente, não viveste em vão.
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