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sábado, 15 de maio de 2021

Crónica de Maus Costumes 232

Até sempre !

Até sempre, Maria João, é o que urge dizer. Mesmo que não te conheça, porque conhecer a artista não é de todo conhecer a pessoa, porque cada ser humano é um poço sem fundo e desconfio sempre do muito que se pode conhecer alguém, se duvidar até da possibilidade de nos conhecermos a nós mesmos… Nunca saberemos como reagiríamos perante certas circunstâncias. Podemos pressentir como seria, mas sempre sem certezas absolutas.

A única certeza é a de ter sido inesperadamente e demasiado cedo. Multiplicam-se as homenagens e palavras de dor, mas nada disso faz diferença para quem partiu. Talvez possa ser um lenitivo para os que deixas. Lamento a dor de todos, mas especialmente a dor dos filhos.

Sabes, João, não gosto da morte. E a tua foi um sobressalto. Podia ter sido a minha ou a de qualquer outro. Assim. Cirúrgica e sem aviso. Sabemos que ela faz parte da vida, no entanto, é algo que se quer longínqua. A tua foi tão perto! Lembra-me que poderia ter sido a minha! Encarar a morte é responsabilizar-nos pela vida, o que não é menos assustador. Alguém a definiu (a vida) como uma “charming joke”. Isto, nas melhores das hipóteses, porque a safada pode ser cínica mesmo. Eu não quero que a minha seja uma piada glamorosa nem cínica. Quero apenas que faça sentido e que não seja desperdício. Ninguém deveria morrer sem sentir que valeu a pena viver. Sabes, João, Torga disse, certa vez, que a vida é um absurdo delicioso e eu inclino-me a sentir como ele. A vida, com todos os seus problemas tem que valer a pena. Em cada verso que me ocorra, em cada abraço apertado que gosto de dar e de receber, em cada carinho, em cada gesto e em cada palavra amorosa que tenha e receba, cada olhar de regresso a casa, tem de fazer a diferença. Agarro-me a esta ideia com todas as minhas forças e esperanças e a minha alegria, que me faz querer viver até aos noventa, mesmo não sendo desavergonhadamente feliz todos os dias e todos os instantes… Já o fui, sabes, e lembro-me tão bem dessa sensação maravilhosa de uma inocência pueril despudoradamente feliz, de quem abarca o mundo sem nada querer! Mas se puder sê-lo aos bocadinhos aqui e além e reter em mim todos esses retalhos, sinto que serei mais rica. Não quero a sensação do vazio ou de um niilismo antecipado que rejeito, porque isso é já não viver de verdade. Nem o ventre sadio de uma mãe que acolheu vida e a gerou pode resignar-se, porque viu o milagre a acontecer dentro de si. Carne da minha carne, carne que se alimentou de mim e em mim se gerou. Amor eterno que não se larga. Nem que seja este o último argumento válido.

Responder à pergunta da filha de dez anos se pode acontecer comigo também e ver o rosto incrédulo de quem não supõe ainda a existência sem mãe é desolador. A única resposta viável é a verdadeira: pode. E explica-se o aneurisma, de forma simples e ouve-se como resposta: “Mas eu não quero que morras!”

Nem os teus, João, não queriam que tivesses morrido… Nem tu, João, os querias ter deixado…

Voltarás a ser pó de estrelas, fruto de explosão brilhante e luminosa, talvez energia que se renova. Certamente, não viveste em vão.

 

Nina M.

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