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sábado, 20 de março de 2021

Crónica de Maus Costumes 224

 

Confinamento e irritações

Pressuponho que o longo confinamento que vivemos não deixa ninguém saudável, tanto física quanto psicologicamente. No que respeita a condição física, para mim não fez grande diferença, dado que continuei ativa e com as corridinhas habituais. No entanto, a componente mental começa a evidenciar exaustão, devido à situação que se arrasta já há um ano. É muito tempo de clausura e a vida monástica nunca foi uma opção para mim.

A capacidade de colocar a situação em perspetiva também me faz saber que sou uma afortunada, sem grandes razões para o queixume. Aliás, sou pouco dada a isso… Concedo-me o direito à lástima durante um tempo, porque todos nós precisamos de um período de adaptação, mas tento sempre enquadrar a situação na devida moldura, para perceber que os meus motivos para o agastamento são ridículos se comparados com tantos verdadeiros problemas reais. A partir do momento em que mantenho o trabalho, o salário, a minha saúde e dos que amo, não há lugar para reclamações sob pena de cair no ridículo… Não falarei, portanto, do tanto que me falta, por considerar que o melhor a fazer nesta situação é olhar para o tanto que me sobra. Porém, se há algo em que o confinamento começa a fazer das suas é no que diz respeito à irritabilidade. Se a estupidez por si só já me causava algum prurido, neste momento, sinto sérias dificuldades em lidar com ela e vejo a minha paciência esgotar-se num ápice, perante algumas situações.

Incomodo-me, desde logo, com a minha classe profissional e com as queixas de alguns bebés chorões que nunca estão satisfeitos com nada. Desconfio que a única solução para essa gente era ficar de papo para o ar em casa, sem fazer nada e ver o dinheirinho a cair na conta ao final do mês. Eu também gostaria que me saísse o euromilhões, não para ficar inativa, pois não teria paciência para tal, mas para fazer única e exclusivamente o que me apetecesse e aquilo de que verdadeiramente gosto e que para aqui não vem ao caso…

Falo, obviamente, das vacinas e dos comentários chorosos (e estúpidos, já agora) sobre a obrigatoriedade ou não de a tomar e os medos exagerados que muitos revelam. Se falamos em desconfinar, aqui d’el-rei quem me acode, porque é um perigo e nem pensar… Sem vacina deveríamos todos recusar regressar à escola!… Onde já se viu?! E catrapumba! Cá vêm os discursos miserabilistas de fazerem da classe carne para canhão, etc e tal! Muito bem. Vamos desconfinar e os professores vão ser vacinados. Era o que haveria de faltar! Vamos servir de cobaias e não veem os problemas que têm surgido por esse mundo fora?! E chegam logo os arautos da desgraça a anunciar que daqui a dois anos é que vai ser bonito, porque vai começar gente a morrer em barda por causa dos coágulos originados pela vacina e sei lá o que mais… Ufa! Haja paciência!...

Meus amigos, não se querem vacinar? Não vacinem. Não são obrigados a isso, mas depois não se lamentem por se sentirem inseguros e se, eventualmente, contraírem a “gripezinha” lembrem-se também de que não podem prever possíveis sequelas futuras. A vacina pode causar efeitos secundários graves em alguns de nós? Pode. Tal como qualquer medicamento. A comunidade médica iria permitir que se inoculasse em massa a população com algo que fosse mais prejudicial do que benéfico, já depois de toda a testagem que foi efetuada? Obviamente, que não! Deixemo-nos de teorias da conspiração sem nexo e confiemos nos cientistas que têm vindo a trabalhar arduamente para nos devolverem a normalidade o mais rapidamente possível! Lembram-me aqueles pais modernaços e inconscientes que optam por não vacinar os filhos contra o sarampo, por exemplo. “O meu filho não foi vacinado e nunca apanhou!” Pois não! Grande parvo! Só não apanhou por haver imunidade de grupo já que a larga maioria se encontra inoculado. Deixássemos de o fazer e logo se veria… Por essa ordem de raciocínio, ainda hoje teríamos gente a morrer de tuberculose… Perco as estribeiras com isto! Depois, há aqueles que não sabem se serão vacinados na área de residência ou na área da escola, pois trabalham a muitos quilómetros de casa e se sentirem efeitos secundários como faço para voltar para casa? A sério? Isso é alguma questão? Se tiver algum problema muito sério será transportado para o hospital, se sentir uma ligeira indisposição lá terá que a aguentar ou pedir a alguém que o vá buscar. Como faria caso se sentisse mal num dia normal de trabalho?!

Não há paciência! Gente que gosta de complicar e que para cada solução encontrada adora arranjar um novo problema com a esperança que seja insolúvel!

Tudo isto me causa uma ligeira irritaçãozinha, mas a grande urticária surge com a passividade das agendas políticas, dos interesses partidários e da apatia de muitas ONG, muito defensoras dos direitos humanos quando por qualquer razão oculta lhes interessa, mas muito relapsas noutras situações. Ando há uma semana a tentar digerir a ira que se apoderou de mim, por uma situação que se arrasta há tempos e que parece a ninguém indignar. Falo de Moçambique. Hoje uma manifestação, em Lisboa, pró-desconfinamento, contra o uso de máscara, à luz do que se encontra agendado noutros países europeus, porque de facto o uso da máscara ou o cartão que indicará a nossa vacinação contra a COVID e que constitui um grave atentado contra a nossa liberdade é que é indecoroso! Decapitar meia-dúzia de crianças e chacinar comunidades, isso não interessa nada, porque se passa bem longe de nós! Talvez se lhe pegar por outro lado, muitos senhores possam sentir-se verdadeiramente ofendidos, indignados e começar a pressionar a comunidade internacional a intervir naquele território, para se tentar pôr cobro ao desmando. Atenção, que vou dar uma novidade: os moçambicanos são negros! Gente! São negros que estão a ser chacinados! Será que assim resulta?! Mamadou, Ascenso Simões, bloquistas em geral, alguém me ouve, por favor?! Querem agilizar algumas das vossas ações para chamar a atenção para esta barbárie?! Serei a única alma a quem ferve o sangue, treme o intestino e cai na raiva por se sentir impotente?

Fartinha desta santa e honrada hipocrisia de uma sociedade tinhosa da qual me apetece fugir, mas sem a qual não posso viver! Ó dilema!

Como diria o ilustre Fernando, na voz do seu Álvaro, “É o sono da soma de todas as desilusões,/ É o sono da síntese de todas as desesperanças […]”

 

Nina M.

 

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