Novo ano e a vida de sempre
Não
sou fã entusiasta dos novos anos que se anunciam a cada primeiro de janeiro.
Aprecio o convívio com aqueles de quem gosto seja no primeiro de janeiro ou no
trinta e um de agosto. O ano será o que cada um de nós for capaz de fazer com
ele, com todas aquelas circunstâncias que nos limitam e com todas as outras que
nos catapultam. Por isso gosto tanto do poema do Drummond de Andrade, que
explica isso mesmo: Para ganhar um Ano Novo / que mereça
este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo novo, eu sei
que não é fácil, / mas tente, experimente, consciente. / É dentro de você que o
Ano Novo / cochila e espera desde sempre.
Seja como
for, nunca fiz ou farei qualquer lista de intenções e quanto à revisão do que
fui fazendo no tempo vivenciado, faço-o amiúde, como se me visse presa numa
espécie de eterno retorno nietzschiano. Raramente desejo que o tempo passe. Não
é necessário. Somos nós quem passa muito rapidamente por ele. Ansiar avidamente
pelo fim do ano, mesmo que seja este de 2020, é querer abreviar o nosso fim e o
dos que nos são próximos. Não tenho vontade nenhuma de viver essas
experiências. Virão. Eu sei. Essa consciência está sempre latente em mim, à
espreita para se poder enroscar na minha nostalgia, se me apanha distraída.
Porém, vou olhando a finitude nos olhos, como posso, mas no final será ela a
vencedora. Afastá-la-ei e aviso-a para não me importunar antes dos noventa nem
me estragar a alegria de viver e ela, às vezes, faz-me a vontade e esquece-se
de me rondar, porém, se me vê demasiado distraída, arranja forma de me lembrar
que anda por aí… De modo que não tenho por hábito ingerir as doze passas e
formular desejos… Se o fizesse, pediria que o coronavírus nos deixasse de
importunar definitivamente, porque sinto falta da liberdade de movimentos, de
poder fazer certas banalidades à hora que me apetece e até sinto falta do que
não fazia antes da covid-19. É certo que a pandemia não alterou
substancialmente os meus hábitos, mas quando me vejo impedida de fazer certas
coisas que normalmente já não fazia fico irritada, porque é a janela da
oportunidade que se fecha, alheia à nossa vontade. Depois, seguindo a
magistrada Maria José Morgado, pediria uma vacina tríplice contra a pobreza, a
violência e a corrupção. Depois de a ouvir, no Governo Sombra, lamentei que esta senhora não seja candidata à
Presidência da República, porque estaria escolhida a minha candidata… Assim…
Penúria e aflição! Sei que desejaria uma maior participação feminina na
sociedade, um maior reconhecimento do potencial da mulher. Para isso, a mulher
tem de o querer… Mais vozes femininas na literatura são absolutamente
necessárias e dou por mim a pensar que leio maioritariamente homens…
Congratulo-me com as vitórias de Ana Rita Rocha, com o seu Listen…
Rio-me com a imprensa portuguesa e
com a cobertura televisiva dada ao transporte das vacinas sob forte escolta
policial (caíram no ridículo os comandos da PSP e da GNR ao disputarem serviço
de tamanha importância!). Se tivessem usado tantos meios humanos no caso do
Pedro Dias, o homicida teria sido apanhado mais depressa, talvez…
As vacinas são importantes, entenda-se. Já o
circo à volta delas seria dispensável… Porém… Pensando bem, neste país tudo é
possível, se desapareceram armas de Tancos, também seria possível desaparecerem
vacinas!
Rio-me com a indignação do Sérgio Conceição, o treinador do
meu FCP, perante a afirmação do Guardiola que terá alegadamente afirmado que os
portugueses são um “Pueblo de mierda”. Ora… Dito assim, por um espanhol (se é
que o senhor se considera espanhol e não catalão, porque com aquelas pessoas
nunca se sabe… São galegos, bascos, catalães, enfim, espanhóis é que não) não
me parece bem. Qualquer português poderia afirmá-lo e nós bateríamos palmas à
autocrítica tão necessária. Um povo que aceita placidamente os maiores crimes
de corrupção neste país sem se manifestar, que acata os sucessivos abusos de
poder sem barafustar, não sei bem o que diga… No entanto, não há de ser um
“nuestro hermano ronhoso” a lembrá-lo! Homessa! Saia uma batalha de S. Mamede e
uma padeira de Aljubarrota, se faz favor! E para sobremesa, um tratado de
Tordesilhas! Incha, Guardiola! Sobre Olivença, é melhor nem falarmos!
Para terminar o ano em graça, prefiro lembrar o incómodo da
minha pequenina de nove anos, que assistiu a um documentário comigo sobre o
campo de concentração de Bergen-Belsen, onde pereceu Anne Frank, figura que ela
conhece do Diário que vai lendo, e abre os seus imensos olhos de espanto e me
pergunta, com toda a sua inocência e a sua pureza, o motivo de os homens serem
tão maus. Garante-me que se tivesse um avô que fosse sobrevivente de Auschwitz
ou de Bergen-Belsen, sentir-se-ia muito orgulhosa. Também sente orgulho dos
seus avós, afiança, que passaram por muitas dificuldades, mas que se fossem um
daqueles senhores que viu no documentário, a admiração talvez fosse maior.
Disse-lhe que se pode sentir orgulhosa de qualquer forma, porque aqueles seres
humanos são extraordinários. Apesar da experiência horrível a que foram
subjugados, decidiram viver e denunciar o genocídio ao mundo para que nunca
caia no esquecimento. Expliquei-lhe que é bom que não compreenda a maldade, que
nunca a deve compreender nem aceitar, porque de cada vez que um ser humano for
capaz de a rejeitar, estará a proteger a sua humanidade, que acaba quando
transforma o mal (seja ele grande ou pequeno) numa banalidade.
Bom ano para todos!
Nina M.
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