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sábado, 2 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 213

 Novo ano e a vida de sempre

            Não sou fã entusiasta dos novos anos que se anunciam a cada primeiro de janeiro. Aprecio o convívio com aqueles de quem gosto seja no primeiro de janeiro ou no trinta e um de agosto. O ano será o que cada um de nós for capaz de fazer com ele, com todas aquelas circunstâncias que nos limitam e com todas as outras que nos catapultam. Por isso gosto tanto do poema do Drummond de Andrade, que explica isso mesmo: Para ganhar um Ano Novo / que mereça este nome, / você, meu caro, tem de merecê-lo, / tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, / mas tente, experimente, consciente. / É dentro de você que o Ano Novo / cochila e espera desde sempre.

            Seja como for, nunca fiz ou farei qualquer lista de intenções e quanto à revisão do que fui fazendo no tempo vivenciado, faço-o amiúde, como se me visse presa numa espécie de eterno retorno nietzschiano. Raramente desejo que o tempo passe. Não é necessário. Somos nós quem passa muito rapidamente por ele. Ansiar avidamente pelo fim do ano, mesmo que seja este de 2020, é querer abreviar o nosso fim e o dos que nos são próximos. Não tenho vontade nenhuma de viver essas experiências. Virão. Eu sei. Essa consciência está sempre latente em mim, à espreita para se poder enroscar na minha nostalgia, se me apanha distraída. Porém, vou olhando a finitude nos olhos, como posso, mas no final será ela a vencedora. Afastá-la-ei e aviso-a para não me importunar antes dos noventa nem me estragar a alegria de viver e ela, às vezes, faz-me a vontade e esquece-se de me rondar, porém, se me vê demasiado distraída, arranja forma de me lembrar que anda por aí… De modo que não tenho por hábito ingerir as doze passas e formular desejos… Se o fizesse, pediria que o coronavírus nos deixasse de importunar definitivamente, porque sinto falta da liberdade de movimentos, de poder fazer certas banalidades à hora que me apetece e até sinto falta do que não fazia antes da covid-19. É certo que a pandemia não alterou substancialmente os meus hábitos, mas quando me vejo impedida de fazer certas coisas que normalmente já não fazia fico irritada, porque é a janela da oportunidade que se fecha, alheia à nossa vontade. Depois, seguindo a magistrada Maria José Morgado, pediria uma vacina tríplice contra a pobreza, a violência e a corrupção. Depois de a ouvir, no Governo Sombra, lamentei que esta senhora não seja candidata à Presidência da República, porque estaria escolhida a minha candidata… Assim… Penúria e aflição! Sei que desejaria uma maior participação feminina na sociedade, um maior reconhecimento do potencial da mulher. Para isso, a mulher tem de o querer… Mais vozes femininas na literatura são absolutamente necessárias e dou por mim a pensar que leio maioritariamente homens… Congratulo-me com as vitórias de Ana Rita Rocha, com o seu Listen

            Rio-me com a imprensa portuguesa e com a cobertura televisiva dada ao transporte das vacinas sob forte escolta policial (caíram no ridículo os comandos da PSP e da GNR ao disputarem serviço de tamanha importância!). Se tivessem usado tantos meios humanos no caso do Pedro Dias, o homicida teria sido apanhado mais depressa, talvez…

 As vacinas são importantes, entenda-se. Já o circo à volta delas seria dispensável… Porém… Pensando bem, neste país tudo é possível, se desapareceram armas de Tancos, também seria possível desaparecerem vacinas!

Rio-me com a indignação do Sérgio Conceição, o treinador do meu FCP, perante a afirmação do Guardiola que terá alegadamente afirmado que os portugueses são um “Pueblo de mierda”. Ora… Dito assim, por um espanhol (se é que o senhor se considera espanhol e não catalão, porque com aquelas pessoas nunca se sabe… São galegos, bascos, catalães, enfim, espanhóis é que não) não me parece bem. Qualquer português poderia afirmá-lo e nós bateríamos palmas à autocrítica tão necessária. Um povo que aceita placidamente os maiores crimes de corrupção neste país sem se manifestar, que acata os sucessivos abusos de poder sem barafustar, não sei bem o que diga… No entanto, não há de ser um “nuestro hermano ronhoso” a lembrá-lo! Homessa! Saia uma batalha de S. Mamede e uma padeira de Aljubarrota, se faz favor! E para sobremesa, um tratado de Tordesilhas! Incha, Guardiola! Sobre Olivença, é melhor nem falarmos!

Para terminar o ano em graça, prefiro lembrar o incómodo da minha pequenina de nove anos, que assistiu a um documentário comigo sobre o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde pereceu Anne Frank, figura que ela conhece do Diário que vai lendo, e abre os seus imensos olhos de espanto e me pergunta, com toda a sua inocência e a sua pureza, o motivo de os homens serem tão maus. Garante-me que se tivesse um avô que fosse sobrevivente de Auschwitz ou de Bergen-Belsen, sentir-se-ia muito orgulhosa. Também sente orgulho dos seus avós, afiança, que passaram por muitas dificuldades, mas que se fossem um daqueles senhores que viu no documentário, a admiração talvez fosse maior. Disse-lhe que se pode sentir orgulhosa de qualquer forma, porque aqueles seres humanos são extraordinários. Apesar da experiência horrível a que foram subjugados, decidiram viver e denunciar o genocídio ao mundo para que nunca caia no esquecimento. Expliquei-lhe que é bom que não compreenda a maldade, que nunca a deve compreender nem aceitar, porque de cada vez que um ser humano for capaz de a rejeitar, estará a proteger a sua humanidade, que acaba quando transforma o mal (seja ele grande ou pequeno) numa banalidade.

Bom ano para todos!

 

Nina M.

 

 

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