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sábado, 30 de janeiro de 2021

Crónica de Maus Costumes 217

 

Redes sociais, devassidão e falta de ética

                Tive a oportunidade de ver um documentário sobre o funcionamento das redes sociais, as suas implicações e os seus objetivos, produzido pela Netflix, intitulado The Social Dilemma, com a participação de pessoas que exerceram funções nessas mesmas redes, alguns deles, os próprios criadores dos produtos que consumimos.

                Temos a perceção e eu já afirmei que as redes sociais em si não são boas nem más, tudo depende do uso que se lhes dá, porém, há um lado muito perverso no meio de todo este sistema. Usamos um produto que é gratuito, mas tal como o David Lodge nos ensina no seu romance, intitulado exatamente assim, um almoço nunca é de graça. Se não custeamos o produto que usamos (e estamos habituados a fazê-lo: pagamos para ter internet, telefone, água, luz, gás…) significa que, na verdade, somos nós o produto. Nós, seres humanos dotados de individualidade, estamos a ser vendidos a retalho a empresas de publicidade. Certamente, já todos ouviram falar dos algoritmos, que analisam detalhadamente o que costumamos consumir no mundo virtual, o tempo que estamos ligados e as conexões que fazemos. Verdadeiras centrais de inteligência artificial que evoluem positivamente sozinhas, sem necessidade da mão humana, que foram criadas para nos fornecerem o que gostamos de consumir. Trata-se de verdadeira manipulação, sem que nos apercebamos, mexendo com a nossa biologia. Ao vermos o que nos interessa e os comentários dos que nos são próximos, o cérebro liberta doses de dopamina (o neurotransmissor do bem-estar). Qual o problema? Funcionar como uma droga. Significa que causa adição e que, sem nos darmos conta, ficamos reféns dessas empresas tecnológicas e dos seus produtos. Todos os utilizadores (eu incluída)  sabemos que se pesquisarmos por determinado produto, nos dias seguintes, no mural de cada um surgirá, como por magia, uma série de conteúdos relacionados com o que pesquisamos. Nada funciona por acaso. São os algoritmos os responsáveis por isso, em alimentar os nossos interesses. Onde entra o lucro no meio disto e por que razão estamos a ser vendidos? No meio dos vídeos a que assistimos, somos invadidos por publicidade que não desejamos ver e que, muitas vezes, não se pode “saltar”. Para o facebook, twitter, instagram, whatsapp, snapchat ou o que for pouco importa, porque a visualização da publicidade foi assegurada. Portanto, quanto mais tempo nos mantiverem presos às redes, mais lucros obtêm e esse é o principal objetivo das empresas. Fazer com que estejamos constantemente dependentes e ligados à rede, a consumir os conteúdos que sabem ser do nosso agrado. Desta forma, trata-se de uma forma desonesta de coação encapotada. Uma coisa é sabermos que têm acesso aos nossos dados, outra bem diferente é usá-los contra nós, sabendo como atacar as nossas debilidades. A lei não nos protege. Ao invés de protegerem os cidadãos (os utilizadores) estão a proteger aqueles que já ganharam milhões e a possibilitar que continuem a fazê-lo. Recentemente, surgiu a lei de proteção de dados, porém, já repararam que quando nos aparece um conteúdo que queiramos mesmo ver (e também surgem coisas positivas na rede, não são só parvoíces, para quem gostar de qualidade), lá surge a obrigatoriedade de aceitarmos as cookies implícitas, ou seja, de darmos o nosso aval para sermos rastreados no que concerne aquele tema. Ou isso ou não lemos, mas como o nosso cérebro se encontra condicionado, o mais frequente é aceitarmos. Evidentemente, se se tratar de uma qualquer notícia de revista cor-de-rosa, é muito fácil para mim resistir-lhe, porém, se me apresentam um conteúdo cultural relacionado com a atualidade ou literatura, por exemplo, eles (os algoritmos) sabem bem que o vou ler. É desta forma que fazem os seus estonteantes lucros.

Mais preocupante se torna quando percebemos que as crianças e os jovens ficam ainda mais vulneráveis a esta situação. Tem havido um aumento exponencial da doença mental como a depressão e até do suicídio entre os adolescentes e que está ligado ao consumo das redes sociais. Desde os desafios parvos e perigosos ao ciberbullying, tudo parece valer. Condenamos a crueldade que facilmente se usa num comentário feito num ecrã, de forma absolutamente cobarde e há situações grotescas e deploráveis, de uma agressividade inaceitável, mas e a responsabilização das empresas que não agem contra este tipo de comportamentos e que não os cerceiam, pelo contrário, muitas vezes até os promovem?! A liberdade tem de ser acompanhada com a responsabilidade e é por isso que as escolhas são difíceis. Mais grave é o facto de se assistir a comportamentos inescrupulosos pelo meio. Há notícias falsas plantadas para espoletar determinadas reações, controlar resultados eleitorais e conduzir certos líderes à ascensão política. Assim nasceram os fenómenos Trump, Bolsonaro e, mais recentemente, o sr. Ventura. Caso para dizer como Sophia: “Perdoai-lhes senhor, porque eles sabem o que fazem”. Compete-nos a nós, utilizadores, estarmos muito atentos ao que recebemos e não espalhar, tentar impedir que o fogo alastre. Posso apontar como exemplo duas situações que circularam nas redes para denegrir a imagem de Marisa Matias, por exemplo. Surgiu uma foto sua, na sua juventude, em que levantava a t-shirt e deixava os seios a descoberto, acompanhada de uma frase menos elegante e outra em que lhe atribuíam uma declaração elogiosa e disparatada sobre os regimes marxistas ainda vigentes. Ora, estou à vontade para o afirmar, porque não votei nesta candidata. Tratava-se de falsidades, até porque a fonte não era referenciada. Gente sem escrúpulos, que não olha a meios para atingir os seus fins. A nossa política está cheia destes pequenos dislates, em que há um aproveitamento, mesmo que às vezes possa ser verdadeiro, para se alcançar certos fins políticos, sem olhar ao incêndio que pode provocar. Fiquei a saber que há um número infindável de seres humanos que acreditam seriamente que a terra é plana. Como é possível? Será que essa gente não lê, não vê mais nada, outra informação contrária? Não, porque os algoritmos fazem questão de incentivar a crença, apresentando-lhes inúmeras opiniões semelhantes à sua, criando-lhes a falsa ilusão de estarem certos. Esta manipulação pode fazer perigar os sistemas democráticos e alastrar as teorias da conspiração. Um dos profissionais, no seu testemunho, dizia mesmo que o seu maior receio era poder haver uma guerra civil. Não foi há muito que a impensável invasão do Capitólio aconteceu…

O que fazer perante este cenário? Certamente, a maioria não quer abandonar as redes sociais. Tal como foi dito pelos criadores, no início ninguém pensou que se pudessem transformar em algo tão nefasto. Poder contactar tão facilmente com alguém à distância é fabuloso. Ter a informação à distância de um clique é espantoso. Programar uma viagem a um país estrangeiro e baixar a aplicação com o mapa da cidade e com as ligações ferroviárias, que nos indica que linhas seguir no metro é bestial! Então, como fazer para minimizar estas situações inaceitáveis? Colocar as pessoas a falarem sobre o assunto, nas próprias redes sociais. Sermos nós, os manipulados vendidos à publicidade, a reclamar, a controlar e a limitar o tempo que passamos nas redes sociais, a verificar a informação que nos chega e ter em atenção a sua fonte… Um deles já nem usava o Google, para quem trabalhou, como motor de busca, utilizava outro que não guardava o histórico. Por último, podemos sempre confundir os algoritmos e ler ou ver várias versões do mesmo facto, contraditórias entre si… Não deixar que nos moldem e subjuguem o nosso espírito crítico. Por fim, resta dizer que por tudo isto, não há murais iguais. Poderá haver semelhantes, mas nunca iguais, pois se há coisa que os algoritmos fazem é alimentar a individualidade do ser…

The social Dilemma… Ide ver…

 

Nina M.

 

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