Seguidores

sábado, 5 de dezembro de 2020

Crónica de Maus Costumes 209

 

Quando os filhos são fonte de inspiração.

- Ahahahah, Mãe! Adoro-te, sabias?!

- Até onde? Daqui à lua e volta?

- sim.

Vem o mais velho…

- Eu amo-te muito, mãe.

- Até à lua também?

- Huuummmm…. Até à Andrómeda! (Mal ele sabe que a mãe já lá esteve muitas vezes, na sua juventude – numa das discotecas da cidade onde estudou).

- E isso é longe, filho? (Sorria sem que ele visse).

- É outra galáxia, mãe!

- Ah! Então é amor suficiente – respondi.

- Sabes, mãe, tenho muito orgulho em ti - replicou.

- Porquê? – Perguntei.

- És muito trabalhadora. Estás sempre a trabalhar. Estavas a corrigir coisas e ainda vais fazer a crónica…

Ri-me.

- Que remédio! – Disse. Temos de trabalhar.

- Olha, mas tenho orgulho, porque podias escolher ser vadia, que eu sei que há mulheres assim… Que não querem saber de nada… Nem dos filhos…

- Ai é? Então e os homens? (Perguntei para saber se haveria alguma questão de género para resolver…)

- Esses? Ainda há mais! Olha, só querem beber e droga e não trabalham, mas o pai também não é assim.

- Pois não, respondi. Se assim fosse não era casado comigo.

- Porquê? Descasavas-te?

- Divorciava-me. É assim que se diz. Ou nem teria casado. Precisamos de quem nos ajude, não de quem nos prejudique.

Terminamos o diálogo com “ainda bem que nesta casa o único preguiçoso é o filho. Assim as coisas correm bem.” Riu-se e retirou-se.

Detesto o papel de mãe babada. É natural que todas as mães sintam orgulho na prole, mas quando é exagerado, soa-me a gente vazia que se apraz apenas com a conquista dos filhos, o que poderá significar que já não têm nada para conquistar por si. Sobrará, tarde ou cedo um vazio muito difícil de preencher. Não resisti, porém, a eternizar o momento doce e as declarações amorosas deles. Naturalmente, também lhes faço muitas e gosto de aproveitar estas, enquanto o pudor não os impede de desbragarem a alma. Com a idade ficamos mais contidos, mais austeros e carregamos um amor envergonhado de pais para filhos e vice-versa. Lembro-me de ser meiga com os meus progenitores, principalmente, com o meu pai a quem me lembro de beijar incessantemente. Não acompanhava o gesto com palavras. Penso que no meu tempo (e já pareço alguém muito idoso a falar) o amor era posto em gestos e não em palavras. Há quem diga que é o que verdadeiramente conta, porque as palavras, levam-nas o vento, porém, para mim, elas têm um valor especial e não devem de todo ser desperdiçadas. No entanto, se o amor é real pode ser dito também, porque lhe acrescenta beleza e transcendência. Não me lembro de ouvir os meus pais dizerem que me amavam, mas não duvido um segundo do amor deles. Sempre dispostos a deixarem as suas coisas para auxiliarem os filhos, antes de tudo.

Hoje, com os seus 82 anos, o meu pai passou por cá, devidamente mascarado e numa visita rapidíssima, para entregar um bolo-rei fresquinho, acabado de confecionar na pastelaria de confiança e os rebuçados da tosse de que os netos tanto gostam. É uma forma de contar o seu amor. Sei-o aliviado por ter ouvido as notícias e sentir que não lhe roubam o Natal, a companhia da filha e dos netos (sempre certos na noite de consoada) e quem sabe de todos, no almoço do dia vinte e cinco, conforme a usança. Por mim, assim que possa, refugiar-me-ei o mais que puder em casa. Deixar que passem uns dias para vermos se há o Natal habitual.

Leio-lhes nos olhos a preocupação e a saudade. O afastamento e a ausência cansam, principalmente aos que sabem ter um futuro bem mais curto que o passado. Verem-se privados, nesta altura da vida, do que lhes faz bem e do que os deixa felizes é tornar o tempo que lhes sobra mais insípido e mal passado…

Os netos anseiam tanto quanto os avós pela festa em família… Seja por palavras, seja por gestos, o amor familiar faz-se presente, tal como deve ser.

 

Nina M.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário